- Valor Econômico
Já se detecta há semanas um movimento de retirada de investidores em fundos ligados aos mercados emergentes
Dez anos depois da quebra do banco de investimento Lehman Brothers, marco da crise financeira desencadeada pela alavancagem dos créditos imobiliários "sub primes" no mercado americano, nova tormenta ronda os mercados. Move-se com a retomada de práticas protecionistas que relegam à história a larga onda de liberalismo predominante no mundo desde finais da década de 80 até os primeiros anos deste século. Um período de cerca de trinta anos de prosperidade que começou a desaparecer a partir de 2008.
Ontem, a China formalizou junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) uma queixa contra a ameaça dos Estados Unidos de voltar a tarifar as importações de produtos chineses, abrangendo um total de US$ 200 bilhões. No início de julho, como se recorda, os Estados Unidos impuseram tarifa de 25% sobre importações de diferentes tipos de mercadorias chinesas, envolvendo o montante de US$ 34 bilhões, com a promessa de expandir para mais US$ 16 bilhões. A iniciativa recebeu pronta resposta com a equivalente taxação de produtos americanos importados pela China.
Não se sabe quando chegará ao fim a chamada "guerra comercial", movida pelo apetite de Donald Trump de garantir uma "América grande novamente". Mas não há dúvida de que a escalada tem sido crescente. Antes de focar na China, Trump havia imposto tarifas sobre as importações de aço e alumínio, medida que provocou a retaliação do Canadá - esqueça Alca e demais acordos de comércio - com tarifação de 25% sobre a importação de produtos americanos. Mais recentemente, o governo dos Estados Unidos voltou à carga, ameaçando a importação de automóveis e partes do setor. O alvo, aqui, seria a Europa, além dos países asiáticos.
Alguns avaliam que a China teria mais a perder no duelo com os Estados Unidos, uma vez que tem o superávit comercial entre os dois países a seu favor. Quer dizer, considerando que o valor dos produtos americanos importados pela China no ano passado foi de U$ 130 bilhões, bem abaixo dos US$ 500 bilhões de produtos chineses comprados pelos Estados Unidos, haveria aí um saldo excedente favorável à política de Trump. No entanto, uma "guerra comercial" pode ter limites muito largos. Além de mercadorias, tem potencial para atingir o ingresso de capital via taxação de investimentos, inversões em portfólios, entre outras possibilidades.
Também não se sabe que efeitos objetivos no desempenho da economia mundial a recente disputa tarifária teria. No curto prazo, tudo indica que muito pouco. Isso ficou claro com a divulgação ontem do relatório atualizado do World Economic Outlook, do FMI, com as mais abrangentes projeções de crescimento para as diversas regiões e diferentes economias. O documento mantem a estimativa de 3,9% para o crescimento mundial neste ano e em 2019, embora chame a atenção para os riscos de desequilíbrio com a perspectiva de maior fortalecimento da economia dos Estados Unidos em comparação com outros países desenvolvidos.
Com a recente valorização de 5% do dólar, aumento de gastos fiscais e um mercado de trabalho que caminha para as mais baixas taxas de desemprego em 50 anos, segundo o FMI, o cenário está montado para os Estados Unidos voltarem a afirmar uma robusta hegemonia, deixando bem distantes países que ousaram enfrentar tal poderio, nominalmente, a China. Não há grande novidade na maneira como os eventos foram se desenrolando, considerando que Trump tem cumprido com as promessas que fez em campanha. E nisso ele tem sido constante. Não à toa sua retórica protecionista tem atingido alta taxa de aprovação junto ao eleitorado republicano.
O impacto sobre a economia mundial em geral - incluindo os próprios Estados Unidos - é difícil de mensurar na medida em que existem hoje mais ameaças do que efetivamente expressivas elevações tarifárias em vigor. O diretor de pesquisa do FMI, Maurice Obstfeld, previu ontem que o aumento das tensões comerciais entre os Estados Unidos e o resto do mundo poderia levar em 2020 a uma queda de 0,5% no produto global com relação às últimas projeções. Isso representaria um custo de cerca de US$ 450 bilhões, valor que não chega a ser propriamente preocupante, diga-se.
Mas há ainda outra dificuldade para medir as consequências econômicas da "guerra fiscal". Tem a ver com a incerteza que costuma tomar conta dos mercados sempre que uma política dissonante do padrão comum internacional é adotada pelo governo de um país relevante como são os Estados Unidos. Já se detecta há semanas um movimento de retirada de investidores em fundos ligados aos mercados emergentes face ao receio de que a expansão do protecionismo venha a afetar em especial as economias da Ásia.
O economista Berry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, especializado em economia internacional, tem enfatizado que os planos de investimento são decididos com certa antecipação, de modo que ainda é cedo para se saber o efetivo impacto da "guerra comercial" nas economias. Há o risco da eficiência produtiva ser afetada se efetivamente as tarifas impostas pelos Estados Unidos privilegiarem os setores mais atrasados de produção, prejudicando no longo prazo a própria economia americana. O tempo dirá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário