quarta-feira, 10 de março de 2021

Zeina Latif - A equação é mais complexa

- O Globo

O mercado financeiro iniciou o ano sem a mesma empolgação observada ao longo de 2020. Não sem razão. O sentimento resulta dos vários fatores que, conjuntamente, afastam as chances de recuperação da economia este ano - da grave crise na saúde à ausência de plano de ajuste fiscal.

Como se isso não bastasse, os ruídos causados pelo governo estão mais frequentes. Não era incomum o presidente recuar em manifestações mal recebidas pelo mercado financeiro e acenar com pautas reformistas. Seus recuos, porém, estão cada vez mais tímidos, frustrando investidores que anseiam por ações mais concretas.

É o caso do episódio de intervenção na Petrobras. É verdade que, desde então, Bolsonaro suavizou seu discurso e não reagiu aos dois ajustes de preços de combustíveis. O estrago está feito, no entanto. Foi-se a confiança do mercado.

Mal a fervura baixou, o presidente trabalhou para excluir o bolsa família da PEC Emergencial, segundo apurou a jornalista Adriana Fernandes, e recomendou preservar policiais do ajuste. Houve recuo, mas sem qualquer esforço para que a proposta trouxesse minimamente o esforço fiscal para o seu mandato.

Há ainda o silêncio diante das saídas de quadros importantes, como Wilson Ferreira Junior, da Eletrobras, e André Brandão, do Banco do Brasil.

O presidente segue testando limites. No equilíbrio entre, de um lado, ter ações visando a campanha eleitoral de 2022 e, de outro, acalmar investidores, acusados de pouco patriotas, a balança pende para medidas populistas e leniência com reformas. Assim, os preços de ativos se descolam ainda mais da dinâmica em países emergentes.

Agora mais um foco de tensão, desta vez causada pela invalidação das condenações de Lula. O evento expõe as fragilidades institucionais do País, afeta ainda mais a imagem no exterior, reforça a desconfiança de investidores e coloca no centro do palco o cenário de polarização nas eleições.

Em 2018, o mercado financeiro comprou a campanha bolsonarista, com a crença de que Paulo Guedes não só daria continuidade, mas também reforçaria a agenda econômica de Michel Temer. Os preços de ativos tiveram excelente desempenho naquele ano – a bolsa brasileira valorizou 15% enquanto as de emergentes recuaram.

 A julgar pela ausência de projeto de governo e a decepção de investidores, certamente não será esse o quadro em 2022.

Apesar de a disputa com Lula ser conveniente para Bolsonaro, pela elevada rejeição dos eleitores ao ex-presidente, sua reação ao comentar o episódio resume bem os riscos envolvidos. Depois de esboçar um discreto sorriso ao falar que foi surpreendido pela decisão de Edson Fachin, o presidente fechou o semblante e lamentou a reação dos mercados, mostrando que entende que o mau humor dos investidores prejudica a economia.

O dólar volátil e em alta pressiona os preços de combustíveis e de alimentos, bem como os de insumos, penalizando os consumidores e a indústria. De quebra, aumenta o desafio do Banco Central na condução da política monetária.

O ideal seria o BC poder contar com a mesma tranquilidade do seu par norte-americano, o Federal Reserve, para manter os juros baixos, dando o devido desconto à elevação da inflação, em parte temporária, enquanto aguarda a vacinação em massa e observa as consequências do fim dos estímulos fiscais e creditícios na economia.

Não será possível, porém. Provavelmente, a taxa Selic subirá precocemente, com o desemprego em alta, em função das tantas confusões que elevam as expectativas inflacionárias, que, por sua vez, ameaçam arranhar a credibilidade de um BC inerte.

A alta dos juros ocorrerá pela razão errada, para compensar erros do governo, e não porque a economia se recupera. Péssima notícia para o mercado de crédito, que daria sustentação à economia.

O cenário de polarização política tornou mais difícil conciliar a agenda populista com a tranquilidade dos mercados. O espaço para a irresponsabilidade fiscal diminuiu. E a depender da reação dos preços de ativos, será até contraproducente do ponto de vista eleitoral, pois dá-se um benefício com uma mão e tira-se com a outra, com inflação alta e paralisia da economia.

Será mais difícil repetir 2014, pois a economia está mais frágil – sem contar a maior vigilância dos órgãos de controle no respeito às regras fiscais.

Definitivamente, o Brasil não é para amadores.

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