• Sem temer a perda de uma popularidade já esvaída, a presidente tem a última chance de abraçar reformas inadiáveis para o país
Os protestos marcados para este domingo (16) em diversas cidades do Brasil serão realizados a contrafluxo do que tem se passado nas esferas política e econômica.
Não que a crise esteja superada; longe disso. Mas, nos últimos dias, líderes partidários e empresariais parecem ter-se dado conta de que, a despeito dos erros cometidos pela presidente Dilma Rousseff (PT) –e foram muitos–, o melhor para o país, neste momento, é contar com alguma calmaria no Planalto.
Nada disso, naturalmente, tira a legitimidade dos atos contra o governo federal. Reeleita no segundo turno por ínfima margem de votos, a petista se tornou a presidente mais impopular da nossa história por seus próprios deméritos.
Da percepção de que a corrupção grassou como nunca na administração do PT à convicção de que as ideias equivocadas de Dilma levaram a economia a piorar muito mais do que seria aceitável, passando pelo estelionato eleitoral e pela fragilidade da base aliada, inúmeros aspectos explicam a insatisfação com a presidente.
Ainda assim, as circunstâncias começaram a mudar a favor de Dilma, aportando um alívio pequeno e ainda provisório no Planalto –as investigações da Operação Lava Jato podem mudar o horizonte sem aviso prévio.
O Tribunal de Contas da União, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal tomaram decisões que resultaram em uma lufada adicional de oxigênio para o governo –seja dilatando prazos para explicações, seja retirando de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, o poder de comandar votação sobre contas de presidentes da República.
Ficam por ora travados os meios para o impeachment, cujas requisitos, de resto, nem estão atendidos. O recurso traumático demanda sólida comprovação de crime de responsabilidade e amplo consenso de que o presidente não tem condições de seguir no comando.
Surgiu nas águas turbulentas, ademais, uma pequena tábua de salvação. Trata-se da Agenda Brasil, um pacote de reformas amarrado por Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado.
Verdade que muitas das medidas já tramitavam no Congresso; que o conjunto, ainda em mutação, tem pouca harmonia interna; que diversos interesses escusos se insinuam entre as propostas; que muitas sugestões são sumárias demais até para serem debatidas; que tudo, enfim, pode não passar de mera estratégia diversionista.
Mesmo assim, o gesto de Renan oferece ao menos um ponto de partida para discussões sobre o futuro do Estado brasileiro –o que não é pouco para um governo que afundava sem nem saber apontar a direção do céu e a do fundo do mar.
Se quiser tirar o melhor proveito da situação, o governo federal deve priorizar alguns projetos.
O Brasil não pode perder tempo com propostas como a de criar novas regras para atividades produtivas em áreas indígenas ou para o licenciamento de investimentos na zona costeira, em áreas naturais protegidas e cidades históricas. Tais medidas não passam de lobby de setores específicos e nada fariam para conter a dívida pública.
Por outro lado, o país sem dúvida precisa de maior segurança jurídica, agradeceria se houvesse aperfeiçoamento do marco regulatório das concessões e teria muito a ganhar com novas regras para a terceirização do trabalho. Tais iniciativas, porém, pouco ajudariam a resolver o desafio mais premente.
O desastre nas contas públicas nos últimos anos colocou a dívida em trajetória explosiva. Se ela não for estabilizada, o risco percebido de calote provocará danos na economia. Os juros cobrados no mercado para financiar o governo subirão ainda mais; o câmbio ficará ainda mais desvalorizado.
Entre as consequências estão aumento da inflação, agravamento da recessão e desemprego crescente.
Pôr um freio nos gastos públicos pode ser visto como sacrifício no curto prazo, pois necessariamente implica discutir os limites de crescimento das despesas obrigatórias (como Previdência), as vinculações excessivas no Orçamento e uma infinidade de subsídios e desembolsos que beneficiam apenas grupos de pressão.
Tais debates, por impopulares que sejam, não podem ser adiados. É urgente fazer o Estado brasileiro caber no PIB, sob pena de a sociedade perder parte dos formidáveis avanços conquistados nas últimas duas décadas.
Sem reformas dessa natureza, o país jamais conseguirá galgar o próximo degrau de seu desenvolvimento, assim como não teria avançado tanto se não tivesse conseguido estabilizar a economia em meados dos anos 1990.
Ao jornal "Valor Econômico", o cientista político Fernando Abrucio sugeriu um caminho: "A melhor das hipóteses para Dilma é ser um governo de transição para 2018. Não é pouca coisa para o país, nem para ela, se souber ter estatura política para isso. (...) Dilma é o Itamar [Franco] da vez".
Que Dilma Rousseff enxergue essa última oportunidade que, paradoxalmente, a história lhe oferece.
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