sexta-feira, 27 de maio de 2016

Míriam Leitão - Mudança externa

- O Globo

Temer enfrentará cenário internacional adverso para a economia brasileira. Há uma complicação extra para a delicada situação brasileira. O governo Temer vai enfrentar um cenário externo mais complexo nos próximos meses. A expectativa de alta dos juros nos EUA ganhou força com a ata do Fed, e o que não aconteceu no primeiro semestre deve se concretizar no segundo. O risco de desaceleração da China permanece, e o país parece ter cada vez menos fôlego para adotar medidas de estímulo.

O economista-chefe e sócio do Banco Modal, Luiz Eduardo Portella, avalia que os temores do mercado financeiro no início do ano foram empurrados para o segundo semestre. Isso quer dizer que não foi só a expectativa de troca de governo no Brasil que ajudou no fortalecimento do real e na alta do Ibovespa. Houve também os efeitos do adiamento da alta dos juros nos EUA e os estímulos que foram dados pelo governo chinês para impulsionar a economia.


— O cenário internacional ajudou muito neste início de ano. O petróleo se recuperou, o minério de ferro se recuperou, os Estados Unidos adiaram a alta dos juros, a China anunciou um programa de estímulos. Na nossa visão, o segundo semestre será mais difícil, com a reversão de alguns desses dados — disse.

Portella afirma que a estratégia de vários bancos centrais de adotar juros negativos como forma de estimular o crescimento está começando a ter o resultado contrário. As famílias estão percebendo que as suas aplicações para aposentadorias estão com baixos rendimentos e por isso terão que poupar mais. Isso tem tido impacto sobre as intenções de consumo.

— Os juros negativos estão afetando o consumo porque estão diminuindo os rendimentos da poupança mundial — afirmou.

Com a ata do Fed divulgada na quarta-feira da semana passada, a expectativa de alta de juros já na próxima reunião, em junho, subiu de 4% para 38% segundo o economista Silvio Campos, da Tendências consultoria, que fez uma análise dos contratos de juros futuros americanos. Desde o início da semana passada, quando integrantes do Fed começaram a sugerir que o ciclo de alta estava próximo, apenas a libra se valorizou em relação ao dólar, entre um conjunto de 15 moedas pesquisadas pela Bloomberg. O rand sul-africano perdeu 5%, o peso mexicano, 3%, e até o yen e o euro se desvalorizaram. O real perdeu 2,65% no período.

Na China, que tem câmbio controlado, o yuan perdeu valor e atingiu a menor cotação em cinco anos, em mais um sinal de que o governo está preocupado com a desaceleração do PIB. No primeiro trimestre, o crescimento foi o menor desde 2009.

A alta dos juros nos EUA já vinha sendo esperada há alguns meses, e o Banco Central brasileiro se preparou para este momento, elevando a taxa Selic. O economista José Cláudio Securato, diretor da Saint Paul Escola de Negócios, explica que o custo de oportunidade para os investidores estrangeiros virem para o Brasil ficará mais elevado. Ainda assim, acredita que o cenário interno brasileiro será muito mais decisivo do que os juros americanos para a nossa recuperação. Ele diz que o Brasil já está sendo reavaliado internacionalmente, a partir da troca de governo, da nomeação da nova equipe econômica e do esfriamento da crise política.

— Os executivos brasileiros, quando conversam com investidores estrangeiros, já estão falando menos de Brasil e mais de suas empresas e de seus negócios. Isso é um sinal muito positivo porque mostra que a engrenagem está voltando a funcionar — afirmou.

Securato não enxerga um aumento muito forte dos juros nos EUA, capaz de afetar o fluxo de capitais para o Brasil. Ele diz que os sinais internos são mais importantes, como a atuação do novo ministro das relações exteriores, José Serra, que foi rápido em mudar o posicionamento do país na América Latina, e da Fazenda, que indicou uma mudança na política econômica.

— A Fazenda foi muito rápida em focar no ajuste fiscal, inclusive tocando em um ponto sensível que é a Previdência, e o ministro Serra também foi muito rápido em reposicionar a imagem do país na América Latina. O Brasil agora é mais Argentina, de Macri, Chile e México, e menos Venezuela, Bolívia e Argentina de Cristina Kirchner. Isso é muito importante para a avaliação do investidor estrangeiro.

De qualquer maneira, o fato é que o Brasil, na situação crítica em que está, não poderá contar muito com ambiente externo favorável. É mais um desafio para o país.

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