quarta-feira, 10 de março de 2021

“Lula pode desestabilizar Bolsonaro”, diz cientista político

Para cientista político Octavio Amorim, volta de ex-presidente ao jogo eleitoral desorganiza todos os adversários ao Planalto em 2022 e pode provocar debandada do Centrão

09/03/2021 

Por Cristian Klein - Valor Econômico

RIO - A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral - com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que anulou ontem as condenações ao petista na Lava-Jato - desequilibra todos os adversários do PT no tabuleiro da disputa à Presidência no próximo ano. Para o cientista político Octavio Amorim (FGV-Rio/Ebape), ao se tornar elegível novamente, Lula desorganiza tanto os concorrentes à esquerda, como o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), à extrema direita, como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quanto aqueles que articulam candidaturas pelo centro e pela centro-direita, entre eles o governador de São Paulo João Doria (PSDB), o apresentador de TV Luciano Huck (sem partido) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), a quem considera o mais promissor para furar a vislumbrada polarização entre petistas e bolsonaristas. A volta de Lula, aponta, tem também o condão de desarrumar o governo Bolsonaro, que pode dobrar a aposta no populismo e ter abalada a sustentação pelas elites financeiras.

Segundo Amorim, ainda resta espaço para o centro do espectro político se movimentar e lançar um nome competitivo para 2022, dada a alta rejeição a Lula e PT e a Bolsonaro. O problema é a falta de tempo e de lastro partidário, o que favorece os adversários já estabelecidos, afirma. Em sua opinião, Lula e PT agora têm “um bom domínio sobre o jogo”, com muitas cartas na manga. Longe de se anunciar imediatamente como pré-candidato, faz sentido para o ex-presidente e seu partido deixarem o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad circulando pelo país, como já vem fazendo, numa estratégia de atrapalhar os concorrentes. “Se o Haddad sumisse, seria a certeza de que o candidato é só o Lula. Mas para o PT o melhor jogo seria confundir os adversários”, diz.

Amorim afirma ainda que Lula poderia lançar uma “manobra tática brilhante” nos moldes do que ocorreu na Argentina, onde a ex-presidente Cristina Kirchner, com alta rejeição no eleitorado, cedeu a cabeça de chapa ao menos conhecido e discreto correligionário Alberto Fernández, de quem foi vice, pelo Partido Justicialista.

“Lula pode surpreender. Afinal, na sua própria definição, é uma metamorfose ambulante. Tem uma personalidade bastante flexível ainda que em alguns momentos ele radicalize. Lula sempre foi esse animal político, cometeu enormes erros, mas também com grande flexibilidade tática”, afirma Octavio Amorim, que credita a analogia com o país vizinho ao colega e cientista político Christian Lynch (Iesp/Uerj).

Entre as possibilidades de composição estaria o próprio Haddad - derrotado por Bolsonaro no segundo turno em 2018 - e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). “Esta seria uma chapa fortíssima. Dino tem uma personalidade moderada, um discurso muito sensato que pode ser útil numa campanha presidencial em que as forças conservadores continuam sendo dominantes”, diz. Amorim parte do pressuposto de que, apesar da força eleitoral de Lula, o PT precisa fazer um movimento mais centrista, por duas razões.

Primeiro, porque desde 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, apontado como um golpe parlamentar, o PT teria se radicalizado, saindo da centro esquerda em direção à esquerda. Sinal do movimento teria sido a visita da presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffmann, à Venezuela, para a posse do presidente Nicolás Maduro, em janeiro de 2019. Isso teria sido reforçado pela prisão de Lula. “Desde sua prisão, Lula é um sujeito muito amargurado e ressentido”, diz Amorim, para quem uma mudança do partido para reverter o antipetismo deveria incluir uma declaração pública sobre o combate à corrupção.

O segundo ponto que justificaria a necessidade de moderação do PT, aponta o pesquisador, é a virada do eleitorado para a direita, cujo marco foi a ascensão de Bolsonaro e de seus apoiadores. “2022 é caudatário de 2018. O movimento geral de opinião ainda é em direção à direita. Tudo indica que o ciclo continuará”, afirma, lembrando que o fenômeno foi tratado no livro “O Brasil dobrou à direita”, do cientista político Jairo Nicolau (FGV/CPDOC).

Sem esse movimento ao centro, Amorim vê um cenário menos otimista para o PT. No entanto, diz, a tendência é que, dada a experiência política, Lula procure desestabilizar a base de apoio de Bolsonaro no Congresso, calcada no Centrão, bloco de partidos conhecidos pelo fisiologismo e pela procura de quem está com a expectativa de poder. “O que o Lula pode fazer para realmente desequilibrar o Bolsonaro é fazer com que alguns partidos do Centrão comecem a balançar. É eles começarem a ver que as perspectivas do bolsonarismo começam a decair e, em algum tempo, vem um movimento de debandada em massa, como o Centrão faz em todo governo, se ele vai mal”, afirma.

Amorim diz que o próximo movimento de Lula deve ser o de “negociar com aqueles que até recentemente ele costumava chamar de golpistas, o pessoal que votou para derrubar a Dilma”. “Imagine o Lula aparecendo com o Renan Calheiros (MDB), novamente, em Alagoas. Isso vai gerar muita tensão dentro do Centrão e dentro da base do governo. E isso Lula sabe fazer muito bem”, diz.

Por outro lado, pontua Amorim, “o jogo político está muito aberto” já que não existe um padrão de competição político tão fechado como era entre PT versus PSDB. “Isso acabou. E o bolsonarismo, por conta de sua natureza, não se constituiu em algo sólido, muito pelo contrário. O bolsonarismo é de uma volatilidade impressionante. Não tem partido ainda. Acredita radicalmente em mídia social. Mídia social é bom para você fazer oposição; agora, para governar, como se sabe, não é tão fácil assim. Precisa de organização, de quadros e de apoio de uma maioria parlamentar”.

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