- Valor Econômico
Fraca demanda está inibindo investimentos das empresas
"É preciso promover regras fiscais que protejam o investimento público." A mensagem foi dada recentemente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no estudo "Melhores gastos para melhores vidas".
O assessor sênior do departamento de pesquisa do BID, Alejandro Izquierdo, citou o caso do Peru, no qual a regra fiscal vigente define que os gastos correntes devem se expandir a um ritmo de no máximo 1% abaixo do crescimento econômico. Aquele país também conta com uma regra de teto de gastos geral, que permite expansão de 1% acima do crescimento de longo prazo para todas as despesas. A combinação ao longo do tempo em tese cria espaço para mais investimentos.
O modelo peruano parece ser um caminho interessante para o Brasil refletir. Afinal, por aqui, a despeito da profusão de regras fiscais (teto de gastos, meta de resultado primário e regra de ouro), o país não só tem sido incapaz de reverter os elevados e repetidos déficits, mas também tem dizimado os investimentos.
O estudo mostra ainda que os gastos públicos em capital - que se traduzem em itens fundamentais como estradas - no Brasil passaram de 29,5% das despesas primárias em 1993 para 5,7% em 2015. O fenômeno ocorrido aqui, deve-se mencionar, ocorreu em vários países em desenvolvimento e com o mesmo efeito negativo.
Segundo o BID, o multiplicador do investimento público chega a 2, ou seja, cada R$ 1 investido pode gerar R$ 2 a mais de PIB. Esse efeito é dez vezes maior ao gerado pelos gastos comuns do governo. Ou seja, o governo investir traz bom retorno para a economia.
A realidade, porém, é que o quadro do investimento público brasileiro tornou-se ainda mais dramático nos anos posteriores aos capturados pela pesquisa. Os números do Tesouro mostram que a rubrica representou apenas 3,9% da despesa primária em 2018. E, neste ano, só considerando o Orçamento, ficaria em torno de 2,5%. Com os cortes já feitos e que serão ampliados, há chances de ficar abaixo de míseros 2% da despesa.
Nesse ambiente, não é de se espantar o país viver a mais lenta recuperação de um período pós-recessão, apesar de a atual gestão apontar o dedo exclusivamente para a alta geral e persistente dos gastos públicos nas últimas décadas.
É evidente que a atual fraqueza dos investimentos públicos está diretamente relacionada à crise fiscal. Ainda assim, preocupa o fato de o governo demonstrar pouco interesse em buscar soluções mais rápidas para a questão. A estratégia é puramente tentar deslanchar as concessões ao setor privado, tarefa nada trivial, e apostar na reforma da Previdência para melhorar o balanço fiscal. Não está errado, mas é insuficiente para as necessidades do país.
O incômodo com a inação governamental se torna ainda maior com a crescente deterioração das expectativas de crescimento. Após o pífio IBC-Br (indicador que visa antecipar o PIB), a possibilidade de recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda do PIB) já entrou no radar, reforçando a espiral negativa por meio do canal das expectativas.
A atual equipe econômica não gosta da ideia de fomentar a demanda. Não descarta algumas medidas, mas, segundo uma fonte, olha cuidadosamente o momento para fazer isso e sem impacto nas contas públicas. Um dos temores é que, diante da elevada incerteza, as ações sejam ineficazes. Além disso, a leitura é que, diante da falta de espaço fiscal e sem aprovação da reforma da Previdência, usar o governo para tentar ativar a demanda não seria "crível" e poderia ter efeito reverso. "Sem reforma, o cenário é muito ruim e não dá para se pensar em algum impulso por parte do governo", disse a fonte.
De qualquer forma, a realidade é que o conjunto de regras fiscais hoje de fato penaliza os investimentos públicos e a capacidade de o governo agir. E está sendo incapaz de colocar as contas do governo em ordem. "Nenhuma das regras hoje resolve o problema fiscal, que depende da reforma da Previdência e de uma solução para o gasto com pessoal. E elas estão gerando um resultado ruim porque os investimentos públicos não estão sendo compensados pelos privados", comenta o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Manoel Pires.
Ele lembra que, apesar de o teto conter a despesa, hoje é a meta fiscal, com a falta de vigor da economia e a frustração de receitas, que a está empurrando para níveis muito baixos. E a regra de ouro (a única desenhada para proteger investimentos) está tão disfuncional que corre o risco de paralisar o país no segundo semestre, se não houver crédito aprovado pelo Congresso.
De fato, está difícil perceber que o prometido "crowding in" (a entrada da iniciativa privada no lugar do setor público) esteja acontecendo, a despeito dos últimos anos de ajuste. A sensação é que o exagero no torniquete fiscal arrefece ainda mais a economia, ajudando a piorar a popularidade presidencial e elevando a turbulência no Congresso, que já sofre com a fraca articulação política do Planalto e ameaça a necessária reforma da Previdência.
Pesquisa recente encomendada pelo BTG mostra que a fraqueza da demanda já é o principal fator a inibir investimentos das empresas privadas atualmente. A incerteza política vem depois.
Por isso, mesmo pregando um Estado menor (tese que venceu as eleições, deve-se aceitar), a equipe econômica deveria pensar em alguma solução para a demanda deprimida. Se é complexo neste momento de foco na reforma da Previdência fazer uma ampla revisão de regras fiscais para liberar investimentos sem descontrolar os demais gastos, um caminho que poderia ser ao menos considerado seria repensar a meta fiscal de 2019. Revê-la diante da frustração de receitas evitaria a drástica contração em curso nos investimentos e seu efeito negativo na demanda. Mas não é uma decisão simples de se tomar.
O governo também deveria entregar mais rapidamente soluções "parafiscais" (que não afetam as contas públicas) para dar combustível à atividade.
A atual equipe econômica cita com frequência o passado para dizer que ações do lado da demanda dão errado e enfatiza a necessidade de se atuar pelo lado da oferta, melhorando as condições de crescimento no longo prazo. Esse princípio, contudo, não deve virar um dogmatismo estéril, que pode acabar matando a própria estratégia liberalizante de Paulo Guedes. Afinal, por quanto tempo a população e os políticos aguentarão decepções na economia e o alto desemprego?
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