Fácil não foi. Houve mesmo momentos em que o ministro Carlos Ayres Britto
achou que não conseguiria cumprir o propósito de incluir o julgamento do
processo do mensalão na agenda do Supremo Tribunal Federal durante sua breve
presidência.
Seriam apenas sete meses, em função da aposentadoria compulsória aos 70 anos
completados neste domingo, a respeito dos quais Ayres Britto começou a pensar
desde o ano anterior.
Decidiu que se empenharia no exame da Ação Penal 470 ao juntar os fatos: o
caso acontecera há sete anos, a denúncia havia sido recebida há quase cinco, a
instrução terminara um ano antes, a prescrição de alguns crimes batia à porta
do processo.
Não obstante as condições objetivas favoráveis, Ayres Britto sentia a
atmosfera desfavorável e um obstáculo concreto a ser transposto: o revisor
Ricardo Lewandowski dava indicações de que não liberaria seu parecer tão cedo.
Além disso, recebia ponderações de amigos de que talvez não fosse um bom
negócio se envolver numa confusão desse tamanho em tão pouco tempo de
presidência.
O tribunal paralisaria os trabalhos, viveria boa parte de sua gestão em
função de um único processo e ainda receberia críticas por ter feito coincidir
o julgamento com as eleições municipais.
Os argumentos não pareciam consistentes ao ministro Ayres Britto. A
paralisia de outros processos seria um preço inevitável e as eleições fazem
parte da rotina do país. O ministro quis antecipar o julgamento para maio, mas
não conseguiu devido às resistências no colegiado.
Vencidas pouco a pouco em negociações prolongadas. Foram inúmeros encontros
preparatórios até que no dia 6 de junho foi anunciada oficialmente a data do
início do julgamento para dali a dois meses. Lewandowski e Antonio Dias Toffoli
não foram à reunião, alegando outros compromissos.
Entre as poucas pessoas que apoiavam a empreitada estava a ex-ministra do
STF Ellen Gracie. Presidente da corte quando a denúncia foi aceita, em 2007,
ela telefonou para Ayres Britto para dar apoio e dizer que ele era a pessoa certa,
no lugar certo.
A combinação de suavidade, persistência e firmeza faziam dele o perfil ideal
para levar adiante o processo.
Ainda assim houve um momento, mais ou menos um mês antes de conseguir bater
o martelo, em que o ministro viu a coisa feia e achou que não seria possível
fazer o julgamento a tempo de evitar a prescrição de alguns crimes, tamanha era
a pressão. Implícita, jamais explícita.
Ele perdeu a conta das vezes em que ouviu a pergunta "por que
julgar?". À qual rebatia com um "por que não julgar?" que
deixava o interlocutor sem resposta.
Olhando os últimos três meses no retrovisor o ministro evita qualquer
crítica aos colegas, mas aponta que os desentendimentos entre eles foram
responsáveis pelas situações mais difíceis que teve de enfrentar durante o
julgamento. Principalmente quando as divergências resvalavam para o campo
pessoal, beirando ao insulto.
Nessas ocasiões Ayres Britto via a coisa realmente feia – "um
verdadeiro sarapatel de coruja", na expressão da Sergipe natal – e
improvisava.
Quando era possível cuidava de elevar a "taxa de cordialidade" no
plenário com alguma tirada poética, mas quando não havia jeito suspendia a
sessão e promovia um entendimento informal que se traduzia na restauração da
formalidade na volta dos ministros ao plenário.
Carlos Ayres Britto deixa o Supremo Tribunal Federal sem nostalgia –
"tenho facilidade para virar a página", diz – e absolutamente
tranquilo quanto ao dever cumprido pela corte.
Não vê sentido nas críticas de que o STF deixou de lado a ortodoxia jurídica
para se comportar como tribunal de exceção.
"Heterodoxo foi o caso. A novidade não está no julgador, mas no
processo julgado, na quantidade de réus, na gravidade dos crimes e na ousadia
dos criminosos. O Supremo fez o que deveria ser feito."
Fonte: O Estado de S. Paulo
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