- O Estado de S. Paulo
A mais recente desventura do deputado Eduardo Cunha era de certa forma esperada. Em algum momento, a Polícia Federal e o Ministério Público precisariam ir atrás de provas para sustentar as denúncias contra o presidente da Câmara.
O inesperado, nessa nova fase da Lava Jato que atingiu outros personagens, apresentou-se na forma de um tiro de canhão dado no coração do PMDB. Cunha vinha sendo tratado oficialmente como um caso à parte.
A inclusão de gente como Edison Lobão, Henrique Eduardo Alves e Sérgio Machado no rol de alvos da mais consistente ação de combate à corrupção empreendida pela PF e a Procuradoria-Geral da República, instala o partido no meio do lodaçal que assola o País e põe em xeque os caciques. Dez dos 17 alvos da operação de ontem ligados ao PMDB.
Para citar apenas os notórios: Lobão remete ao ex-presidente e senador José Sarney, o ministro Henrique Eduardo ao vice-presidente Michel Temer e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado ao presidente do Senado, Renan Calheiros. Todos eles estão ligados ao primeiro escalão pemedebista.
Portanto, não há como o partido ignorar a gravidade da situação e muito menos dizer que não tem nada com isso. A versão de que se trata de uma retaliação resultante de um acerto entre o Palácio do Planalto e o procurador Rodrigo Janot não resiste à lógica, à força dos fatos nem à lisura dos atos.
A lógica indica que se o governo tivesse poder de fazer acordos, os faria em favor dos seus e o senador Delcídio Amaral, interlocutor frequente de Dilma e Lula, dois ex-tesoureiros do PT e um ex-ministro da Casa Civil não estariam presos. Os fatos falam por eles mesmos e os atos são legalmente consistentes, feitos com respaldo do Supremo Tribunal Federal.
A cantilena da vingança repete a tentativa do governo de dizer que a aceitação do processo de impeachment foi um ato de retaliação de Eduardo Cunha. Ambos os lados se acusam de tentativas de “desviar o foco” quando, o ponto onde se concentra a luz, não se desvia de nenhum dos dois.
Afora isso, digamos que petistas e governistas não têm razões para comemorar porque entre os atingidos o único adversário assumido do Planalto é Eduardo Cunha. Os demais são ou foram integrantes da equipe de Dilma Rousseff.
Filme triste. A tropa de choque de Eduardo Cunha no Conselho de Ética conseguiu adiar a aprovação da abertura do processo por quebra de decoro por sete sessões e 62 dias. O presidente da Câmara, é fato, ganhou tempo, mas este foi o único benefício obtido por ele.
Nesse meio tempo, sua situação legal se complicou de maneira irremediável e sua condição política se deteriorou de forma contundente interna e externamente. Assumiu o cargo há menos de um ano com o alegado propósito de restaurar a “dignidade e a independência” da Câmara e não fez uma coisa nem outra.
Ao contrário. Cometeu a indignidade de tentar obstruir os trabalhos do conselho e, com isso, subordinou a soberania da instituição aos seus interesses pessoais.
Não só. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, ardoroso defensor da manutenção do mandato da presidente, fundamenta assim sua posição: “O poder se ganha disputando eleição”. Refere-se, evidentemente, a regimes democráticos.
Democracia esta que prevê – no caso brasileiro, com clareza constitucional meridiana – a perda de poder para os que, uma vez ganhas as eleições, não governam dentro dos preceitos legais indispensáveis ao exercício da função.
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