Decisão
do ministro coloca Lula no jogo e antecipa campanha
Edson
Fachin, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que recolocou Luiz Inácio
Lula da Silva na lista de presidenciáveis com uma canetada, agiu olhando para o
legado da Lava-Jato, mas as consequências de seu ato já se percebem no
presente. Em relação ao futuro, será necessário aguardar para ver o quão
determinante terá sido para o resultado das eleições a sua decisão de cancelar
as condenações do ex-presidente.
Fachin
provocou uma catálise no processo de rearranjo político-partidário previsto
para o início do segundo semestre. A campanha presidencial de 2022, que já
vinha sendo caracterizada como uma das mais precoces da história contemporânea,
tende a antecipar-se ainda mais.
O
episódio dá dinamismo à pré-campanha. Mesmo sem um pré-candidato em campo, o PT
já formulava um programa antagônico à agenda liberal da equipe econômica e
ensaiava palavra de ordem capaz de contrapor o slogan do governo Jair
Bolsonaro: “A vacina acima de tudo.” Lula deixará a função de titereiro para
dominar o palco.
Bolsonaro, o maior interessado em reeditar o clima da disputa de 2018, ainda observa os eventuais desdobramentos da decisão do magistrado. Precisará equilibrar-se na tênue linha que divide o que seus apoiadores esperam ouvir e o que pode dizer o chefe do Executivo sem criar atritos com outro Poder.
O
episódio também coloca sob pressão aqueles que esperam personificar uma
terceira via. Entre eles, Ciro Gomes (PDT), que tem se mantido aquecido neste
período de pré-campanha.
Meses
atrás, esse espaço até poderia ser disputado pelo ex-ministro Sergio Moro, mas
o ex-juiz da Lava-Jato é justamente o principal derrotado, do ponto de vista
eleitoral, da decisão de Fachin. Sobra, portanto, cada vez menos tempo para que
o apresentador Luciano Huck, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o
governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ou o ex-ministro da
Saúde Henrique Mandetta (DEM) se posicionem no jogo. Os tucanos, para não
ficarem a reboque, marcaram prévias para outubro.
Sob
a condição de não ter seu nome revelado, um especialista que sabe das coisas
assegurou: a decisão de Fachin não muda o pano de fundo que vinha sendo
construído e a eleição de 2022 será um embate de “imaginários negativos”, ou
seja, o antibolsonaro contra o antipetismo. Nesse contexto, ponderou o
experiente consultor, Bolsonaro sai perdendo, pois quem vem agora para o embate
é um Lula que o atual presidente da República não gostaria de enfrentar.
“Lula
está renovado e cheio de gás”, explicou. “É outro Lula perante o Bolsonaro, mas
não é outro Lula perante o Brasil”, acrescentou, referindo-se à grande
popularidade do petista e à aprovação de suas administrações por parcela
considerável da população.
Deve-se
lembrar, também, que ele poderá dizer aos quatro cantos que, mesmo perseguido,
não é mais um condenado. Seus adversários rebaterão afirmando que erros
procedimentais do processo ou a conduta das partes não anulam o fato de que os
governos do PT abrigaram diversos esquemas de corrupção. Com razão. O problema
de Bolsonaro, porém, é que sua campanha terá dificuldades de sustentar o
discurso anticorrupção de 2018.
“A
mansão adquirida pelo seu filho é uma casa de horror, um bolo de chocolate para
quem faz campanha política”, comentou essa fonte. “A questão ética não vai ser
decisiva como foi na última eleição. Misturou tudo.”
Então,
quem pode se beneficiar nessa conjuntura? Aquele que conseguir extrair o pior
dos dois oponentes e surfar na onda antibolsonaro e antipetista. O momento do
país também exige que os candidatos apresentem soluções para a crise. “Quem
oferecer uma saída pode se deslocar. Isso quer dizer uma campanha positiva, um
plano de governo e propostas para o país”, destacou. “É uma eleição de forças
negativas, como foi a de 2018. Normalmente, quando isso acontece o natural é
que se demonize a política. Agora, no entanto, é o contrário.”
Segundo
essa visão, o momento exige uma liderança capaz de aglutinar forças, combater a
pandemia e os efeitos da crise. Um cenário que pode ser desafiador para alguém
de fora da política tradicional.
Precipitada
a entrada de Lula na disputa, um dos principais desafios de Bolsonaro será
acelerar a consolidação de sua imagem no Nordeste. Um fator que poderá
dificultar essa entrada é a relação conflituosa que vem mantendo com
governadores. Por outro lado, o presidente tenta capturar bandeiras da
oposição, com a reformulação do Bolsa Família, inaugurações de obras da
transposição do rio São Francisco ou a ampliação do acesso à água.
Na
opinião desse especialista, sem novas ideias, dinheiro e boa gestão, resta ao
presidente aproximar-se das marcas de outros governos. “Ele provoca danos
cognitivos fortes não só no seu eleitorado, mas no público médio” com o vai e
vem de seu discurso e essa confusão narrativa, apontou a fonte. “Ele faz uma
subversão da linguagem e dos significados”, completou, citando como exemplo o
fato de se cogitar a entrada do presidente no Partido da Mulher Brasileira
(PMB). Em 2018, ele foi alvo de ampla campanha negativa do público feminino,
que levantou a "hashtag" #elenão. Sua filiação à sigla poderia lhe garantir
uma espécie de vacina contra estratégia semelhante.
Outra
notícia negativa para Bolsonaro é a capacidade de mobilização de Lula, num
momento em que o presidente corre o risco de ver crescer os panelaços ou até
mesmo movimentos de rua.
Ele pode insistir no discurso de que existe o risco de o Brasil virar uma Argentina ou uma Venezuela, se a esquerda voltar ao poder. No entanto, o exemplo de outro vizinho deveria gerar maiores preocupações, neste momento, no Palácio do Planalto: o presidente do Paraguai, aliado de Bolsonaro, tenta conter protestos e escapar de um processo de impeachment por suposta negligência no combate à covid-19. “O que existe não é um sentimento de letargia. É um acúmulo depressivo que vai ser vomitado uma hora”, concluiu o especialista. O acirramento do ambiente não ajudará o país a solucionar os seus problemas.
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