Relator de um processo no qual se discute a possibilidade de um candidato sem filiação partidária disputar as eleições, o ministro Luís Roberto Barroso decidiu não liberar o caso para votação no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) antes de outubro, informou o Estado. De acordo com o gabinete do ministro Barroso, ele deseja promover uma audiência pública sobre o tema após as eleições.
O recurso, que chegou ao STF em junho de 2017, insurge-se contra a rejeição da candidatura de um advogado, sem filiação partidária, à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016. Em outubro do ano passado, o STF reconheceu a repercussão geral do caso. Com isso, o resultado deste julgamento deve produzir efeitos não apenas sobre as partes envolvidas, definindo uma orientação geral para todo o Judiciário.
Tendo em vista que a principal função do STF é ser o guardião da Constituição, é muito estranho o modo como este caso das candidaturas avulsas está sendo conduzido. A Carta Magna é cristalina ao estabelecer que a filiação partidária é condição para ser candidato. Eis o art. 14, § 3.º da Constituição: “São condições de elegibilidade, na forma da lei: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição, a filiação partidária e a idade mínima”, com a previsão de diferentes limites etários, de acordo com cada cargo. Por exemplo, para se candidatar à Presidência da República é preciso ter ao menos 35 anos de idade.
Os ministros do STF não têm poder para alterar o art. 14 da Constituição. A missão de guardar a Carta Magna é assegurar que as disposições constitucionais sejam cumpridas. Se ela diz que é preciso ser filiado a partido político, não cabe ao STF dispensar tal condição. Se alguém, portanto, bate à porta do Supremo para tentar que uma candidatura avulsa seja aceita perante a Justiça Eleitoral, o papel do STF é denegar prontamente o pedido, em respeito ao conteúdo expresso do texto constitucional.
Está fora das competências do STF promover audiência pública para discutir se o conteúdo da Constituição é ou não adequado. O papel da Corte constitucional é defender e aplicar as disposições da Carta Magna. Quem tem competência para fazer alterações na Constituição é o Poder Legislativo, dentro das condições previstas na própria Constituição.
Há muitas e boas razões que fundamentam a exigência constitucional de filiação a partidos políticos para quem pretenda ser candidato. Logicamente, também há bons argumentos a justificar as candidaturas avulsas em outro sistema político. No entanto, esse debate não compete ao Supremo, já que não dispõe do chamado “poder constituinte derivado” para fazer alterações na Constituição. Cabe-lhe tão somente aplicar a Carta Magna.
Há algo de muito errado quando o STF se dispõe a julgar um caso que contraria frontalmente o texto constitucional. Por exemplo, no processo das candidaturas avulsas, o que se pede é precisamente uma permissão para desobedecer a Constituição. Os ministros do STF não são corretores do texto constitucional. Também não têm poder de arbítrio para definir quando a Carta Magna deve valer e quando deve ser lida como mero entretenimento.
Agride-se o Estado de Direito quando ministros da Suprema Corte, última instância do Poder Judiciário, atuam além de suas competências. Naturalmente, todo abuso no exercício do poder público é grave. Mas se o abuso provém de quem tem a função de guardar a Constituição contra eventuais agressões ou desvios, o assunto ganha proporções singulares.
Há ainda outra agravante, própria dos tempos esquisitos que correm. De tão frequentes, as extrapolações da Suprema Corte já não despertam nenhuma especial reação. Sua habitualidade conferiu-lhe uma aparência de normalidade. Mas de normal essa situação nada tem. Urge deixar claro que é impossível haver progresso civilizatório onde há desrespeito à Constituição e às competências do Legislativo.
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