quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Merval Pereira: Os limites da lei

- O Globo

“Até onde vocês vão?”, perguntou um deputado a um procurador da Operação Lava-Jato, quase como o admoestando. O procurador respondeu na bucha: “Vamos até onde vocês foram”. Os fatos de ontem, e de dias anteriores, estão mostrando que não há limites, a não ser os da lei, para a ação do Ministério Público e da Polícia Federal. Foi o ministro Teori Zavascki, o relator no Supremo do caso, quem autorizou as buscas e apreensões na casa de deputados, senadores, ministros e outros menos votados, mas o ministro deixou de fora o presidente do Senado, Renan Calheiros, não se sabe exatamente por quê.

Mesmo assim, pessoas ligadíssimas a Calheiros, como o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, também foram alvo das ações da Polícia Federal ontem. A reação geral foi dizer que a ação nas casas e no escritório de Eduardo Cunha já não teria efeito, pois ele tivera tempo de esconder o que porventura denunciasse suas atividades ilícitas.

Mas, além do exemplo do empresário Marcelo Odebrecht — que, preso depois de quase um ano de Operação Lava-Jato, ainda tinha anotações em notebooks e celulares —, O GLOBO revela que os policiais encontraram na casa de Cunha um táxi de propriedade de Altair Alves Pinto, apontado pelo delator Fernando Baiano como intermediário da propina destinada ao deputado no esquema de corrupção envolvendo a Petrobras. Cunha diz que usa o táxi para “serviços gerais”, dando ares de verdade à delação de Baiano.

Dessa vez a operação policial pegou especialmente o PMDB, sem distinção de alas: ministros do PMDB governista; Eduardo Cunha, o inimigo preferido; e apaniguados do presidente do Senado, que estava do lado de Dilma, mas pode mudar de ideia a qualquer momento se sentir cheiro de queimado.

A abrangência das ações reflete o ambiente político difícil que se vive em Brasília, a sensação de que todo mundo pode ser o alvo da vez, de que todos estão envolvidos em algum tipo de corrupção.

Especificamente nesse caso, os danos são generalizados. Se a presidente Dilma pode ter ficado satisfeita com a ação contra Eduardo Cunha — e ele está convencido de que, por trás da decisão, está a mão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que esteve em missão secreta em Curitiba semana passada —, seus ministros, da parte do PMDB que ainda está com o governo, foram atingidos. Dessa vez não há o que grupos políticos possam comemorar.

O presidente da Câmara, que sofreria mais tarde uma derrota no Conselho de Ética por placar apertado, deve estar buscando maneira de retaliar o governo, mas está cada vez mais isolado, não tem muito mais por onde agir. Tem agora que tentar escapar de um destino que parece marcado.

Cunha deve estar rezando para que o recesso chegue, mas deve lembrar-se de que a Operação Lava-Jato não tem recesso. Vivemos no país uma situação paradoxal. Enquanto algumas das instituições da República funcionam muito bem, dando garantia à democracia — como a Polícia Federal, o Ministério Público, os tribunais superiores, cada vez mais juízes de primeira instância, a exemplo de Sérgio Moro, a imprensa livre —, outras funcionam muito mal, como o Congresso e o Executivo, envolvidos em ações de corrupção que parecem não ter fim.

O Congresso hoje não tem nenhum respeito da sociedade, e, cada vez que uma ação como essa acontece, mais o descrédito na política se acentua.

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Piada
O que era dito como piada acabou acontecendo na realidade, como farsa, é verdade, mas com ares de seriedade. O senador Fernando Collor de Mello subiu ao púlpito do Senado para falar sobre “a possibilidade de um direito readquirido”. Isso mesmo. Perguntou, sem nenhum sinal de deboche, o expresidente impichado: se o Supremo Tribunal Federal na reunião de hoje resolver mexer no rito do processo de impeachment, “não seria o caso de se rever aquela decisão de 1992 e reconhecer, pelos novos fatos, pelas novas interpretações e pelo novo rito processual, um vício de origem naquele processo de 1992?”.

Era só o que faltava.

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