- O Estado de S. Paulo
Há mais de 18 anos caminha a passos tardos, no STF ação direta de inconstitucionalidade (ADI-1.625), proposta pela Confederação Nacional da Agricultura (Contag), com o objetivo de invalidar o Decreto n.º 2.100/1996, do presidente Fernando Henrique Cardoso. Não me parece correto submeter o leitor a detalhes jurídicos. Basta saber que, entre empregadores, não importa o tamanho da empresa e o número de empregados, o desfecho da ação gera incontrolável temor pânico.
O pomo da discórdia é a Convenção n.º 158, aprovada pela Assembleia-geral da OIT em 1982, vigente desde novembro de 1985, ratificada por apenas 34 dos 185 membros da Organização Internacional do Trabalho.
Dois aspectos predominam no longo e obscuro texto do documento internacional:1) a legislação do país que o ratifica deve prever garantias adequadas contra contratos de trabalho de duração determinada; 2) o trabalhador que se considerar prejudicado pelo término da relação de trabalho poderá ajuizar ação anulatória da dispensa na Justiça do Trabalho.
Tenho dificuldade em entender as razões que levaram o Poder Legislativo a aprovar a Convenção 158 e o presidente Fernando Henrique a ratificá-la e incorporá-la à legislação trabalhista. No contexto da CLT, a primeira obrigação é desnecessária, pois o artigo 443, § 1.º, limita rigorosamente a utilização de contratos por prazo determinado, cuja duração nunca poderá exceder dois anos. Quanto à segunda, independentemente de norma trazida do exterior, todo trabalhador brasileiro demitido sem justa causa, ou por falta grave, tem garantido o direito de recorrer ao Judiciário Trabalhista. Basta saber que, em média, cerca de 2 milhões de reclamações dão entrada, a cada ano, nas 1.537 Varas do Trabalho.
Poucos dias depois de havê-la ratificado o presidente Fernando Henrique deve ter-se dado conta de que fora precipitado e imprudente. Baixou, então, o Decreto 2.110, de 20/12/96, tornando pública a denúncia da Convenção 158 relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. O mal, contudo, já havia sido feito, como revelariam acontecimentos posteriores.
Clama aos céus a lentidão no STF em assunto de tal magnitude. Já votaram o falecido ministro Maurício Corrêa, relator do feito, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Nelson Jobim, todos aposentados. Os dois primeiros decidiram pelo encaminhamento do decreto ao Congresso Nacional, para que se manifeste sobre a denúncia; Joaquim Barbosa, pela procedência total; e Nelson Jobim, pela improcedência.
Após longo intervalo de quase seis anos (durante o qual ocorreram as quatro aposentadorias e faleceu o ministro Menezes Direito), na sessão de 11 de novembro votou a ministra Rosa Weber, nomeada para a vaga aberta pela ministra Ellen Gracie, acompanhando o ministro Joaquim Barbosa. O andamento do feito foi, então, mais uma vez interrompido, por pedido de vista formulado pelo ministro Teori Zavascki, cuja nomeação para compor o Supremo ocorreu em 29/11/12, circunstância que o desobriga de conhecer o processo, mas não o libera do compromisso de devolvê-lo nas próximas sessões, com voto.
Passados, assim, 18 anos entre ajuizamento da ação, distribuição, votos, mortes, aposentadorias e intermináveis pedidos de vista, aos jurisdicionados continua sendo impossível prever quando e como se dará a conclusão do julgamento, com proclamação do resultado.
O trabalhador brasileiro é beneficiado por amplo leque de garantias constitucionais e legais. Para demiti-lo sem justa causa o aviso prévio é de, no mínimo, 30 dias, mas pode chegar a 90. A rescisão do contrato, após um ano de serviço, é obrigatoriamente assistida pelo respectivo sindicato ou órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego. Conferidas as contas, se todos se puserem de acordo a quitação será homologada, segundo as regras da Súmula 330 do TST. Os pagamentos serão imediatos ou realizados dentro de prazo preestabelecido, sob pena de pesada multa. Dispõe, ademais, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do seguro-desemprego.
Não bastasse, após o término da relação de emprego o trabalhador tem a seu favor prazo de dois anos para decidir se processa o empregador, apesar da quitação regularmente assinada.
A Convenção 158 talvez seja necessária, mas em países que não dispõem de arcabouço jurídico-trabalhista protecionista, minucioso e rígido como o nosso. A Constituição de 1988 determina, no artigo 7.º, I, que a proteção da relação de emprego, contra despedida arbitrária ou sem justa causa, se dará mediante lei complementar. Legislação alienígena, produto de documento internacional transplantado, não tem os requisitos de lei, cuja aprovação exige maioria absoluta.
Afinal, se a malha jurídica de proteção ao emprego é suficiente, o que lhe falta para despertar tanto interesse da CUT, da Contag e demais centrais, a ponto de levá-las ao sobrecarregado STF para buscar a validade da Convenção 158? Sucede que, para todas, a meta consiste em ressuscitar, por força de sentenças judiciais, a antiga estabilidade, sem a exigência de dez anos de serviços efetivos à mesma empresa.
Em outras palavras, acumular as vantagens da CLT e do Fundo de Garantia com a impossibilidade de qualquer dispensa sem anuência da Justiça do Trabalho, logo após o registro do contrato de trabalho.
O Supremo é constituído por 11 ministros. Quatro votos foram proferidos por magistrados que se aposentaram, mas estão registrados e serão computados. Dois pela procedência parcial, dois pela procedência total, um pela improcedência. Como decidirão os demais ministros? Essa é a dúvida que atormenta milhões de empregadores, para os quais é intolerável a ideia de retorno da estabilidade, sobretudo com a economia paralisada, em crise, sem perspectivas de retomada de crescimento.
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* Almir Pazzianotto Pinto é advogado; foi Ministro do Trabalho e presidente do TST
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