Por Sergio Lamucci | Valor Econômico
SÃO PAULO - O Brasil se aproxima das eleições presidenciais num cenário em que a principal demanda da população deverá ser a volta do crescimento, diz o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, que vê com preocupação o risco de recaída em soluções populistas. O desempenho ruim da economia, num quadro marcado pelo alto desemprego, desgastou muito a agenda de disciplina fiscal e de reformas, avalia ele.
"Como é que o sujeito ganha uma eleição complicada como essa e vai prometer sangue, suor e lágrimas? Não tem espaço para isso", afirma Mendonça de Barros. Para ele, discussões sobre ajuste fiscal e privatizações terão pouquíssimo apelo numa eleição em que a grande demanda será por crescimento.
Uma novidade que deverá afetar o cenário político, porém, é o acordo entre o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) com o Centrão, acredita ele. O acerto é importante por esvaziar a candidatura de Ciro Gomes (PDT), diz Mendonça de Barros, que considera a vitória do ex-governador do Ceará como a grande ameaça de volta das políticas populistas de esquerda que, segundo ele, levaram o país à atual crise. "O meu grande medo era o Ciro Gomes eleito, por ser um sujeito com uma visão sobre economia absolutamente inaceitável."
O maior risco do ambiente atual é a possibilidade de vitória de candidatos populistas, que prometam medidas para acelerar a atividade econômica a qualquer custo, diz Mendonça de Barros. O acordo de Alckmin com o Centrão, porém, tende a diminuir bastante a chance do Ciro, podendo até colocar num segundo turno novamente os candidatos do PT e do PSDB, avalia o ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso.
Mendonça de Barros vê o apoio do Centrão como uma "vitória extraordinária" do ponto de vista eleitoral de curto prazo, mas pondera que alguns pontos têm que ser analisados com cautela. "O acordo consolida uma aliança com o que há de pior na política brasileira e cuja agenda não inclui os pontos principais do que representa a candidatura de Alckmin", diz ele, numa referência ao compromisso com a disciplina fiscal e as reformas. É preciso ver como a população vai reagir ao acerto, lembra Mendonça de Barros, acrescentando que a aliança não resolve a questão da governabilidade - será necessário ver como compatibilizar a agenda de reformas do tucano com a agenda dos partidos do Centrão. "A leitura [do apoio do bloco] precisa ser feita com cuidado", diz ele. "O acordo precisa passar pelo crivo da opinião pública. É uma aliança realmente estranha."
Ao falar do cenário político brasileiro, Mendonça de Barros mostra pessimismo. "Eu acho que está tudo muito desorganizado. Não há referência nenhuma", afirma ele, para quem o Congresso que sairá das eleições de outubro será ainda pior que os anteriores. A polarização entre PT e PSDB ficou para trás e hoje há algo cinco partidos do mesmo tamanho, com "cinquenta e poucos deputados", diz o ex-ministro.
Para Mendonça de Barros, ou bem o país encontra alguma saída pela racionalidade na economia e na política, ou haverá uma crise. "O que me assusta é a inconsistência entre o que precisa ser feito, o que o Congresso estará disponível a dar e o que a sociedade está esperando", resume ele, que também foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo FHC.
Mendonça de Barros vê o fim de um ciclo político no país. A polarização entre PSDB e PT foi uma referência por quase três décadas, segundo ele. A orientação da política econômica de curto prazo se manteve ao longo de um período relativamente extenso, com disciplina fiscal e política monetária conservadora. E, a partir de meados da década passada, o paí foi ajudado pelo boom dos preços de commodities, o que contribuiu para acelerar o crescimento.
Entre 1996 e 2002, nos dois governos de FHC, o país cresceu a uma média de 3%, diz ele, usando números a partir do segundo ano do primeiro mandato do tucano. A taxa média subiu para um pouco mais de 4% nos anos Lula. Já na média dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, a média cai para zero. No diagnóstico de Mendonça de Barros, os erros cometidos, em especial pela ex-presidente Dilma Rousseff, que esticou ao máximo uma bolha de consumo, levaram à recessão que fez o PIB cair 3,5% em 2015 e mais 3,5% em 2016. Os excessos, evidenciados por uma demanda doméstica que crescia aceleradamente, não foram corrigidos pela petista.
O governo de Temer, que assumiu com uma agenda de reformas, estancou a sangria, mas não conseguiu engatar uma retomada mais forte, afetado principalmente pela deterioração das condições políticas depois da denúncia de Joesley Batista, da JBS.
Ao analisar um período mais longo, entre 1996 e 2018, o ritmo anual de crescimento da economia brasileira ficou em apenas 2,4%, destaca Mendonça de Barros. "É muito pouco", diz ele. "Numa sociedade desigual como a nossa, isso deixa marcas profundas."
Mendonça de Barros vê uma atividade econômica hoje anêmica, que se enfraqueceu ainda mais depois da greve dos caminhoneiros. A paralisação teve um impacto muito negativo sobre a confiança de empresários e consumidores. "Foi tudo para o chão", afirma ele, ressaltando ainda que o movimento dos juros de longo prazo. "As taxas mais longas estão hoje muito mais altas do que antes. Nós vamos ter nos últimos três meses do ano uma taxa talvez até menor do que nós tivemos nos primeiros três meses." No primeiro trimestre, o PIB cresceu 0,4% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal.
No entanto, Mendonça de Barros diz ver um fator positivo que, se bem administrado, pode ser um trunfo para o próximo presidente: a grande ociosidade existente na economia. "Há um hiato muito grande", diz Mendonça de Barros, hoje presidente do conselho da Foton Brasil, que fabrica caminhões. Há uma enorme folga no mercado de trabalho e, com a fraqueza da economia, o país tem um déficit em conta corrente muito baixo, inferior a 1% do PIB. O Brasil tem produzido elevados saldos comerciais, num momento em que as importações crescem pouco.
Para ele, um presidente que tenha um programa crível de ajuste fiscal não precisará adotar medidas muito duras logo de início, podendo aproveitar a retomada cíclica da economia, ocupando a grande ociosidade existente. "Você não precisa de tanto investimento no começo. Recupera pelo consumo", afirma Mendonça de Barros, destacando a importância de que esse processo seja bem administrado. É preciso, segundo ele, soltar o crédito e não adotar de imediato medidas de ajuste fiscal muito severas. Um programa crível para equilibras as contas públicas já controlaria as expectativas.
Ainda assim, há a questão política a ser resolvida. "Como é que o candidato vencedor vai operar o sistema político?", questiona Mendonça de Barros, para quem o risco maior seria um segundo turno entre Ciro e Jair Bolsonaro (PSL). Hoje, porém, esse desfecho parece menos provável.
E é possível falar em fim do ciclo político de polarização entre PT e PSDB depois do acordo de Alckmin com o Centrão, que traria uma possibilidade um pouco maior de uma eleição novamente concentrada na disputa entre tucanos e petistas? "Sim. A aliança do PSDB com o Centrão é uma prova de que o ciclo político do passado acabou", responde ele. Antes, esses partidos vinham por gravidade, e na discussão e aprovação de medidas pontuais, diz Mendonça de Barros. "Agora, é uma aliança eleitoral muito mais forte. A natureza é diferente de quando Fernando Henrique e Lula tinham o comando efetivo do jogo político."
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