quarta-feira, 17 de abril de 2019

Fábio Alves: É a política, estúpido!

- O Estado de S.Paulo

Analistas afirmam que a economia precisa de um novo choque de confiança

Após importantes instituições financeiras passarem a projetar um recuo no PIB do primeiro trimestre, ficou claro que as incertezas políticas, que contribuíram para um desempenho mais fraco da atividade em 2018, seguem afetando negativamente a confiança de empresários e consumidores e podem prejudicar ainda mais a já anêmica recuperação da economia em 2019.

O otimismo com a eleição de Jair Bolsonaro e a sua agenda de reformas, em particular a da Previdência, vem se dissipando com rapidez nas últimas semanas. Afastado o temor de uma vitória do candidato do PT nas eleições presidenciais de 2018, a expectativa era de que o capital político do novo presidente permitisse a aprovação da reforma da Previdência e, por tabela, o equilíbrio de longo prazo nas contas do governo.

O reflexo disso seria o aumento dos investimentos e do consumo, com geração de empregos, turbinando o crescimento do PIB. Todavia, as sucessivas crises nos três primeiros meses de mandato de Bolsonaro e a fraca articulação política com o Congresso levaram analistas e investidores a rever as projeções tanto em relação ao prazo de aprovação quanto aos valores da economia fiscal em dez anos da reforma da Previdência.

Contribuíram para esse sentimento o tiroteio verbal entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a palpável queda de braço entre o governo e os partidos que compõem o chamado Centrão. Assim, muitos analistas que previam uma aprovação do projeto na Câmara em agosto esperam agora que isso aconteça em setembro ou outubro.

Quem contava com uma diluição da proposta original da reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo governo, de R$ 1,1 trilhão em dez anos, para algo entre R$ 750 bilhões e R$ 850 bilhões, agora prevê uma economia fiscal mais próxima de R$ 500 bilhões a R$ 650 bilhões.

Na virada do ano, os analistas consultados pela pesquisa Focus, do Banco Central, previam expansão de 2,55% em 2019. Agora, essa previsão caiu para 1,95%. Conforme o Projeções Broadcast, a mediana das projeções de 30 instituições financeiras para o PIB em 2019 aponta crescimento de 1,80%.

É consenso que, nas próximas semanas, essa estimativa caminhe em direção a um crescimento do PIB de apenas 1,0% neste ano, especialmente agora que cresceu a probabilidade de recuo no PIB entre janeiro e março. Os bancos Itaú, Bradesco e Fator já esperam uma contração na economia no primeiro trimestre deste ano em comparação com os três meses anteriores.

"Qual a reação do universo político a esse resultado? Vai convencer Executivo e Legislativo que precisam se acertar o mais rápido possível para tocar a agenda de reformas ou vai criar, pelo contrário, um clima de maior animosidade, em que um empurra para o outro o peso e a responsabilidade desse desempenho mais fraco?", indaga um experiente economista paulista.

É preciso reconhecer que a fraqueza da economia no primeiro trimestre não reflete apenas fatores políticos. A atividade econômica no início deste ano já herdou um PIB pior do que o esperado de 2018, quando o crescimento foi de apenas 1,1%, em razão do impacto causado pela greve dos caminhoneiros e pelas incertezas com a eleição presidencial. Nos cálculos dos economistas da Porto Seguro Investimentos, sem os sucessivos choques de confiança causados pelos eventos acima, o PIB de 2018 teria crescido 1,8%.

Em razão do efeito estatístico, um PIB negativo no primeiro trimestre carregará para baixo o restante de 2019. Para o PIB atingir 1% de crescimento em 2019, a atividade precisará acelerar bem mais na segunda metade do ano.

Não à toa, mais analistas apostam em corte de juros pelo BC para estimular a atividade econômica. Mas se as incertezas políticas persistirem, com a tramitação demorada da reforma da Previdência, irão empresários desengavetar seus projetos de investimentos apenas com o corte da taxa Selic?

“A criação de um ambiente favorável ao crescimento exige previsibilidade e é fundamental que o governo faça progressos reais na agenda de reformas necessárias para destravar o crescimento”, diz a economista-chefe de um grande fundo de investimento. “Nesse âmbito, o BC tem pouco a fazer.”

O que a economia precisa é de novo choque de confiança. E nisso, a bola está com Bolsonaro e o Congresso - não com o BC.

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