domingo, 16 de agosto de 2015

Samuel Pessôa - Sobre o impeachment

- Folha de S. Paulo

• A melhor saída que há à manutenção da presidente zumbi por mais 3 anos seria a renúncia de toda a chapa

Do ponto de vista econômico, não me parece que o impeachment da presidente seja um bom caminho.

Tínhamos no fim do ano passado três inconsistências: um regime desastroso de política econômica, que produziu forte desaceleração na atividade e a construção de desequilíbrios (inflacionário, externo e das contas públicas); o esgotamento de um contrato social que requer crescimento contínuo do gasto público além do crescimento da economia; a necessidade de nova rodada de medidas com vistas a elevar a eficiência da economia e estimular o crescimento, como a reforma dos impostos indiretos para reduzir o custo de observância da legislação tributária.

O ministro Levy abordou o primeiro item dessa pauta, pois encontra-se sob sua jurisdição. O resto depende do Congresso Nacional.

O impedimento da presidente Dilma não irá fazer aparecer 3% do PIB de superavit primário, não produzirá uma reforma previdenciária que mantenha o crescimento do gasto público nos limites dados pelo crescimento do produto nem criará as condições políticas para a aprovação das reformas estruturais necessárias à retomada do crescimento.

O exemplo exitoso do mandato tampão de Itamar sugere que podemos repetir a aposta. Sou cético.

O motivo de meu ceticismo é que os dilemas atuais apresentam economia política muito mais complexa do que a estabilização econômica. A complexidade do Plano Real era mais técnica do que política, apesar de os desafios de construção de consensos políticos serem sempre imensos, dadas as características de nossa sociedade e de nossas instituições políticas.

Parece-me, portanto, que dificilmente Temer ou quem quer que venha ocupar aquela cadeira terá as condições de tocar o governo. A campanha eleitoral, que somente discutiu legados, retira hoje legitimidade de qualquer governo.

A melhor saída que há à manutenção da presidente zumbi por mais três anos seria renúncia de toda a chapa, da presidente e do vice, para que um novo processo eleitoral fosse convocado e os partidos apresentassem candidaturas.

Um processo eleitoral competitivo, em que os partidos conversassem abertamente com a sociedade sobre nossos dilemas, dificuldades e possíveis caminhos, poderia pavimentar a construção de consensos políticos para viabilizar saídas para as duas inconsistências que impedem, mesmo após completarmos o ajustamento cíclico, a retomada do crescimento.

Essa saída, porém, teria que derivar de ato voluntário da atual chapa no poder, e não a ela imposto.

Na coluna anterior abordei o esforço que houve em 2005, liderado pelo Ipea e por políticos da situação e da oposição, além dos ministros Palocci e Paulo Bernardo, com vistas à construção de um limitador ao crescimento do gasto público.

Glauco Arbix, à época presidente do Ipea e um dos líderes da iniciativa, e o atento leitor Ney José Pereira notaram erro que cometi no texto da coluna.

A hoje presidente Dilma, que abortou a iniciativa em entrevista no dia 9 de novembro de 2009 ao jornal o "Estado de S. Paulo", quando qualificou o ajuste de "rudimentar", já deixara o Ministério de Minas e Energia e encontrava-se na Casa Civil.

Aos dois agradeço a atenção. Os interessados encontrarão no blog de Mansueto Almeida (https://mansu eto.wordpress.com/), em post do dia 13, o link para o texto do Ipea que acabou não vindo a público, além da entrevista ao "Estado de S. Paulo" da então ministra da Casa Civil.
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Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia (USP), é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV).

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