Essa forma de abordar,
esse prisma vem de longe. Lembro-me do abolicionista Joaquim Nabuco. No pequeno
livro “Minha Formação, que pretendia ser apenas um autorretrato, - acabou sendo
uma análise do século XIX e abriu as portas para a interpretação do século XX
-, ele já acentuava as diferenças da inorganicidade da sociedade americana, mais
avançada à época em relação à organicidade da sociedade européia também
desenvolvida. Naquela época já dava sinais da percepção que o nosso ocidente seria
americano. Portanto, penso que não seja correta essa argumentação. Parece-me um
olhar com a vista embaçada
Seria interessante relembrar
que o Rio foi uma das cidades que mais fez pela conquista da Constituição de
1988. Partiu daqui boa parte da disposição do agir cívico que se apoderou do
país naquele período. A cidade se viu impregnada por um intenso e diversificado
associativismo ao redor dos bairros e das favelas, da questão operária,
ambiental, da infância, das questões da mulher e racial.
À volta desses movimentos
sociais se colaram os partidos de centro-esquerda, além das universidades e dos
intelectuais. Toda essa mobilização caminhou, ao mesmo tempo, com uma participação
eleitoral de clara oposição ao regime militar e com a luta pela
redemocratização, - alcançou o auge na memorável mobilização das Diretas -
Já, em 1984 -, que conduziu mais de um milhão de pessoas no comício da
Candelária.
A notável importância na
reconstrução de um projeto de país fez do Rio um dos principais, senão o
principal, centro de animação e inspiração do núcleo progressista da Carta de
88, cujo espírito foi gravado no seu generoso preâmbulo, que introduziu os “direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social”.
O Rio não deixa de seguir
o fenômeno das grandes mudanças que o País viveu, tanto no social, como no
político. É um enorme laboratório complexo, sem polarização, orgânico versus
inorgânico. Está aberto às descobertas e
inovações. É uma democracia de massas, em criação, rumo ao moderno, desde que seja
livre a competição e não haja cerceamento dos atores: partidos políticos,
sindicatos e as inúmeras organizações existentes na cidade no agir e realizar
seus valores e interesses.
É realmente necessário,
nesse momento, reconquistar a cidade “orgânica e inorgânica” para o espírito da
Constituição que ela tanto ajudou a criar, através do fortalecimento daquilo
que o sociólogo Luiz Werneck Vianna já definiu como as “duas democracias” que
ela encerra: a da dimensão participativa e a da dimensão representativa.
Portanto, será necessário
lutar para devolver à cidade o direito de acesso à política, da qual ela está
provisoriamente privada. Para tanto, será indispensável criar mecanismos e espaços
de comunicação que permitam que os diferentes segmentos da população voltem a
se encontrar e a conversar, incorporando, desta vez, os interesses e as
opiniões dos novos seres procedentes dos segmentos emergentes das favelas e
periferias.
Somente assim será possível
formular uma nova política e construir uma agenda pública que a reconcilie com
os valores universais de que falam o preâmbulo da nossa Constituição.
Narrei em outro momento a
frase: rumo ao moderno. Qual é minha compreensão sobre o tema? O que é ser moderno?
Esse conceito tem tradução e nome: chama-se autonomia! Manifesta-se no agir, - com
liberdade -, da vontade da cidadania. Essa vontade passa a ter existência
concreta com a vida associativa, dos partidos políticos que arranca vigor,
energia, disposição de um mundo independente de agentes do poder administrativo
e do poder da lógica econômica.
Há em circulação outra opinião
que teria implicação no resultado eleitoral.
Seria a “crise do nosso sistema político eleitoral”. É óbvio que a
legislação sobre o assunto é falha, produz distorções. Parece que há uma
opinião majoritária da necessidade de uma reforma do sistema. No entanto,
quando se fala quais reformas as discordâncias são muitas. Não há acordo sobre
os temas dessa reforma. Não há dúvida da sua importância, mas as regras
eleitorais não podem ser pensadas como uma panacéia para todos os males.
Estou convencido que o
nosso problema é político. Em primeiro lugar, vem logo a questão das alianças.
È evidente que as alianças são absolutamente necessárias. Não faz sentido
pensar que um partido sozinho ou uma só corrente de pensamento resolverá os
problemas de uma cidade, de um estado ou do País. A questão é que essas
alianças não são realizadas em cima de programas, de valores. Elas se
concretizam por simples interesses eleitorais, pragmáticos. O tempo de
televisão passou a ser uma espécie de demiurgo.
Outro problema é a
estadolatria dos partidos. Parece-me que as nossas organizações partidárias adquiriram
uma cultura de que fazer política significa se ligar na trama dos governos. Enredam-se
nas redes do poder administrativo por conveniências eleitorais: conquistar, manter
mandatos ou reproduzi-los. Em outras ocasiões aderem, sem nenhuma razão ou
argumentos coerentes com sua orientação política de ação.
Foi com um conjunto de
propostas que apresentei e foram acolhidas pelo meu partido que ele se apresentou
às últimas eleições. Eram ideias e valores sobre a política para a cidade. Posso
destacar alguns pontos: o compromisso com a participação da população na
elaboração e acompanhamento das políticas públicas municipais; a aposta na
transparência, no controle social e no respeito às instituições democráticas
como forma de garantir o bom uso dos recursos públicos; a defesa da combinação
da sensibilidade política e social com a profissionalização da gestão e da
competência técnica; a radical busca de um ensino fundamental e de uma educação
infantil de qualidade; a prioridade para o acesso ao sistema público de saúde eficiente;
o esforço para a melhoria do transporte público e a mobilidade urbana; a ação
permanente em favor da geração de renda e emprego, como melhor alternativa para
o combate às desigualdades visando a promoção da cidadania; o compromisso com
práticas de desenvolvimento sustentável, cuidando com responsabilidade e
competência da limpeza urbana, da destinação final de resíduos sólidos, do
saneamento ambiental e da despoluição dos cursos d’água e do estímulo ao uso de
energias limpas; a dedicação central às políticas de atenção aos idosos, às
crianças em situação de risco social, às pessoas com deficiências e à promoção
da equidade de oportunidades entre cidadãos, independentemente de raça, gênero
ou situação de renda; a adesão integral aos princípios da ética e da moralidade
pública; o forte empenho para o redesenho do pacto federativo; a combinação das
políticas compensatórias de renda com ações de qualificação profissional e
reinserção no mercado de trabalho; o combate ao populismo irresponsável e ao
despreparo administrativo e ao amadorismo; o compromisso com a participação da
juventude na administração municipal e de estimular a participação feminina em
todos os espaços de poder. Estava convicto que eram idéias reformistas fortes.
Ficaram no papel e só ecoaram na sala da nossa convenção eleitoral.
Os tempos são outros e
prevaleceram outras visões. Ficamos sem representação no parlamento municipal.
Cabe-nos agora encerrar o compromisso com 2012. Manter nossa visão crítica e de
forma independente - sem participação na administração -, lutar pelo conjunto
de valores aprovados na convenção. Significa também valorizar e aplaudir as decisões
acertadas.
Rio de Janeiro, 17/11/2012
Gilvan Cavalcanti de Melo
é membro do Diretório Nacional do PPS.
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