- O Estado de S. Paulo
Os nossos trópicos, além de tristes, tornam-se campeões de desastres ecológicos
A chuva torrencial trouxe flagelos para toda a cidade do Rio de Janeiro, somando mais desgraças aos seus esquecidos traumas quando deixou de ser Corte, Capital Federal e Cidade-Estado para virar mais uma capital de um Estado deprimido, cujo governador bateu um recorde brasileiro (e certamente mundial) em matéria de patologia do saque da “coisa pública” por meio do abastardamento político.
Isso fez com que a “Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil”, se tingisse de uma corrupção difícil de ser dissipada. A chuva veio também desmascarar uma indústria imobiliária criminosa cuja ética é a ambiguidade malandra do “tirar vantagem de tudo”, ponto capital da lógica das nossas absurdas acumulações de poder com riqueza.
Em meio à tempestade, olhei para o céu apenas para vê-lo confundido com as montanhas e matas na densa neblina das águas que banhavam tudo como uma cascata. Amigo da claridade solar, a chuva me deprime quando liquida as mais humildes diferenciações entre calçadas e ruas. Além disso, sou perturbado pelas incuráveis goteiras. Esses vazamentos fora de hora e lugar, inevitáveis na minha casa e na minha vida.
Mas um dia depois do temporal, sou abençoado pelo sol e por uma cúpula azul como só o céu, onde moram os deuses e anjos, pode fabricar. Ao longo dos dias fui invadido por um sentimento positivo de vida toldado, entretanto, pelas consequências da triste reunião do imprevisto da água com o mais do que previsto não cumprimento de regras de moradia urbana causadora de horríveis desabamentos.
Mas foi-se a chuva com seus imprevistos, chega o sol com seu calor e sua luz e agora vamos cuidar de nossas mazelas.
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Como seres deste planeta, que ligação temos com suas condições meteorológicas quando – pelo menos nos trópicos – a chuva entristece o sol e o céu, que representam o bom e o belo? O que estaria agasalhado na oposição entre sol e chuva, seco e molhado, calor e frio, entre nós? Sou tentando a dizer que o molhado, o frio e a chuva vinda do céu trazem à tona pobreza, angústia e abuso da lei. E, de quebra, o medo bíblico do dilúvio e o castigo dos deuses, pois não é no céu que eles residem?
A chuva torrencial confirma a nossa mais brutal e constante desigualdade. O céu, que é divino, revela violentamente à população adjetivada como “povo” e “pobre” – esse conjunto de subcidadãos – como eles pagam aos “governos” católicos ou protestantes, de direita ou de esquerda, uma perene mais-valia absoluta. O populismo lavado pelas tempestades mostra o seu lado mais criminoso.
Um ponto de vista distanciado, porém, mostra como nós, humanos, temos com o planeta uma integral sintonia. Sintonia que hoje chega invertida devido a nossa brutal atuação sobre o planeta, descolando-o de nossas vidas, fazendo com que ele seja o causador de acontecimentos antes controlados por nós. Basta subir mais um grau na temperatura para fazer com que percamos o nosso mítico e bíblico controle sobre ele.
O retorno desse sol que banha o meu gabinete de trabalho, animando meu espírito, sinaliza o retorno de uma normalidade tropical. Pois se os trópicos são tristes enquanto sociedades e culturas – conforme decretou um mestre dos mestres, Claude Lévi-Strauss num livro extraordinário – eles seriam alegres em termos geográficos. Com inflação e corrupção, sem dúvida, mas sem nevascas, tornados e vulcões. Tudo isso que o Antropoceno põe de ponta-cabeça.
Hoje, o Sul se iguala ao Norte; e o Leste, o qual pessoas indesejáveis eram forçadas a visitar (no famoso “Vá pra China!!!”, pois a China, como a Coreia, era sinônimo de terra infernal), está virando Oeste. E os nossos trópicos, além de tristes, tornam-se campeões de desastres ecológicos. O mundo industrializado engloba a natureza como fonte de matéria-prima. A Mãe Terra, foi esquecida. No correr do seu assassinato, vira madrasta, ou um Deus que devolve nossas agressões.
Termino lembrando uma suposta lição: é preciso que a natureza mostre o seu lado mais terrível para que a natureza humana revele o seu lado mais generoso, pois o pior da natureza traz à tona o melhor da humanidade. E o que resulta do pior da humanidade?
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