Entrevista. Sérgio Fausto
Cientista político e superintendente executivo do Instituto FHC
Por Alexandra Martins - O Estado de S. Paulo
Os atos deste domingo vão acrescentar um capítulo no histórico das manifestações de rua do País ao abrir um terreno desconhecido de disputa para as principais lideranças partidárias brasileiras. O PSDB é o principal concorrente a ocupar esse espaço, mas, antes disso, terá que colocar ordem dentro de casa. Para o cientista político Sérgio Fausto, superintendente executivo do Instituto Fernando Henrique Cardoso, a legenda carece de diretriz política e sofre hoje um déficit de credibilidade com seu eleitorado. “Tudo isso significa que a crise do PT não se traduz automaticamente num novo ciclo vitorioso do PSDB”, diz o teórico.
Como o sr. avalia o apoio do PSDB às manifestações deste domingo?
O partido fez um movimento de aproximação dos grupos anti-Dilma com receio de ficar para trás nesse processo e, em algum momento, de ser punido eleitoralmente por não emprestar apoio ao movimento. O partido não marcha unido em direção aos movimentos. São dois passos para frente, dois para trás. Em resumo, o PSDB percebe e intui que corre um risco de se manter afastado do movimento, mas tampouco tem estratégia clara de como lidar com ele.
Estamos vivendo uma troca de comando das ruas?
Um ciclo político está se encerrando e há um outro emergindo. E as feições do novo ciclo não estão muito claras. Trata-se de um terreno que está sendo disputado. Já podemos dizer hoje que é muito provável que o PT não terá a liderança desse novo período como teve nos últimos 12 anos. O PSDB tem posição no mapa eleitoral que o coloca, em tese, numa posição de ser o principal beneficiário dessa enorme crise que o PT vem atravessando. O fato é que o terreno da disputa mudou. Você tem uma crise dos partidos de uma maneira geral. O PSDB, a despeito do bom desempenho eleitoral de 2014, é um partido com dificuldade de definir uma linha clara de atuação parlamentar, seja na sua interlocução com a sociedade, seja na definição de uma clara diretriz política, na capacidade de falar com uma só voz. Também é um partido que hoje tem um déficit de credibilidade, inclusive com o seu eleitorado. Tudo isso significa que a crise do PT não se traduz automaticamente num novo ciclo vitorioso do PSDB.
A fragmentação do próprio partido é também um obstáculo.
Você tem a sobreposição de uma clivagem que é orientada por legitimas ambições pessoais, com pelos menos três grandes figuras (José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves). E isso está sobreposto a uma espécie de conflito geracional. O que acontece na internet tem impacto mais forte na nova geração do que na mais antiga. O tempo da política para a nova geração é mais rápido. O horizonte de analise é mais curto, o que pode levar o partido a cometer erros. São mais impetuosos e menos reflexivos. A geração mais velha é menos suscetível a essas pressões da mídia social, tem uma compreensão do tempo da política que é mais longo. É uma geração mais reflexiva e mais sensível aos riscos institucionais que podem derivar da exacerbação do conflito político.
O PSDB considera Aécio uma liderança nacional para 2018?
Digamos que ele atravessou o (rio) Rubicão. Ele nacionalizou o nome dele, entrou no mercado eleitoral nacional. Ao mesmo tempo que ele tem um grande trunfo, ele sofreu um revés porque ele perdeu as eleições de 2014 em Minas. E acho que para entender os movimentos do Aécio você tem que considerar esses dois fatores: ele projetou o nome dele nacionalmente de uma maneira surpreendente, mas ele, digamos, momentaneamente, perdeu a base regional do seu poder. Isso o deixa numa posição que tem lá o seu desconforto.
Como se dará a escolha do nome do partido para 2018?
Aí tem um desafio que o partido tem pela frente que é encontrar mecanismos de decisão interna de escolha de seus candidatos. Os mecanismos tradicionais do PSDB claramente envelheceram e prejudicaram o partido nas ultimas eleições. É importante que esse processo de escolha reconecte o partido com sua base e com a sociedade. Quem tem simpatia pelo partido tem que dizer: ‘não dá mais para fazer as escolhas como as que foram feitas em 2006, 2010 e 2014’. Pode ser consulta, prévias, mas certamente não são quatro ou cinco caciques que devem decidir isso isoladamente. Não será uma disputa para a Tubaína, será uma disputa para a Coca-Cola.
Pode haver migração de tucanos para outras legendas?
Vamos recorrer à história. No Brasil, ao mesmo tempo que o voto não é partidariamente orientado, o fato é que os políticos que mudaram de legenda, em geral, não obtiveram bom resultado, sobretudo aqueles muito identificados com uma legenda.
O Serra pode fazer essa disputa de 2018 no PMDB?
Eu desejaria que assim não fosse. Acho muito difícil para ele tomar uma decisão desse tipo. O PMDB tem essa característica que ocupa o centro do espectro político. Não é uma movimentação de um extremo ao outro do espectro. Enfim...
Há espaço para diálogo, neste momento, entre PSDB e PT?
Não existe espaço por duas razões: primeiro porque o PT é muito ambivalente. O PT tem um estoque de agressões ao PSDB que deixou marcas profundas no eleitorado do partido. Segundo: se você quer uma atitude de aproximação, precisa fazer algum mea-culpa. Com a Lava Jato em curso, qualquer movimento de sentar para conversar, será percebido como operação de salvamento do PT em sua pior hora.
Cabe ao PSDB apontar saída para a crise política?
Eu e muitos outros fomos muito críticos a posições que o partido adotou, sobretudo na Câmara, em matéria que eram importantes para o País apresentadas pelo governo. O partido foi incoerente com sua história, foi irresponsável do ponto de vista dos interesses maiores do País. Me refiro ao fator previdenciário. A batalha da reforma da Previdência foi uma batalha do Fernando Henrique (Cardoso), a criação do fator previdenciário foi uma criação do FHC, o tema que estava em pauta era o do fator previdenciário e eles votaram contra a história do partido, inclusive a história do partido no poder. Então, é um pouco além da conta. Acho que tem que ter sensatez, mas isso não pode se dar com sacrifício dos interesses do País.
Como o partido vai lidar com a questão do financiamento de campanha?
Esse é um capítulo que vamos (PSDB) ter que enfrentar. Na medida em que os custos de campanha se tornaram estratosféricos, só tem chance de entrar na disputa quem tem capacidade de captação de recursos. Se não mexermos nisso, é difícil você imaginar que os quadros políticos vão se renovar, que você vai ter uma oferta de novas lideranças políticas de qualidade do tamanho que o Brasil precisa. O PSDB deve definir essa regulamentação mais claramente. Quanto é que custa o trabalho de assessoria com um grande marqueteiro? Custa quanto você quiser que custe.
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