Testemunha do
mensalão diz que vive hoje no anonimato para 'não sofrer preconceito'
Bruno Lupion
Ex-secretária
do operador do mensalão e uma das testemunhas-chave do escândalo, Fernanda
Karina Somaggio não descarta que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza
"esteja blefando" ao ter prestado novo depoimento à
Procuradoria-Geral da República e pedir benefícios que o livrem da prisão.
"Ele sabe jogar", disse, em entrevista exclusiva ao Estado, sobre o
ex-chefe. "Ele achava que nunca seria condenado, como era a praxe
antigamente."
A
ex-secretária de Valério prefere hoje ser chamada de Fernanda, e não de Karina,
como ficou conhecida há sete anos. É assim que seus novos amigos a chamam. Os
vizinhos sequer sabem que ela foi personagem de um dos maiores escândalos
políticos do País, hoje em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Ela
quer assim. Tanto que, em vez de encontrar a reportagem em casa - uma chácara
na Grande São Paulo (ela não divulga a cidade) -, preferiu dar a entrevista na
capital.
Fernanda
era a portadora da agenda dos encontros de Valério com o ex-tesoureiro do PT
Delúbio Soares e o ex-secretário-geral do partido, Silvio Pereira. Foi
testemunha ocular de malas de dinheiro e, em depoimento de mais de 12 horas na
CPI dos Correios, trouxe a público detalhes do esquema de compra de apoio
político no Congresso no início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
A
notoriedade teve consequências. Após estampar capas de revistas, a carreira de
secretária executiva naufragou, o pai foi assassinado em circunstâncias
atípicas e o casamento acabou. Hoje, Fernanda vive com o novo marido e a filha
de 16 anos e cuida de seus seis cavalos.
Ao
relembrar o que viveu na SMPB, agência de Valério, a ex-secretária recorda que
documentos foram destruídos, diz que os réus do núcleo operacional (ou
publicitário) sabiam o que estavam fazendo e que nunca ouviu menção ao nome do
ex-presidente, agora citado pelo empresário ao Ministério Público. "Eu não
soube de nada com o nome do Lula."
A
sra. foi uma das primeiras pessoas a denunciar o mensalão e seu depoimento
ajudou a comprovar o esquema. Como avalia o julgamento?
Foi
um passo para a democracia, para as pessoas começarem a ver que existe Justiça
para todo mundo. Se a gente for analisar toda a história do Brasil, nunca tinha
acontecido (de políticos importantes serem condenados). Pode não parecer, mas é
o nosso dinheiro que vai fazer falta na outra ponta, que é a ponta de quem
precisa de atendimento médico, de segurança. O Brasil ainda tem muito o que
evoluir, mas já deu o primeiro passo. A cultura da corrupção, da compra de
voto, do "pagou, eu alivio", tem que se extinguir.
Há
quem critique um suposto excesso de rigor dos ministros. A sra. concorda?
Acho
que os ministros estão certos, que eles estão lá para representar o que a
população sente. Acho que toda a população gostaria desse rigor que está sendo
imposto. Com todas as pessoas que eu converso, das quais muitas nem sabem quem
eu sou, vejo que pensam a mesma coisa. Nós gostaríamos de uma Justiça rigorosa
com todos. Na política, acho que já teve impacto nessa eleição, com a Lei da
Ficha Limpa. Se não tivesse tido todo o episódio do mensalão, a população não
teria pedido pela Ficha Limpa. Foi um passo.
O
empresário Marcos Valério deu novo depoimento ao Ministério Público em que
menciona o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o assassinato do
ex-prefeito de Santo André Celso Daniel. A sra. acha que ele pode ter novas
revelações a fazer?
Não
sei de nenhum fato novo. Ele é articulador, conhece todos os meandros. Tanto
que montou um esquema do tamanho que é. Ele sabe jogar. Talvez esteja blefando.
Talvez não. Ele achava que nunca seria condenado, como era a praxe antigamente.
A
sra. acha que ele já entregou tudo o que tinha?
Para
chegar na pena de 40 anos, acho que a polícia já pegou muita coisa. Mas teve
muito documento queimado, muito documento sumiu. Se existiam documentos que
foram escondidos, eu não estava junto, eu não sei.
Marcos Valério pode
ter provas para implicar Lula no mensalão?
Se existe prova,
não conheço. Eu não soube de nada com o nome do Lula.
Alguma vez a sra.
ouviu falar no nome de Celso Daniel quando trabalhava na SMPB?
Não, só o normal
que tinha saído na imprensa. Por mim não passou nada nem sobre o Lula nem sobre
o Celso Daniel. Nunca ninguém falou, nunca vi, nunca preenchi, nunca liguei
para nada em relação aos dois nomes.
