Ex-juiz espanhol defendeu possibilidade de réus condenados
no mensalão recorrerem à OEA
Vinicius Sassine
BRASÍLIA - Todo comportamento de
corrupção deve ser punido com contundência, ao mesmo tempo em que determinados
mecanismos de transparência e limpeza nunca devem ser quebrados. É o que
afirmou no sábado o ex-juiz espanhol Baltasar Garzón sobre o julgamento do
mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). As declarações foram dadas após o
ex-magistrado ter participado da 15ª Conferência Internacional Anticorrupção,
encerrada ontem em Brasília.
Baltasar Garzón é um jurista
internacional famoso pelas investigações de casos de corrupção, lavagem de
dinheiro, crimes contra o sistema financeiro nacional e contra os direitos
humanos. Ganhou projeção quando, em outubro de 1998, decretou a prisão do
ex-ditador do Chile, Augusto Pinochet, em razão das mortes e tortura contra
cidadãos espanhóis.
Garzón está impedido de exercer
o cargo de juiz por decisão da Suprema Corte da Espanha, em razão de escutas
supostamente ilegais numa investigação. Hoje, advoga em causas de direitos
humanos e defende o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, refugiado na
embaixada do Equador em Londres.
As condenações no julgamento do
mensalão nortearam boa parte das discussões do painel que contou com a presença
de Garzón. A conferência foi sobre o papel das pessoas no combate à corrupção.
— Não sou dos que dizem que
certas doses de corrupção são necessárias para que a democracia funcione.
Qualquer aproveitamento da coisa pública como uma espécie de patrimonialização
deve ser combatido, e os feitos criminais devem ser analisados de forma
contundente — disse o ex-juiz, após participar do painel, ao ser questionado
sobre o julgamento do mensalão pelo STF. — Esse é um processo que está sub
judice, e o mínimo que eu posso dizer é que, depois do julgamento, as decisões
serão valoradas pelo povo, pela crítica, pelos meios de comunicação, ou seja,
pelos instrumentos de uma democracia que servem como mecanismos de controle.
Garzón defendeu a possibilidade
de os réus condenados no mensalão recorrerem contra as condenações na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados
Americanos (OEA). Advogados dos réus manifestam essa intenção desde o início
das primeiras decisões pelos ministros do STF. Alguns ministros, como o relator
do processo, Joaquim Barbosa, criticam a iniciativa.
— A dupla instância, a
possibilidade de que outro tribunal valore os feitos, é um direito do cidadão.
Pode haver um erro de apreciação, uma configuração de má-fé, qualquer
irregularidade (no julgamento do mensalão). Os membros da Corte Suprema são
pessoas — afirmou o ex-juiz. Segundo Garzón, decisões na OEA são “vinculantes”
e suplantariam as decisões do STF
O próprio jurista diz não
descartar uma tentativa de reverter a decisão do tribunal da Espanha que
decidiu por seu afastamento do exercício do cargo de juiz por 11 anos. Um
recurso foi proposto na Corte Europeia de Direitos Humanos. Enquanto isso,
Garzón atua na fundação internacional que leva seu nome e que defende os
direitos humanos e a Justiça universal, com foco no combate ao crime
organizado. Na Espanha, a entidade atua contra a xenofobia.
Um dos palestrantes ao lado de
Garzón, o jornalista e escritor Misha Glenny afirmou que o julgamento
representa um “divisor de águas” para o país:
— Se o Brasil conseguir
institucionalizar esse tipo de investigação e condenação por corrupção, passará
a gozar de vantagem política sobre a Índia, a China e a Rússia (os outros
Brics).
Fonte: O Globo
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