Escaramuças contra a reforma da Previdência refletem a ignorância, e má-fé, diante da situação do país
Brasília, há muito tempo, ganhou o nada lisonjeiro título de “Ilha da Fantasia”, dado o distanciamento dos poderes em relação ao país real. Agora, esta alienação está concentrada no Congresso, como poucas vezes visto. E se trata de uma patologia pluripartidária.
A última prova do desvario foi a reunião de segunda-feira da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara, cuja pauta era a deliberação sobre a constitucionalidade da proposta de reforma da Previdência, atestada pelo relator, deputado delegado Marcelo Freitas (PSL-MG). Esta votação é parte da etapa inicial da tramitação deste projeto de importância estratégica.
Mas vários partidos supostamente próximos ao governo — como DEM, PP, PRB, SD e outros do “centrão” —, inclusive a legenda do presidente Bolsonaro, o PSL, ajudaram a oposição na manobra de inverter a pauta, para dar prioridade ao projeto da emenda constitucional (PEC) do Orçamento impositivo. Tudo para obstruir, retardar a tramitação das mudanças no sistema previdenciário, sem as quais a economia não decola, como se está vendo.
Parece chantagem em busca de benesses fisiológicas, como nos 13 anos de lulopetismo, o que o Planalto de Bolsonaro, com acerto, se recusa a fazer. A própria PEC do Orçamento, aprovada em altíssima velocidade pela Câmara e pelo Senado, também com apoio maciço multipartidário, já é por si um instrumento descabido de pressão sobre o governo, porque torna ainda mais estreito o ínfimo espaço de manobra para se administrar o Orçamento — as verbas engessadas passam de 93% para 97% da peça orçamentária. O Senado, pelo menos, incluiu no projeto um escalonamento para a entrada em vigor da regra, e por isso a PEC voltou à Câmara.
A oposição faz um papelão ao se valer de chicanas para retardar o andamento da reforma. Demonstra grave alheamento à situação da economia, que ela mesma produziu, e, mais grave, volta as costas para os 13 milhões de desempregados que aguardam o PIB reagir e voltar a gerar empregos.
Espanta que outros partidos façam parte do jogo — daí o entendimento de que atuem como chantagistas. A situação reflete o nível indigesto em que o Legislativo se encontra agora, muito diferente de exemplos dados nos Estados Unidos, onde Democratas e Republicanos se unem em momentos de grave crise em que a estabilidade do país corre riscos. É a situação em que se encontra o Brasil.
Habitantes desta “Ilha da Fantasia”, deputados e senadores não veem os alertas que vêm sendo dados: as projeções semanais de analistas do mercado financeiro pela sétima vez consecutiva reduziram o crescimento da economia para este ano (chegou a 1,95%, depois de ter estado pouco acima de 2% há um mês); e o próprio indicador antecedente de evolução do PIB, do Banco Central, o IBC-Br, acaba de apontar que, em fevereiro, a economia se retraiu 0,73%, em relação a janeiro, o mesmo tendo acontecido em janeiro (menos 0,31%). O crescimento lento pode já ter se transformado em recessão.
É imperioso que o Congresso entenda que, sem uma confiança no futuro fiscal do Estado que só a proposta de uma reforma que economize R$ 1 trilhão em dez anos pode construir, os investimentos de que o Brasil necessita não serão feitos. O Congresso tem o dever, até patriótico, de aprovar esta modernização da Previdência.
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