O Ministério do Meio Ambiente quase soçobrou na reestruturação geral da Esplanada com que o presidente Jair Bolsonaro iniciou seu governo. De cara, ele perdeu o Serviço Florestal Brasileiro, responsável pelo Cadastro Ambiental Rural, para o Ministério da Agricultura, entregue a Tereza Cristina, ex-deputada e líder da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso. O novo ministro, Ricardo Salles, comportou-se desde o início de maneira incomum em Brasília - em geral, ministros buscam mais poder para suas pastas, mas Salles faz o contrário. Cumpre a divisa eleitoral do presidente, de tirar o Estado do "cangote" dos brasileiros.
Salles se filia ao ramo "duro" do bolsonarismo, como o ex-ministro Ricardo Vélez e o chanceler Ernesto Araújo. Uma de suas missões, encomendadas pelo presidente, é acabar na sua área com a "indústria de multas". A cruzada contra essa "indústria" nada tem de quixotesca, embora o Ibama arrecade fatia irrisória das multas que aplica, porque quase ninguém as paga. Ela já vitimou em 2012 o deputado Jair Bolsonaro, por pescar em área proibida em Angra dos Reis. Em dezembro, o Ibama do Rio arquivou o processo contra Bolsonaro. Para encerrar o assunto, o ministro mandou demitir José Augusto Morelli, que cumpriu seu dever e lavrou a multa ao agora presidente da República.
Salles, como Bolsonaro, critica, com razão, a grande morosidade dos licenciamentos ambientais. A solução proposta, da desregulamentação a caminho da autorregulação parcial, desloca o pêndulo da questão para o extremo oposto. Sem regulação eficaz e fiscalização ágil a devastação ambiental será maior do que é, e irrestrita. Só a presença ativa do Estado nas fronteiras agrícolas impedirá retrocesso na agenda ambiental. Há um tom exagerado e estridente sobre os problemas que o ministro enxerga, quando ele não os vê nos lugares errados.
Com tudo como está, e que pode e deve ser bastante melhorado, o campo brasileiro é um dos mais produtivos do mundo. Os custos de uma proteção ambiental enxuta, inteligente e efetiva podem ser sustentados pelos produtores. A regulação diligente, equilibrada, é do interesse do próprio setor rural, que verá os mercados mundiais se estreitarem no futuro se o cuidado ambiental não for preocupação constante nos próprios modos de produção.
A "perseguição" aos produtores não se esgota nas multas, na visão do ministro, mas se estende às restrições legais à exploração sem freios do campo. Salles defende plantio de soja transgênica em terras indígenas. Como secretário do Meio Ambiente no governo tucano paulista, Salles alterou planos de manejo de Área de Proteção Ambiental da Várzea do Tietê para permitir atividades industriais e de mineradoras. Por isso, foi condenado pela Justiça paulista por improbidade administrativa. A perigosa abertura de fronteiras antes proibidas deu temerário passo à frente com a autorização do Ibama, por determinação de Salles, para a inclusão na 16ª Rodada de Licitações de petróleo de sete áreas, várias próximas ao Parque Nacional dos Abrolhos, berçário das baleias jubarte e local do único banco de corais do Atlântico Sul. Permissão não significa autorização da exploração, mas abriu caminho para ela. Os técnicos do instituto apresentaram pareceres contrários, indicando sérias ameaças em quatro dessas áreas.
Desde o começo de sua jornada no governo, Salles escolheu as Ongs como alvo. Nos primeiros dias tentou suspender por 90 dias todos os convênios com essas organizações. Recentemente foi ao BNDES para vasculhar os repasses a elas do Fundo Amazônia. O ministro passou a buscar culpados na própria pasta em seguida. No fim de semana, após ouvir queixas de pescadores e produtores descontentes com restrições a suas atividades no Parque Nacional Lagoa do Peixe (RS), ameaçou exonerar funcionários da ICMBio que não compareceram ao encontro. Presente, o presidente do órgão, Adalberto Eberhard, por discordar, pediu demissão no dia seguinte.
Também no fim de semana, Bolsonaro esbravejou nas redes sociais contra ações do Ibama em Rondônia, que destruíram caminhões e tratores usados para desmatamento ilegal - atos amparados por lei. Corrigir exageros e aperfeiçoar instrumentos é muito diferente de dar sinal verde à destruição ambiental, como indica objetivamente o conjunto mais que eloquente de medidas tomadas. Falta equilíbrio e bom senso ao governo na questão ambiental.
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