Número de parlamentares que se dizem governistas é só formal; as chamadas
"traições" fazem parte da rotina de votações no Congresso
João Domingos
BRASÍLIA – Os números oficiais arquivados nos gabinetes dos líderes do
governo na Câmara e no Senado são claros. Com 366 deputados e 63 senadores, a
base governista no Congresso domina 71,3% da Câmara e 77,7% do Senado,
porcentual mais do que suficiente para aprovar emendas constitucionais,
rejeitar projetos inoportunos, atropelar a oposição e deixar a presidente Dilma
Rousseff governar em paz. Mas na prática não é bem assim.
Em vez de ser uma solução para os problemas do governo, a base gigantesca da
presidente no Congresso é um dos motivos das dores de cabeça de Dilma, pois
vive em brigas e disputas internas e cobra caro o apoio, sempre exigindo cargos
em ministérios e estatais e liberação do dinheiro de emendas parlamentares.
"É uma base problemática, desobediente, que precisa ser enquadrada",
admitiu o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, futuro secretário de Transportes
de São Paulo.
Dois casos recentes ilustram a forma como os parlamentares da base votam e
"traem". Em setembro, a Câmara aplicou uma surra no governo durante a
votação do Código Florestal, obrigando a presidente Dilma a vetar boa parte da
medida provisória que havia sido editada justamente para corrigir problemas de
uma decisão anterior do Congresso sobre o mesmo assunto e sobre a qual já havia
sido derrotada.
Antes da votação, a comissão especial que examinava a medida provisória
ignorou todas as recomendações da presidente e fez um acordo entre
ambientalistas e ruralistas que irritou profundamente Dilma Rousseff. A ponto
de a presidente aproveitar uma solenidade pública no Palácio do Planalto para
escrever um bilhete às ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e
Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e indagar que acordo era aquele. O Estado
registrou a bronca em foto.
Há dez dias a Câmara tornou a ignorar as articulações do Planalto e
novamente derrotou o governo na votação do projeto de lei que estabeleceu o
novo regime de concessão de exploração de poços de gás e petróleo e de partilha
dos royalties do petróleo. De nada adiantaram os apelos do líder do governo na
Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para que na votação os deputados
respeitassem contratos já assinados. Do jeito que o projeto foi aprovado,
contratos serão quebrados. A presidente tem até dia 30 para sancionar ou vetar
a proposta.
Cobrança. Um deputado que integra a direção nacional do PT e preside uma das
mais importantes comissões do Congresso disse que seu maior problema nas
votações é causado sempre pelos parlamentares da base. São eles que mais
exigem. Sabendo disso, a oposição faz acordos com eles para determinados
assuntos, de forma que é difícil aprovar uma proposta de interesse do governo.
Há, sempre, a exigência de uma retribuição, com ênfase para a liberação do
dinheiro das emendas.
Na análise desse parlamentar, a base se sente muito à vontade para
"trair" porque a presidente Dilma mantém distância do Congresso. Com
isso, os ministros se sentem protegidos para também ficar distantes dos
parlamentares. E, quando vão ao Congresso pedir a ajuda da base, não convencem ninguém.
A aceitação dos argumentos da ministra Ideli Salvatti é pequena e outros que
são enviados ao Congresso em situações de emergência não conseguem quase nada.
Um exemplo citado pelo petista é a insistência do governo em mandar o ministro
Aloizio Mercadante (Educação) fazer reuniões com deputados e senadores. Os
parlamentares costumam não levar Mercadante em conta.
Como a presidente nunca enviou ao Congresso emendas constitucionais
importantes - quando se exige fidelidade de 308 deputados e 49 senadores -, a
base governista tem servido apenas para evitar que a oposição aprove a criação
de CPIs. Todos os pedidos que chegam e que representam algum perigo para o
governo são arquivados.
A exceção foi a CPI do Cachoeira, destinada a investigar as ligações do
contraventor Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários. Mas ela é um caso
à parte. Ela foi incentivada pelo próprio PT, como uma forma de ofuscar o
julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal. Não adiantou. De sua
parte, o governo manteve o domínio dela.
Nenhum requerimento que pudesse levar perigo ao Planalto foi aprovado.
"Pelo menos nesse caso, a base foi de grande serventia para o
governo", lembrou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
Fonte: O Estado de S. Paulo
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