quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Miriam Leitão: O Tempora, o mores

- O Globo

Que tempo é este e que costumes! Diariamente, as informações que chegam mostram cada vez mais detalhes de uma vasta corrupção no país que se desdobra em mil detalhes. Precisamos nos esforçar para entender a complicada engenharia do crime organizado. Até quando abusarão da nossa paciência? A sensação que temos é que zombam de nós.

Mesmo depois do mensalão, foram montadas conspirações para que o dinheiro continuasse indo de forma ilegal e não declarada para a campanha política do mesmo grupo. Nada temem os criminosos, perseveram em seu desatino. Em cada negócio, um desvio. Em cada contrato, um sobrepreço. Em cada plataforma, uma sonda para perfurar os poços do dinheiro sujo. Amigos do rei falam abertamente que fizeram o que fizeram porque era bom agradar a quem está no poder. Simulações tentam dar aparência de legalidade às negociatas que minam as bases da República. A que extremos chegaram em sua audácia?

Os planos já foram descobertos, tudo já foi entendido. Os procuradores, a polícia, a Justiça já retiraram o véu que encobria os crimes, mas eles nada temem. E mesmo os que são inimigos agora estiveram juntos em outros momentos. Inimigos de antes se juntam agora, sempre no mesmo caminho cheio de suspeitas e rastros de crimes.

Ontem foi o dia de repetir o que Cícero dizia em Roma nas suas inesquecíveis Catilinárias: que tempo, que costumes! A PF amanheceu nos endereços do presidente da Câmara em mandados de busca e apreensão de documentos e seguiu para outros endereços de autoridades. Nessa trilha se vê que os inimigos de hoje eram aliados até outro dia.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, foi chamado por Alberto Youssef de “pau mandado” de Eduardo Cunha. Sobre ele recaíam suspeitas de usar o mandato para pressionar criminosos que passaram a colaborar com a Justiça. Tudo que ele fizera fora para ajudar Cunha. Para agradar o agora inimigo, a presidente Dilma Rousseff nomeou Pansera para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Diante de todas as evidências, ele foi escolhido ministro na última reformulação ministerial feita pela presidente da qual um dia se falou que faria a faxina ética. Ela nomeou o ministro para agradar Cunha. É bom lembrar isso porque ambos andam esquecidos que eram amigos até outro dia mesmo.

A inclusão de Edison Lobão como alvo da PF mostra que erra o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, quando fraciona a operação Lava-Jato e tira a Eletronuclear de Curitiba porque essa e outras empresas de energia estiveram sob o comando do ex-ministro Edison Lobão. É o mesmo Lobão, as mesmas empresas de energia, os mesmos beneficiários.

Até quando ficaremos sem governo? Depois de dois anos de déficits primários, sendo o deste ano um rombo de R$ 120 bi, o governo emite sinais os mais contraditórios sobre a meta de 2016. Mandou o orçamento deficitário, depois enviou a intenção de chegar a 0,7% de superávit, e agora encaminha um novo texto com 0,5%, mas com permissão de que caia para zero. A justificativa é que é preciso proteger o Bolsa Família. Mas não é isso. O governo se esconde atrás do programa para aumentar a chance de gastar em outras áreas.

Ameaçado pelos decretos de gastos extras sem autorização do Congresso, o governo diz que eles são legais. Ainda que fossem, nada desculparia a balbúrdia fiscal e contábil montada por ordem do Palácio. Do TCU saem rumores de que a presidente será poupada porque talvez ela não seja tão responsável assim pelas pedaladas. Ora, ora, a quem querem enganar? Quem, conhecendo a presidente e os fatos que se passaram na Secretaria do Tesouro, pode acreditar que o que se fez lá foi sem o conhecimento da presidente? Se o TCU quer perder parte do respeito que ganhou recentemente, o melhor caminho é tentar reduzir a responsabilidade da presidente. Como dizia o seu batedor na Secretaria do Tesouro Arno Augustin: “quem tem voto manda.” Tão repetidas e longas ofensas à contabilidade pública não poderiam acontecer sem a autorização da presidente.

A cada dia amanhecemos com mais revelações da rede de crimes montada para extrair o dinheiro coletivo. Este é o tempo e estes são os costumes que o país tenta derrotar. Até quando os corruptos abusarão da nossa paciência e zombarão de nós?

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