Como a sra. vê a
gestão do PT no governo federal?
Eu já doei pro PT,
eu era petista. Existem figuras dentro do PT que realmente são de tirar o
chapéu, por exemplo a Dilma (Rousseff), mas existem outras pessoas, por exemplo
o Delúbio, que não são. O PT fez muito pelo Brasil, mas os outros partidos
também fizeram. Existem pessoas boas e ruins em todos os partidos. E existem
pessoas que realmente dão a vida para trabalhar na política, porque querem ver
um País melhor. Dentro do PT existem pessoas assim, e dentro do PSDB, do PMDB,
do PV, vale para todos.
Os ex-sócios de
Valério Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, o advogado Rogério Tolentino e a
diretora Simone Vasconcelos tiveram suas penas definidas pelo Supremo Tribunal
Federal. A sra. acha que são penas adequadas?
Segundo os
ministros, sim. São eles que ponderam. Se você fez, você tem que pagar. Acho
que os ministros do STF fizeram um excelente trabalho. Eles colocaram a
população brasileira para pensar. Por mim, todos eles deveriam pagar da mesma
maneira, porque sabiam o que estava acontecendo. Os três sócios sabiam de
exatamente tudo, tirando a Simone, que era mandada.
Simone também
deveria ser presa?
Ela tinha
discernimento do que era certo e do que era errado. Ela não fez porque mandaram
e (ela) tinha medo de perder o emprego. Ela fez porque sabia que estava fazendo
aquilo, e o que ela estava fazendo era errado. Então ela tem que pagar pelo que
ela fez.
Valério chegou a
pedir para a sra. fazer algo ilícito? A sra. negou?
Sim, foi o motivo
de eu ter saído de lá. Quando comecei a indagar sobre certas atitudes dentro da
empresa, isso começou a irritar todo mundo, inclusive o Marcos Valério. Porque
ele era sem educação, ele mandava e pronto. Quer fazer, faz, não quer, junte
suas coisas e vai embora. Eu achei que a melhor coisa era a segunda opção.
Seu pai foi
assassinado em Mococa (SP) durante o processo do mensalão e a polícia concluiu
que o crime teria ocorrido durante uma tentativa de assalto. O que a sra. pensa
a respeito?
A investigação é
cheia de buracos. Para um fato que ocorreu numa cidade que, na época, não tinha
tanta violência, deveria ter sido apurado de uma maneira mais profunda. Tanto
que existe o fato de a polícia de São Paulo ter ido para Minas pegar os dois
assassinos. E os criminosos chamaram pelo meu nome. Era para eu estar lá
naquela hora, naquele dia, na casa do meu pai. E por causa do destino ele ligou
pedindo para eu não ir.
Para a sra., então,
não foi um crime comum?
Não, nunca foi.
Apesar de todo o inquérito ter dito que sim. Mas nunca foi. Poderia ter sido
alguma coisa não para chegar a assassinato, mas para intimidar mesmo. E o ônus
pela morte do meu pai é meu.
Que impacto a
denúncia do mensalão teve na sua vida?
Eu fiz porque
achava que era o certo. Não levei nenhum tipo de vantagem, muito pelo
contrário, só levei ônus. Acabou com a minha vida profissional, com a minha
vida familiar e com a minha vida pessoal. O dinheiro que eu tinha usei para
pagar advogado. Hoje, moro num lugar que ninguém sabe, as pessoas não sabem
quem eu sou, as pessoas com quem eu convivo não me chamam de Karina. Isso foi o
ônus do mensalão, viver no anonimato para não sofrer o preconceito das pessoas.
Qual preconceito?
De achar que eu
queria tirar alguma vantagem. Teve todo o episódio da Playboy. Não existiu
isso, de querer posar (nua). Nunca houve esse intuito. Mas caiu na mídia e já
viu, um feijão vira uma árvore. Eu não ganhei dinheiro, eu me separei, o meu
pai morreu e eu vivo no anonimato. O que eu tirei de vantagem nisso? Se eu
faria de novo? Faria, tudo de novo, porque é o certo.
A sra. se sentiu
vítima de machismo nesse episódio?
Não, nunca, eu sou
mulher e acho que mulher é muito mais forte do que homem, por mais que queiram
falar que não. O que acontece é que as pessoas, por ignorância, talvez não
entendam esse fato, de que eu fiz porque achava que era o certo. Eu fui
julgada. Hoje eu não julgo, aprendi a não julgar as pessoas, porque eu fui
julgada.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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