O ECA foi contaminado pela mesma ideologia da Carta de 88, pela qual o Estado tutela a sociedade
Aprovado em 1990 sob o nome de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ou Estatuto do Menor, de forma sucinta, é uma lei envolta em intensa polêmica, que se torna mais acesa em momentos de agravamento da crise de segurança pública, como agora. Há insanas reações em defesa de punições medievais de criminosos, menores de idade ou não.
São inaceitáveis, em qualquer sociedade civilizada. O que não significa deixar de debater a necessidade de uma adequação do ECA à realidade do país, e isso não vem de agora. Em todo este tempo, magistrados experientes dos Juizados de Menores não deixaram de comentar o que consideravam um equivocado desbalanceamento: o ECA estabelece muitos direitos aos jovens, mas poucos deveres.
O fato de ter sido aprovado em 1990 fez com que o Estatuto carregasse a mesma marca da visão ideológica impressa na Constituição promulgada em 1988, dois anos antes da lei de proteção da criança e do adolescente. Foram tempos de defesa da tutela da sociedade pelo Estado, depositando sobre os ombros do poder público responsabilidade imensas, inalcançáveis. É o mesmo pano de fundo que está por trás da quebra do Estado pelo lulopetismo desenvolvimentista de Dilma Rousseff. Foi esta visão ideológica de tutela que levou a regras pelas quais despesas sociais passaram a ser indexadas ao salário mínimo ou à inflação, independentemente da evolução das receitas. Deu no que deu.
Aplicada ao ECA, esta mesma visão gerou uma espessa rede de proteção, sem maiores cuidados com os tipos de crimes cometidos por adolescentes. Como se, por serem jovens, é sempre cabível penas leves. Isso não acontece em vários países desenvolvidos, e não é por acaso.
Ao estabelecer o limite rígido da inimputabilidade até os 18 anos, a legislação engessou um conceito que é, por definição, fluido na vida real. A maturidade e a noção de responsabilidade não dependem do calendário gregoriano. Por isso, o ECA deveria ser flexibilizado para Ministério Público e Justiça enquadrarem ou não o jovem no Código Penal, a depender do crime.
Não deve ser por coincidência que esta mesma percepção cartorial da vida, em que tudo se resolve por leis executadas pelo Estado, engessou o Orçamento da União com percentuais fixos para gastos com Saúde e Educação, o que, como se achava, estrangularia a capacidade de o administrador público gerenciar as despesas. E aconteceu.
Com o gesso aplicado ao ECA, por sua vez, o tráfico passou a recrutar menores, por terem tratamento leve, mesmo em homicídios (não ficam em regime fechado mais que três anos). Os assaltantes de cargas fazem o mesmo: são menores que vão ao lado dos motoristas, levando os caminhões para serem descarregados pelas quadrilhas. É evidente que se tornou enorme o sentimento de impunidade legal do jovem infrator, grande estímulo ao crime.
Não se discute que falta infraestrutura para a reabilitação dos infratores. Mas também ela não existe na maioria das penitenciárias, e nem por isso o Código Penal deve ser suspenso.
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