As advertências de que a nomeação de políticos investigados pela Operação Lava-Jato para o ministério é um dos principais flancos vulneráveis do governo interino de Michel Temer não demoraram nada para marcar sua realidade desestabilizadora. O ministro Romero Jucá, um dos políticos íntimos do círculo palaciano, não resistiu mais que algumas horas a gravações onde expressa o desejo de que um novo governo colocasse fim às investigações. As explicações de Jucá foram totalmente inconvincentes e ele se exonerou do cargo, não sem antes receber de Temer grandes elogios por sua capacidade política e competência. Apenas 11 dias após a posse de seu ministério, Temer assistiu à primeira e ruidosa baixa.
A saída de Jucá aumentou os riscos políticos do governo logo no dia da apresentação da nova meta fiscal e de medidas para o equilíbrio das contas públicas. E tudo indica que não será a única defecção, pois a Lava-Jato tende a continuar produzindo estragos. Romero Jucá era um alvo óbvio, com dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal, e teve a quebra de seu sigilo fiscal e bancário quebrado, no período 1998 a 2002, para a apuração de suspeitas de desvios de verbas federais em obras municipais. Temer tinha grande confiança nele, a ponto de transferir o BNDES para a pasta do Planejamento. Temer perdeu outro operador de peso no Congresso, Eduardo Cunha (PMDB-Rio), que, com mandato suspenso pelo STF, colocou políticos de sua confiança em postos importantes no segundo escalão do governo.
A mais recente batelada de gravações provém da tentativa de delação premiada de Sérgio Machado, presidente da Transpetro ao longo dos governos petistas e ligado ao presidente do Senado, Renan Calheiros, um desafeto de Temer. Mas Machado, que saiu por aí com um gravador oculto, promete contar o que sabe sobre a atuação do PMDB nos esquemas de corrupção que se aninharam na Petrobras. E, a rigor, o presidente interino não pode contar sequer que seu círculo palaciano permanecerá a seu lado, já que os nomes de Eliseu Padilha, Geddel Vieira e Moreira Franco surgiram na Lava-Jato em meio a delações premiadas.
Ainda que Temer tenha assumido a Presidência em condições excepcionais, ele iniciou sua gestão correndo mais riscos do que deveria. A presidente Dilma Rousseff não foi afastada por corrupção - identificável à sua volta e em seu partido -, mas as expectativas iniciais em relação a Temer se baseiam na esperança de solução da crise econômica e de um governo limpo e transparente no trato do dinheiro público. Nesse segundo aspecto, os escolhidos para seu ministério deixam a desejar.
A estratégia de Temer, com a nomeação de um ministério político, é obter maioria no Congresso, que sua antecessora afastada perdeu, para completar a obra do impeachment e aprovar medidas econômicas duras que a péssima situação da economia exige. E os problemas políticos não desapareceram com o afastamento de Dilma. Há muitos interesses a serem saciados e a volta do Ministério da Cultura mostrou que Temer é sensível a pressões. Em discurso, referiu-se a JK e afirmou não ter compromisso com equívocos. Mas para discernir o certo, Temer já viu seu ministério crescer de 23 para 26 pastas.
Com uma bancada bem menor do que já foi, o PMDB ainda é o maior partido no Congresso e não terá vida fácil para compor uma maioria estável. Essa composição tornou-se mais difícil com a pulverização dos partidos e a emergência de caciques de legendas minúsculas, além dos tradicionais pajés do PMDB. Lideranças personalistas como a de Cunha aglutinaram na base do clientelismo fiel apoios transpartidários, contribuindo para a entropia no Legislativo, onde o comando partidário é só uma facção a mais em um conjunto de interesses dos liderados. A negociação agora tem de ser feita com muitos interlocutores e exige barganhas incessantes.
Temer aceitou o novo líder do governo na Câmara, o deputado André Moura, aliado de Cunha, acusado até de tentativa de homicídio. E esse pode ter sido o mal menor para o governo, já que Moura pode evitar a formalização do bloco do "centrão", com 225 deputados, que lhe deu apoio. O baixo clero, de tanto ser cortejado, ameaça dispensar intermediários, criando um líder da maioria e encarecendo as barganhas políticas. A dúvida é se o governo conseguirá manter esse bloco da fuzarca unido e o conduzir ou será conduzido por ele.
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