O
grande derrotado desta eleição é Jair Bolsonaro. Publiquei essa frase aqui no
dia primeiro de novembro, com base em entrevista com o cientista político Jairo
Nicolau. Existem duas dimensões da derrota, a dele mesmo e a dos seus
candidatos. Por outro lado, existem as perdas diárias do Brasil com este
governo. Nessa última semana, Bolsonaro debochou do país, comemorou um evento
que envolvia a morte de um jovem, indicou o quanto quer interferir na Anvisa,
mostrou desprezo pela vida humana, e no fim de um dia de atitudes repulsivas
falou em guerra contra os Estados Unidos. Essa última fala é tão ridícula que
não merece ser analisada. O que o incomodou mesmo foi o fato de o senador
Flávio Bolsonaro ter sido denunciado.
O
grande projeto do presidente é ele mesmo e seus filhos. Ele é tão desagregador
que dispersou até as forças com as quais chegou ao poder, há dois anos. Brigou,
humilhou, traiu um grande número de aliados. Chegou a esta eleição sem partido.
A Aliança, legenda que tentou criar, foi, segundo definição de Jairo Nicolau,
“o maior desastre da história da formação dos partidos”. Os candidatos que
apoiou estão tendo um fraco desempenho e sua reprovação está subindo.
Eleição
municipal tem outra lógica, como ensinam os especialistas. Mas o bom desempenho
eleitoral de administradores que levaram a pandemia a sério revela que o eleitor
reprova o desprezo que o presidente demonstrou com os riscos da pandemia, que
vai do “e dai?” ao “país de maricas”.
O
argumento do cientista político Jairo Nicolau foi que Bolsonaro malbaratou seu
próprio capital político. “Ele perde para o que poderia ter sido” se tivesse
usado o impulso da sua eleição para organizar o seu campo político. Mas ele
perde também pela trajetória daqueles que apoiou nesta campanha. A
incompetência de Bolsonaro é um alívio, dado que seu projeto é obter vantagens
para ele e seus filhos, desmontar a ordem constitucional e iniciar outro ciclo
autoritário.
A
questão é que o Brasil na gestão Bolsonaro tem perdido demais. Perdido vidas,
tempo, rumo, inserção no mundo, valores civilizatórios, florestas, coesão
social. Nesses quase dois anos, o país retrocedeu e as instituições foram
fracas. Não defenderam o nosso patrimônio político. Como é possível que ele não
tenha enfrentado um processo de impeachment depois de ter, em plena pandemia,
realizado por sete domingos consecutivos manifestações antidemocráticas?
Atentou contra a saúde e a Constituição ao mesmo tempo, e qual foi a resposta?
Notas de repúdio e um processo no Supremo no qual ele não é o alvo, mas apenas
os financiadores dos atos. Bolsonaro foi para frente do quartel-general do
Exército e disse que as Forças Armadas estavam com ele. E qual foi a resposta?
Alguns generais, inclusive da ativa, e o ministro da Defesa estiveram com ele
na maioria desses atos. As Forças Armadas foram usadas como espantalho contra
seu próprio povo. E aceitaram. A declaração do general Edson Pujol foi um
alento na sexta-feira, mas com a nota de ontem voltou-se à ambiguidade.
Então,
sim, a última semana foi ruim para Jair Bolsonaro. Seu filho foi denunciado
pelo Ministério Público estadual, e nos Estados Unidos seu farol político foi
derrotado. Perdeu do Rio a Washington. Terá um desempenho pífio nas eleições. O
mais importante, contudo, é o que o país perde diariamente por ter um
presidente como Jair Bolsonaro. Ele mentiu quando disse que a vacina, desenvolvida
pela China e o Instituto Butantan, provoca “morte, invalidez e anomalia”, e não
foi cobrado por isso. A Anvisa teve que liberar o retorno dos testes, porque
ficou escandalosa a suspensão, mas Bolsonaro deu mais um passo na destruição da
credibilidade da Agência de Vigilância Sanitária indicando o coronel da
reserva Jorge Luiz Kormann para a diretoria do órgão. Ele é obviamente a pessoa
errada: sem notório saber, negacionista da ciência, divulgador de fake news,
autor da tentativa de manipular números da Covid. Não tenho esperança de que o
Senado o rejeite. O Congresso tem ajudado o presidente a desmontar instituições
confirmando todas as suas indicações desastrosas.
Uma eleição municipal tem muitos significados, mas claramente esta não fortalecerá o movimento que levou Bolsonaro ao poder. Entretanto, o triste balanço desses 22 meses e 15 dias é que Bolsonaro tem dilapidado o legado dos constituintes de 1988. E a resposta das instituições tem sido fraca diante do dimensão do risco.
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