O Congresso Nacional
não vive sua melhor fase em termos de imagem pública, mas deixou passar uma
ótima oportunidade de demonstrar à nação que compreende o sentido de urgência
manifestado pela sociedade brasileira por uma vida pública fortemente associada
à ética. A intensa mobilização popular pela aprovação da Lei da Ficha Limpa já
demonstrou que o povo anseia por isso. É também esse o caminho apontado pelo
julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Figuras públicas
que exerceram altos cargos na República, independentemente de partido político,
empresários e banqueiros estão sendo punidos. Seria exagero considerar que
"o Brasil mudou", mas é certo que o tribunal indica um rumo diferente
a ser trilhado pelas instituições.
Indiferente, o
Parlamento mantém práticas viciadas e impermeáveis à influência da opinião
pública, oferecendo à nação um triste espetáculo. Foram evitados de toda a
forma os depoimentos de indivíduos apontados como corruptores, figuras que
jamais em nossa história foram incomodadas pelo poder político. Uma empresa, a
Delta, construtora que, embora declarada inidônea pela Corregedoria Geral da
União (CGU), continua recebendo pagamento milionário do governo, repassou,
comprovadamente, R$ 421 milhões a 18 empresas "fantasmas", dinheiro
que alimentou campanhas eleitorais e promoveu o enriquecimento pessoal de
indivíduos e grupos. Apesar das evidências, a CPI enviou ao arquivo cerca de
500 requerimentos de quebra de sigilo fiscal e bancário dessas empresas e de
pessoas envolvidas. Tudo já conhecido e comprovado nos inquéritos da Polícia
Federal, um conjunto de informações mantidas na gaveta da CPI.
Numa tentativa, que
alguns consideram desesperada, de evitar a desmoralização da CPI - e suas
consequências para a credibilidade já abalada do Congresso -, solicitei
investigações sobre a conduta da comissão ao Conselho de Ética e à Corregedoria
do Senado. Nos pedidos aponto irregularidades praticadas de forma ostensiva
pela CPI, a sabotagem dos trabalhos, o arquivamento de requerimentos e os
adiamentos que esvaziaram completamente o objetivo da comissão investigatória.
A CPI está sob forte
suspeita, e a atuação de integrantes coniventes com as irregularidades precisa
ser investigada. Esperava-se que a comissão investigasse especialmente as
relações de Cachoeira com o Estado brasileiro, mas ela se restringiu à atuação
da quadrilha em Goiás e no Distrito Federal.
Nesse aspecto, a
história se repete. Por ocasião das CPIs do Impeachment e dos Anões do
Orçamento, que afastaram um presidente da República e cassaram os mandatos de
seis parlamentares - enquanto outros quatro renunciaram para não enfrentar
processos -, surgiu pela primeira vez a oportunidade de investigar os
corruptores. Havia um farto material resultante das investigações, e a criação
de uma CPI dos Corruptores se apresentava como a consequência natural do
trabalho. Em livro recente, "O momento supremo do Brasil - A Justiça
conquistada: das CPIs ao julgamento do mensalão", analiso aquelas CPIs,
entre outras, e faço um paralelo histórico com a CPI do Cachoeira.
Aquelas foram
comissões de inquérito que deram certo. Como aconteceu com a CPI dos Correios,
que deu origem ao processo e ao julgamento em curso no STF, que pelo ineditismo
desperta tanto a atenção do país. Surgida inicialmente para investigar corrupção
na estatal, acabou por desvendar uma rede de compra de votos no Congresso,
mediante desvio de dinheiro público.
Hoje, quando nos
deparamos com nova chance de acabar de vez com a sensação de impunidade, quando
se localizam nome, endereço e CPF de pelo menos um poderoso corruptor, a CPI do
Cachoeira não faz o seu trabalho e expõe lamentavelmente o Congresso Nacional
como um poder alheio ao seu tempo.
Senador (PMDB-RS)
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário