• Resposta do governo a manifestações de hoje precisa mostrar que Planalto ouviu queixas na área, dizem analistas
“Não estou vendo algo que possa abalar a República. O que o Brasil precisa é de equilíbrio nas contas públicas” Silvio Paixão Professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras
“O governo tentará passar medidas da Agenda Brasil. É jogada a curto prazo, para respirar” Ricardo Ismael Cientista político da PUC-Rio
- Julianna Granjeia - O Globo
Duas mulheres de 40 anos, ambas com emprego, expõem pontos de vista antagônicos sobre o protesto de hoje. Embora não haja consenso sobre como o Brasil vai amanhecer amanhã, após os atos contra o governo marcados para vários estados hoje, uma coisa é certa: as respostas que a presidente Dilma Rousseff dará às ruas terão que ser mais rápidas e efetivas. Isso, dizem analistas, por conta das crises política e econômica, que se agravaram em comparação a março, quando Dilma foi alvo de protestos em todo o país.
Se nos últimos dias o governo vem tentando, no campo político, driblar os impactos da atuação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB) — que não deve ser o alvo preferencial dos líderes do protesto de hoje —, agora o Planalto terá que apresentar uma definição mais clara, principalmente, sobre a condução da economia.
— Se o governo tomar atitudes desastradas, como fez na manifestação de março, e mostrar distanciamento da realidade, os movimentos tendem a se radicalizar ainda mais, e isso pode piorar a crise — diz Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp, para quem o governo vai precisar agir com prudência; caso contrário, avalia, qualquer esforço poderá ir por água abaixo.
O professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras Silvio Paixão acredita que não há risco de os protestos provocarem instabilidade institucional. Para ele, porém, uma grande mobilização poderá fazer o governo mudar sua postura e alterar a política econômica, uma das principais reivindicações que deverão pautar os atos de hoje.
— Não estou vendo alguma coisa que possa abalar a República. E não vejo, a curto prazo, algo que possa mudar a perspectiva de investidores internacionais sobre a situação brasileira. Hoje, o que o Brasil precisa é de equilíbrio nas contas públicas. E, dependendo do que acontecer neste domingo, o governo terá de mudar sua postura política de enfrentamento de questões como essa — afirma Paixão.
Há quem tenha visão mais pessimista e aposte que os protestos vão piorar a imagem do Brasil no exterior, seja qual for a resposta de Dilma.
— Não sei se a classe política vai ouvir a voz das ruas, porque ela é surda, mas a classe econômica já ouviu. E, provavelmente, uma das consequências das manifestações será agências de risco rebaixarem ainda mais a nota do Brasil — diz o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Flescher.
Unidade em xeque
O ato de hoje tem ainda um ingrediente que pode prejudicar o plano da presidente Dilma de mostrar unidade em torno de seu governo. Os protestos escancaram um racha nos movimentos de sua base. A Força Sindical, por exemplo, não apoia oficialmente a mobilização. Enquanto o presidente da entidade, Miguel Torres, não participará, a ala liderada pelo deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD), deve comparecer em peso.
O próprio PT não consegue ser hegemônico na hora de pensar em ir para as ruas. Na semana passada, o partido rachou enquanto organizava um protesto para o dia 20 em reação ao ato de hoje. Não assinou o manifesto argumentando que não seria a favor de críticas à economia, assunto que vai ser levado para o ato do próximo dia 20 por entidades historicamente ligadas ao PT e “contra o golpe”.
Guilherme Boulos, um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que participará do protesto do dia 20, admite a insatisfação com o governo e diz que a mobilização de hoje está sendo capitaneada por setores que são contra o governo do PT.
— A insatisfação é real. Agora, entre ter insatisfação e querer fazer movimento para derrubar o governo, há um passo largo. Entre ter insatisfação com o governo e embarcar na onda do PSDB, do Michel Temer ou do Eduardo Cunha, há outro passo ainda mais largo. O povo da periferia está vacinado — diz Boulos.
Segundo especialistas, o governo enfrenta o protesto de hoje menos frágil. Quanto a eventual processo de impeachment de Dilma, por exemplo, na última quinta-feira o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspendeu uma das ações movidas pelo PSDB para cassar o mandato de Dilma, por suspeita de irregularidade nas contas da campanha de 2014.
Às vésperas, pauta positiva
A adesão nas redes sociais ao protesto de hoje tem se mostrado menor. Os perfis dos movimentos Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados Online — organizadores dos atos — registravam na última sexta-feira cerca de 250 cidades mobilizadas. Em março, às vésperas de protesto naquele mês, eram mais de 400.
A adoção na última semana de uma pauta positiva para o governo, com a chamada Agenda Brasil, também pode funcionar como um alívio no momento em que o Planalto sofre uma nova pressão popular.
Para o cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael, a estratégia de Dilma pode servir a curto prazo, mas não como resposta definitiva na atual circunstância:
— O governo vai continuar trabalhando para que o TCU não rejeite suas contas e apostando nessa mobilização com o Renan Calheiros e com o PMDB. Além disso, vai tentar passar algumas medidas da Agenda Brasil no Congresso e aprovar outras que ajudem a aumentar a arrecadação. É uma jogada a curto prazo, para respirar, mas não vai resolver o problema. É preciso também construir novas bases no governo para acabar com esse quadro de tensão e incertezas.
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