Novas gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, delator da Operação Lava-Jato, mostram o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) falando que amigos do ministro Teori Zavascki, do STF, poderiam ser usados para ajudar na tentativa de interferir nas investigações. Sarney diz ainda que Dilma Rousseff negociou pagamento da Odebrecht para João Santana. Nos grampos, revelados pela TV Globo, Renan chama o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de “mau-caráter”.
Tentativa de interferência
• Grampos mostram que Renan e Sarney sugeriram a Machado caminhos para barrar Lava-Jato no STF
- O Globo
-BRASÍLIA- Novas gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado — e entregues à Procuradoria-Geral da República em acordo de delação premiada — reforçam as suspeitas de que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o ex-presidente e ex-senador José Sarney (PMDB-AP) tentaram interferir nos rumos da Operação Lava-Jato buscando formas de aproximação com o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, relator dos inquéritos que investigam políticos citados na operação.
As gravações que complicam a situação de Renan e Sarney foram divulgadas pela TV Globo. Uma das conversas entre Machado e Sarney ocorreu em 10 de março deste ano. A sugestão do exsenador é usar o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Cesar Asfor Rocha para tentar se aproximar de Teori. Os dois seriam próximos, segundo Sarney. Em outra gravação, de 11 de março, Renan sugeriu a Machado uma aproximação de Teori por meio do advogado, Eduardo Ferrão
Um indicativo de que as tentativas não deram resultado é o fato de que Machado se viu obrigado a fechar um acordo de delação com a força-tarefa da Lava-Jato. Asfor Rocha se aposentou em 2012 e tem um escritório de advocacia atuante em São Paulo e Brasília. Por meio da assessoria de imprensa, ele disse jamais ter recebido pedido para fazer intermediação junto a Teori, e que nunca conversou com o ministro do STF a respeito da Lava-Jato.
As conversas integram as seis horas de gravações entregues por Machado à PGR. Em outros trechos, Renan foi flagrado dando conselhos sobre linha de defesa do ex-senador Delcídio Amaral e, também, fazendo pesadas críticas ao procuradorgeral da República, Rodrigo Janot.
Machado estava preocupado com um possível desmembramento das investigações e a remessa de seu caso do STF para a primeira instância, comandada pelo juiz Sérgio Moro em Curitiba:
— Porque realmente, se me jogarem para baixo aí... Teori ninguém consegue conversar — disse Machado.
— Você se dá com o Cesar? Cesar Rocha — indagou José Sarney.
— Dou, mas o Cesar não tem acesso ao Teori não. Tem?
— Tem total acesso ao Teori. Muito, muito, muito, muito acesso, muito acesso. Eu preciso falar com Cesar. A única coisa com o Cesar, com o Teori é com o Cesar — prometeu Sarney.
No dia seguinte, Machado gravou uma reunião em que estavam Sarney e Renan. O presidente do Senado sugeriu uma aproximação com Teori por meio de outro advogado, Eduardo Ferrão:
— O Renan me fez uma lembrança que pode substituir o Cesar. O Ferrão é muito amigo do Teori — disse Sarney.
— Tem que ser uma coisa confidencial — comentou Renan. — Só entre nós e o Ferrão — disse Machado. Em outro trecho divulgado ontem pela TV Globo, Sarney faz críticas ao Judiciário. Chega a dizer que o país está sob “ditadura da Justiça”.
A divulgação dos grampos feitos por Machado — agora oficialmente delator da Lava-Jato — gera forte instabilidade política no início do governo do presidente interino, Michel Temer.
Por causa deles, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) se afastou do Ministério do Planejamento. E o PV, aliado de Temer, já anunciou que atuará de forma independente no Congresso. Na gravação, feita antes do afastamento da presidente Dilma Rousseff, Jucá disse a Machado que era necessário mudar o governo “para estancar a sangria” da Lava-Jato.
Machado chegou à presidência da Transpetro por indicação de Renan, e lá ficou por 12 anos. Inquéritos no STF investigam uma suposta atuação de ambos nos desvios na Petrobras. Outras conversas entre os dois mostram que Renan é favorável a mudanças na lei da delação premiada.
Por meio de nota, Renan afirmou que as investigações da Lava-Jato são intocáveis e que em nenhum momento quis interferir na operação. Renan disse que “não tomou nenhuma iniciativa ou fez gestões para dificultar ou obstruir” as apurações da operação. Num ataque a Machado, Renan disse que “não adianta o desespero de nenhum delator.”
Renan ainda procura não se responsabilizar por críticas a autoridades, como Teori, que aparecem sendo atacadas por Machado. “O senador não pode se responsabilizar por considerações de terceiros sobre pessoas, autoridades ou o quadro político nacional”, diz a nota. E acrescenta: “O senador reafirma ainda que suas opiniões sobre aprimoramentos de legislação foram e continuarão públicas. Não apenas ao tema mencionado nos diálogos, mas também na defesa de que a pena para delações não confirmadas sejam agravadas”.
Em nota, Sarney afirmou ser amigo de Machado há muitos anos, e que as conversas tiveram como pano de fundo a solidariedade. Segundo Sarney, “as palavras dirigidas tiveram o objetivo de ajudar a superar as acusações imputadas” a Machado. Sarney Lamentou que conversas privadas se tornem públicas. Teori não quis comentar.
Entidades reagiram à tentativa de interferência na Lava-Jato. O presidente da Associação dos Juízes Federal (Ajufe), Antonio Cesar Bochenck, saiu em defesa de Moro e Teori. Disse que magistrados não podem sofrer pressões, e tentativas de interferência no trabalho deles devem ser investigadas.
— O lobby no mundo político é uma coisa. No mundo jurídico é diferente. Os pedidos são feitos por petições. Não pode haver lobby no Judiciário. Tem que ser analisado com cuidado tudo o que foi posto. Interferências não são adequadas. A opinião pública quer que os fatos sejam esclarecidos e os culpados, responsabilizados.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, também refutou qualquer tentativa de ingerência sobre a Lava-Jato. Segundo ele, a operação é “irreversível”. O presidente da OAB, Claudio Lamachia, disse que “o país tem que caminhar para uma regra: todos são iguais perante a lei”.
O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, disse que os magistrados ouvem a todos que procuram o tribunal, mas isso não afeta sua imparcialidade: “Faz parte da natureza do Poder Judiciário ser aberto e democrático. Magistrados, entre eles os ministros da Suprema Corte, são obrigados, por dever funcional, a ouvir os diversos atores da sociedade que diariamente acorrem aos fóruns e tribunais. Tal prática não traz nenhum prejuízo à imparcialidade e equidistância dos fatos (...)”, disse.
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