09/03/2021
Por
Cristian Klein - Valor Econômico
RIO
- A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral - com a
decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que anulou
ontem as condenações ao petista na Lava-Jato - desequilibra todos os
adversários do PT no tabuleiro da disputa à Presidência no próximo ano. Para o
cientista político Octavio Amorim (FGV-Rio/Ebape), ao se tornar elegível
novamente, Lula desorganiza tanto os concorrentes à esquerda, como o
ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), à extrema direita, como o presidente
Jair Bolsonaro (sem partido), quanto aqueles que articulam candidaturas pelo
centro e pela centro-direita, entre eles o governador de São Paulo João Doria
(PSDB), o apresentador de TV Luciano Huck (sem partido) e o ex-ministro da
Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), a quem considera o mais promissor para
furar a vislumbrada polarização entre petistas e bolsonaristas. A volta de
Lula, aponta, tem também o condão de desarrumar o governo Bolsonaro, que pode
dobrar a aposta no populismo e ter abalada a sustentação pelas elites
financeiras.
Segundo Amorim, ainda resta espaço para o centro do espectro político se movimentar e lançar um nome competitivo para 2022, dada a alta rejeição a Lula e PT e a Bolsonaro. O problema é a falta de tempo e de lastro partidário, o que favorece os adversários já estabelecidos, afirma. Em sua opinião, Lula e PT agora têm “um bom domínio sobre o jogo”, com muitas cartas na manga. Longe de se anunciar imediatamente como pré-candidato, faz sentido para o ex-presidente e seu partido deixarem o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad circulando pelo país, como já vem fazendo, numa estratégia de atrapalhar os concorrentes. “Se o Haddad sumisse, seria a certeza de que o candidato é só o Lula. Mas para o PT o melhor jogo seria confundir os adversários”, diz.
Amorim
afirma ainda que Lula poderia lançar uma “manobra tática brilhante” nos moldes
do que ocorreu na Argentina, onde a ex-presidente Cristina Kirchner, com alta
rejeição no eleitorado, cedeu a cabeça de chapa ao menos conhecido e discreto
correligionário Alberto Fernández, de quem foi vice, pelo Partido
Justicialista.
“Lula
pode surpreender. Afinal, na sua própria definição, é uma metamorfose
ambulante. Tem uma personalidade bastante flexível ainda que em alguns momentos
ele radicalize. Lula sempre foi esse animal político, cometeu enormes erros,
mas também com grande flexibilidade tática”, afirma Octavio Amorim, que credita
a analogia com o país vizinho ao colega e cientista político Christian Lynch
(Iesp/Uerj).
Entre
as possibilidades de composição estaria o próprio Haddad - derrotado por
Bolsonaro no segundo turno em 2018 - e o governador do Maranhão, Flávio Dino
(PCdoB). “Esta seria uma chapa fortíssima. Dino tem uma personalidade moderada,
um discurso muito sensato que pode ser útil numa campanha presidencial em que
as forças conservadores continuam sendo dominantes”, diz. Amorim parte do
pressuposto de que, apesar da força eleitoral de Lula, o PT precisa fazer um
movimento mais centrista, por duas razões.
Primeiro,
porque desde 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, apontado
como um golpe parlamentar, o PT teria se radicalizado, saindo da centro
esquerda em direção à esquerda. Sinal do movimento teria sido a visita da
presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffmann, à Venezuela, para a
posse do presidente Nicolás Maduro, em janeiro de 2019. Isso teria sido
reforçado pela prisão de Lula. “Desde sua prisão, Lula é um sujeito muito
amargurado e ressentido”, diz Amorim, para quem uma mudança do partido para
reverter o antipetismo deveria incluir uma declaração pública sobre o combate à
corrupção.
O
segundo ponto que justificaria a necessidade de moderação do PT, aponta o
pesquisador, é a virada do eleitorado para a direita, cujo marco foi a ascensão
de Bolsonaro e de seus apoiadores. “2022 é caudatário de 2018. O movimento
geral de opinião ainda é em direção à direita. Tudo indica que o ciclo
continuará”, afirma, lembrando que o fenômeno foi tratado no livro “O Brasil
dobrou à direita”, do cientista político Jairo Nicolau (FGV/CPDOC).
Sem
esse movimento ao centro, Amorim vê um cenário menos otimista para o PT. No
entanto, diz, a tendência é que, dada a experiência política, Lula procure
desestabilizar a base de apoio de Bolsonaro no Congresso, calcada no Centrão,
bloco de partidos conhecidos pelo fisiologismo e pela procura de quem está com
a expectativa de poder. “O que o Lula pode fazer para realmente desequilibrar o
Bolsonaro é fazer com que alguns partidos do Centrão comecem a balançar. É eles
começarem a ver que as perspectivas do bolsonarismo começam a decair e, em
algum tempo, vem um movimento de debandada em massa, como o Centrão faz em todo
governo, se ele vai mal”, afirma.
Amorim
diz que o próximo movimento de Lula deve ser o de “negociar com aqueles que até
recentemente ele costumava chamar de golpistas, o pessoal que votou para
derrubar a Dilma”. “Imagine o Lula aparecendo com o Renan Calheiros (MDB),
novamente, em Alagoas. Isso vai gerar muita tensão dentro do Centrão e dentro
da base do governo. E isso Lula sabe fazer muito bem”, diz.
Por outro lado, pontua Amorim, “o jogo político está muito aberto” já que não existe um padrão de competição político tão fechado como era entre PT versus PSDB. “Isso acabou. E o bolsonarismo, por conta de sua natureza, não se constituiu em algo sólido, muito pelo contrário. O bolsonarismo é de uma volatilidade impressionante. Não tem partido ainda. Acredita radicalmente em mídia social. Mídia social é bom para você fazer oposição; agora, para governar, como se sabe, não é tão fácil assim. Precisa de organização, de quadros e de apoio de uma maioria parlamentar”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário