Diálogo, para a presidente Dilma Rousseff e seus apoiadores, só vale quando é conversa entre amigos. Para o lulopetismo, as vozes discordantes, que questionam as ações do governo, nada mais são do que expressão de “golpismo” – contra o qual vale lutar inclusive empregando a violência.
Nos últimos dias, Dilma transformou o Palácio do Planalto, onde ela é inquilina passageira, em um bunker. É nessa fortaleza, protegida por líderes de movimentos sociais e organizações sindicais conhecidos por sua falta de vocação democrática, que a presidente pretende se apresentar ao País como vítima de uma conspiração para tirá-la do poder e demonstrar que está disposta a defender seu mandato “com unhas e dentes”, como declarou noutro dia.
Dilma tem sugerido sistematicamente, em todos os seus discursos mais recentes, que seus opositores não respeitam a escolha dos brasileiros nas urnas e agem para restabelecer a ditadura. “Este país é uma democracia. E uma democracia respeita, sobretudo, a eleição direta pelo voto popular”, disse a presidente. E ela acrescentou: “O voto é a fonte da minha legitimidade, e ninguém vai tirar essa legitimidade que o voto me deu”.
Trata-se de um entendimento indigente do que vem a ser o regime democrático em vigor no Brasil. Se Dilma foi eleita pelo voto popular, os parlamentares que lhe fazem oposição também o foram e, portanto, seus mandatos são tão legítimos quanto o dela. Também é legítimo o poder que emana da enorme parcela do povo que se cansou da irresponsabilidade de Dilma, Lula e companhia. Ademais, os que pretendem abreviar o mandato de Dilma em razão dos desmandos cometidos em seu governo ou em sua campanha eleitoral baseiam sua reivindicação em processos previstos expressamente pela Constituição. Por fim, mas não menos importante, as manifestações de rua que pedem a saída de Dilma da Presidência são igualmente legítimas, pois, na democracia que a presidente tanto proclama prezar, o direito ao protesto contra o poder constituído, desde que realizado de maneira pacífica, é cláusula inquestionável.
A legitimidade que Dilma invoca tão ardentemente para si é apenas um princípio. Para que se torne de fato legítimo, o chefe de governo deve comprovar que ganhou o mandato de forma limpa e deve exercer esse mandato de maneira responsável e em respeito irrestrito às leis. Esse conceito foi explicado recentemente pelo ministro João Otávio Noronha, relator de ações movidas no Tribunal Superior Eleitoral que acusam Dilma de abuso de poder econômico e político nas eleições de 2014. “A presidente diz: ‘Eu tenho a legitimidade do voto’. Não, ela tem a presunção da legitimidade do voto, que pode ser destituída por uma ação de investigação eleitoral ou impugnação”. Para Noronha, a legitimidade da presidente “não cai só nas pesquisas”; pode cair também “no mundo jurídico”.
Dilma, porém, tem um entendimento bem menos sofisticado do que é legitimidade democrática. Ela quer fazer acreditar que, por ter sido eleita pelo voto direto, está acima das instituições, e quem disso discordar deve ser tratado simplesmente como inimigo da democracia – personalizada na figura da presidente petista. Esse discurso autoritário foi prontamente adotado pelos movimentos sociais e sindicais com os quais Dilma escolheu “dialogar”, fechada em seu bunker no Planalto.
Lá, na linguagem belicosa muito apropriada a esse clima que Dilma e os lulopetistas criaram, não faltou quem ameaçasse, com todas as letras, partir para ações armadas contra os opositores da presidente. Diante de Dilma, em alto e bom som, o presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, avisou: “Recado para os golpistas: nós somos trabalhadores, trabalhamos pela democracia. O que se vende é a intolerância, o preconceito de classe contra nós. Somos defensores da unidade nacional. Isso implica ir para a rua entrincheirados, de armas na mão, e lutar se tentarem tirar a presidente”.
Se a presidente da República realmente tem apreço pela democracia, está disposta ao diálogo e quer ver reconhecida a legitimidade de seu mandato, deve tratar de acalmar os ânimos de sua tropa, baixar o tom e aceitar o fato de que o Estado não é ela.
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