O
caroço migrou para a elegibilidade do ex-presidente
O
ministro Edson Fachin sacudiu o coreto das autoridades anulando as sentenças de
Curitiba contra o ex-presidente Lula, devolvendo-lhe os direitos políticos.
Hoje, Lula pode ser candidato a presidente no ano que vem.
O
voto de Gilmar Mendes na Segunda Turma ilustrou a suspeição de Sergio Moro. Com
a decisão de Fachin, o caroço migrou para a elegibilidade de Lula e para o
previsível desconforto que isso provoca em quem o detesta. Numa frase: “Esse
não pode”.
Lula
poderá vir a ser condenado por um novo juiz, mas a sentença ficará com cheiro
de gol feito durante o replay.
O
“esse não pode” já custou caro ao Brasil. Em 1950, o jornalista Carlos Lacerda
escreveu:
—O
sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato. Candidato, não deve ser
eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução
para impedi-lo de governar.
Getúlio foi eleito, tomou posse, governou até agosto de 1954, matou-se e entrou na História. A revolução que Lacerda queria só veio dez anos depois.
Lacerda
tinha credenciais para vencer a eleição de 1965. Fazia um governo estelar no
falecido Estado da Guanabara, mas deveria disputar com o ex-presidente
Juscelino Kubitschek, que dera ao Brasil “50 anos em cinco”. Até os primeiros
meses de 1964, circulavam dois tipos de “esse não pode”. A esquerda não queria
uma vitória de Lacerda, e uma parte da direita não queria a volta de
Kubitschek.
Depois
da deposição de João Goulart, a base militar da nova ordem não admitia entregar
o poder a JK. Lacerda gostou da ideia, e o ex-presidente foi cassado. Por quê?
Corrupção. (A sinopse diária que a Central Intelligence Agency deu ao
presidente Lyndon Johnson no dia 13 de junho de 1964 contou que o presidente
Castello Branco via na proscrição de JK o caminho para um governo “democrático
e honesto”. Ele já havia dito que mostrar as provas “seria embaraçoso para a
Nação”.) Não era bem assim.
Dias
antes, fritando JK, o general Golbery do Couto e Silva, conselheiro de
Castello, dividiu uma folha de papel em colunas e listou as “vantagens” e
“desvantagens” da cassação de Juscelino Kubitschek. Intitulou-a com a
sinceridade que se dá aos papéis pessoais: “Motivação real — Impedir que JK,
fortalecido pela campanha contrária, enfrente a Revolução”. E, assim, Juscelino
foi banido da vida pública por dez anos. Quando ele morreu, num acidente de
estrada, seu funeral se transformou na maior manifestação popular ocorrida no
país desde 1968, quando as ruas foram esvaziadas pelo AI-5.
Sem
o “esse não pode”, em 1965 os eleitores brasileiros teriam votado em Lacerda ou
JK. Nunca na História republicana o Brasil teve dois candidatos tão
qualificados. Nem antes, nem depois. Passados os anos, nas duas turmas do “esse
não pode”, muita gente qualificada reconhecia que qualquer um dos dois teria
feito melhor do que se fez. (Lacerda, que defendeu a cassação de JK, dormiu preso
num jirau de quartel em dezembro de 1968 e tornou-se uma alma penada na
política nacional.)
O
“PT não” colocou Jair Bolsonaro na Presidência. Os eleitores podiam ter
colocado Geraldo Alckmin, Ciro Gomes ou João Amôedo, mas quem teve mais votos
foi o capitão.
Falta mais de um ano para a eleição do ano que vem. Bolsonaro quer um novo mandato, e as inscrições estão abertas.
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