- Folha de S. Paulo
Bolsonaro formou seu governo de olho no Twitter e cego para o Congresso
Em outubro do ano passado, um grande número de eleitores não sabia o que estava fazendo. Deram a vitória a um candidato presidencial que, desde a posse, dia sim, o outro também, faz o que não sabe.
Dure quanto durar no poder, ele já entrou para a história como primeiro chefe do governo nacional exercendo à perfeição o papel do proverbial cego guiando em zigue-zague seus cegos seguidores.
No percurso, atropela ministros, aliados, direitos constitucionais e, especialmente, as regras não escritas que regem o funcionamento do nosso presidencialismo de coalizão.
Nele, o presidente tem muitos poderes, mas não consegue governar sem uma base que lhe dê apoio seguro nas duas casas legislativas. E aquela não sai naturalmente do resultado das urnas. A formação da coalizão de governo é uma realidade inescapável.
O presidente constrói sua maioria negociando, com os partidos dispostos a lhe dar arrimo, posições no ministério ou em agências do governo e outras demandas que possam ter seus parlamentares ou apoiadores.
Aquela negociação é tão necessária quanto delicada e requer um presidente com liderança política, espírito aberto e muita capacidade para transigir. Qualidades que Fernando Henrique e Lula tinham de sobra e que faltam clamorosamente ao novo presidente.
Sem entender esse xadrez político, nem inteligência política para aprender, Bolsonaro formou o governo de olho no Twitter e de costas para o Congresso e este lhe está retribuindo.
O líder da “bancada da bala”, que se suporia integrante seguro do bolsonarismo de raiz, comparou a situação do presidente à de Dilma Rousseff em seu segundo mandato. “De cada dez deputados, oito reclamam e dois ficam quietinhos. Ninguém defende o governo”, disse ao jornal Valor.
Recentemente, a comissão do Congresso que analisou a MP 870 da reforma da estrutura do governo devolveu a Funai ao Ministério da Justiça e dele tirou o Coaf cobiçado pelo ministro Moro, enquanto a comissão mista criada para opinar sobre a MP que extingue a contribuição sindical trama fazê-la caducar, e a consultoria técnica do Senado aponta inconstitucionalidades no texto do decreto da permissão ampliada para o porte de armas.
São numerosas as vezes em que o presidente da Câmara tornou público o desconforto com os zigue-zagues do governo.
Há mais de duas décadas, o professor Octavio Amorim Filho (FGV-RJ) mostrou que governos nos quais ministros eram individualmente cooptados, sem refletir a distribuição de forças no Congresso, resultaram em crises fatais. Seus exemplos: Jânio Quadros, João Goulart e Collor de Melo.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida,professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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