- O Estado de S. Paulo
Os mandados de prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud são desdobramento natural da revelação dos diálogos entre os dois executivos. Não devem ser encarados como indício de mudanças nas regras para delações premiadas. O próprio acordo com o Ministério Público prevê suspensão, em caso de falseamento ou omissão de fatos. Ao que tudo indica, os novos prisioneiros omitiram detalhes importantes do relacionamento que mantinham com autoridades. As prisões são, portanto, “vida que segue”, sem surpresas; haverá, provavelmente, até justiça nelas.
Mesmo definido por um de seus protagonistas como “conversa de bêbado”, o áudio expôs uma estratégia que consistia em revelar alguns pecados e entregar peixes gordos da política, de modo a preservar executivos e empresas do grupo. Mas a confusão deixa uma questão: se, temendo ser presos, Batista e Saud disseram o que disseram, o que não falarão agora, se mantidos no calor pouco acolhedor dos presídios? Haverá mais?
As relações da J&F são amplas e por anos sustentaram financeiramente quase todo o sistema político nacional: a empresa é um gigante, há muito tempo dependente de relações com o Estado; a tradição clientelista e patrimonialista brasileira é ainda maior. A promiscuidade é tão grande, que parece justo suspeitar que mais ainda possa vir.
Mesmo Joesley se mostra um personagem imprevisível, pouco articulado e falastrão.
Em breve o caso estará sob cuidados da futura procuradora-geral. Raquel Dodge estreará com um processo desta dimensão e pressão potencializada pelas prisões. Será oportunidade para afastar suspeitas em torno de sua indicação e firmar reputação de seriedade, isenção e vontade de apurar. Por sua vez, o sistema político permanecerá alerta e, por muito tempo, com a respiração suspensa.
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*Carlos Melo é cientista político e professor do Insper.
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