- O Estado de S. Paulo
Na era Sarney, a tropa de choque do governo articulava e agia dentro do Congresso, para garantir o regime presidencialista e um mandato de cinco anos. Hoje, o governo sai do isolamento articulando sua tropa de choque por toda a parte: no Congresso, no Supremo, no TSE, no TCU, na Procuradoria-Geral da República, no grande empresariado, nos movimentos sociais. Seu porta-voz é um dirigente da CUT que subiu a rampa do Planalto e, de lá, conclamou sua turma para pegar em armas contra a “burguesia”.
Que burguesia? Os bancos, as empreiteiras, as estatais, a mídia, o comando dos tribunais, a cúpula do Senado, o PMDB, o PP, o PR e o PSD se uniram num cerco de proteção a Lula e ao governo Dilma Rousseff. E nada pode ser mais elite hoje do que o PT de José Dirceu, João Vaccari, André Vargas e Erenices.
Logo, o tal camarada da CUT deve estar conclamando a turma (ou tropa, ou “exército”) para pegar em armas contra os 71% que rejeitam Dilma e, principalmente, contra aqueles milhares que pretendem ir às ruas do País hoje para protestar contra a presidente, o ex-presidente e o partido de ambos. Conclui-se que o cara é, no mínimo, ruim de conta: está jogando a minoria de 7% favorável a Dilma contra a grande maioria que se opõe a ela.
A fala do sujeito, um desastre, foi um ponto fora da curva da competente estratégia de reação política do PT e do governo, que teve como marco a guinada do senador Renan Calheiros em direção ao Planalto e se desenrolou numa série de movimentos políticos frenéticos, em meio a uma profusão de notas pagas na imprensa em defesa da “governabilidade”. Pura coincidência?
Numa única semana, Dilma reconduziu Rodrigo Janot para a Procuradoria-Geral, jantou com a cúpula dos tribunais, negociou o aumento do Judiciário, confraternizou com margaridas e espinhos dos movimentos sociais. Em contrapartida, o TSE adiou sine die o julgamento da campanha da presidente em 2014; o TCU deu mais 15 dias de prazo para o governo respirar antes do julgamento das contas do primeiro mandato; o Supremo esvaziou o “inimigo” Eduardo Cunha e fortaleceu o “neoamigo” Renan na votação das contas.
Então, tudo está resolvido, certo? Há controvérsias. O governo realmente saiu das cordas e ganhou fôlego no nível político, mas o Brasil está dividido em dois mundos. Um é o mundo da lua, ops!, o mundo político, onde Dilma, aparentemente, conseguiu inverter o jogo, sair do grave isolamento em que estava e criar um amplo leque de defesa a seu mandato. O outro é o mundo real, onde a economia não dá sinais de melhora e a Lava Jato se aproxima perigosamente dos ministérios do governo Lula e se mexe até em direção ao próprio Lula.
É nesse segundo mundo, o real, que as pessoas que compram, vendem, comem, adoecem, estudam, trabalham e se locomovem sentem os efeitos da recessão, da inflação e da conta de luz, enojadas com a crise política e horrorizadas com os valores estratosféricos roubados da Petrobrás. Aí, o apoio de Renan a Dilma só piora as coisas.
Nunca é demais lembrar que esses dois mundo andam juntos, se entrelaçam, influenciam fortemente um ao outro. Se as manifestações continuarem tão vigorosas quanto antes, servirão para segurar o novo ânimo governista em Brasília.
Se esmaecerem, confirmando a sensação de véspera, estará criado o ambiente favorável para o sucesso do grande acordão político e para Dilma começar a recuperar índices de popularidade. Jamais voltará a ser a mesma de abril de 2013, com o recorde histórico de 75% de aprovação, mas terá o suficiente para o que ela própria chama de “travessia”.
Advertência: se é que houve um acordão, como sugerem os fatos, é improvável que ele tenha viajado e enredado o juiz Sérgio Moro, os procuradores da Lava Jato e a Polícia Federal, que não devem ser suscetíveis nem aos conchavos políticos, nem às tropas de choque, nem mesmo a grandes manifestações de rua. Pelo menos naquele outro mundo, o mundo ideal.
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