EDITORIAIS
Verdade
alternativa
O
Estado de S. Paulo
Após a quarta semana de depoimentos à CPI da Pandemia, já está claro que a comissão está sendo explorada pelo presidente Jair Bolsonaro e seus sequazes para propagar mentiras e distorções explícitas como se fossem versões legítimas dos fatos. Essa estratégia – que é usada pelos bolsonaristas desde que o presidente tomou posse e foi largamente responsável pela eleição de Bolsonaro – tem o objetivo óbvio de causar confusão, mas vai além: presta-se a reduzir a realidade dos fatos a uma questão de opinião.
Ouvida
na terça-feira passada, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da
Educação em Saúde do Ministério da Saúde, seguiu rigorosamente o protocolo
bolsonarista. Para defender o uso de cloroquina para doentes de covid-19,
amplamente rejeitado por inúmeros estudos científicos, a secretária citou
pesquisas já desmoralizadas por especialistas.
Na
ofensiva bolsonarista contra a verdade, contudo, pouco importa a qualidade das
pesquisas mencionadas pela secretária Mayra. O efeito esperado é obtido quando
essas pesquisas são mencionadas com ar de autoridade científica. O ônus de
provar que tais estudos não valem nada é de quem está de fato buscando a
verdade. Mesmo que a farsa seja exposta, o estrago no debate público já está
feito, pois a impostura, uma vez criada, ganha vida própria e passa a ser
repetida como se fosse verdade, especialmente nas redes sociais.
Ademais, e isso talvez seja o mais importante, a artimanha bolsonarista busca conferir à mentira a característica de opinião fundamentada, tão válida quanto qualquer outra. Aqueles que denunciam a fraude – sobretudo cientistas e jornalistas – são imediatamente apontados como opositores do presidente Bolsonaro e, por isso, caracterizados como inimigos do País.
Na
CPI da Pandemia, os senadores da “tropa de choque” do governo fazem sua parte
nesse embuste. De maneira constrangedora, apresentam dados distorcidos ou
simplesmente falsos, escoram-se em trabalhos pseudocientíficos e tratam como
autênticas as teorias que circulam no esgoto das redes sociais bolsonaristas.
Esses
parlamentares não se constrangeram nem mesmo diante das muitas evidências
expostas pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, em sua oitiva. As
informações trazidas por Dimas Covas, todas comprovadas por documentos,
ajudaram a reconstituir em detalhes a imensa irresponsabilidade do governo
Bolsonaro ao menosprezar a vacina contra a covid-19 produzida pelo Butantan. A
conclusão do diretor do instituto foi cristalina: o Brasil poderia ter hoje 100
milhões de doses da vacina do Butantan, em vez dos atuais 47,2 milhões, se o
governo Bolsonaro tivesse se interessado pelo imunizante quando este foi
oferecido, em outubro de 2020.
Como
todos sabem, foi em outubro que o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello,
numa reunião com governadores, anunciou a aquisição da vacina do Butantan. Um
compromisso chegou a ser formalizado. Mas, logo depois, Bolsonaro desautorizou
publicamente seu ministro, dizendo que já havia mandado suspender o acordo: “Já
mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”.
Completou dizendo que os brasileiros não seriam “cobaias” da “vacina chinesa do
Doria”, em referência ao governador de São Paulo, João Doria, que o presidente
trata como inimigo visceral.
Em
seu depoimento à CPI, o ex-ministro Pazuello, fiel ao negacionismo
bolsonarista, disse que jamais recebeu ordem para cancelar nada e atribuiu as
declarações do presidente a “coisa de internet”. No entanto, como demonstrou o
diretor do Butantan, “é notório que houve uma inflexão” a partir daquele
momento, e o contrato para as vacinas só foi assinado em fevereiro.
Cada
evidência demonstrada por Dimas Covas era contraposta pelos senadores
governistas com informações fictícias ou deturpadas. O objetivo, claro, não era
apenas desmentir o cientista, mas oferecer ao País uma “verdade alternativa”,
aquela ditada pelo bolsonarismo – e nada melhor do que uma CPI com imensa
atenção nacional para divulgá-la. Cabe a quem preza a verdade dos fatos impedir
que esse ardil prospere.
Perigosa pretensão de investigar
O
Estado de S. Paulo
Há na Câmara dos Deputados uma comissão especial para a reforma do Código de Processo Penal (CPP). Apresentado em 2009 pelo senador José Sarney (MDB-AP), o projeto de lei tramita desde 2010 na Câmara. Em abril deste ano, o deputado João Campos (Republicanos-GO), relator do projeto (PL 8.045/2010), apresentou um texto substitutivo.
A
reforma do CPP é um assunto complexo, com muitos desdobramentos. Entre mais de
800 artigos do substitutivo, um tema tem, no entanto, ganhado particular
destaque, em razão da reação de membros do Ministério Público. O art. 19, que
dispõe sobre o inquérito policial, tem sido qualificado de retrocesso por
associações de procuradores.
“As
funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, exceto as
militares, serão exercidas pelas polícias civil e federal, no território de
suas respectivas circunscrições”, diz o caput do art. 19. E o
parágrafo terceiro assim dispõe: “O Ministério Público poderá promover a
investigação criminal quando houver fundado risco de ineficácia da elucidação
dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político”.
Segundo
a crítica de procuradores, esse texto limita indevidamente a atuação do
Ministério Público, ao condicionar o seu poder investigatório às situações em
que “houver fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia”.
Observa-se, assim, a pretensão do Ministério Público de dispor de um poder
incondicional para investigar na seara penal.
Em
primeiro lugar, a Constituição de 1988 conferiu amplos poderes ao Ministério
Público. No entanto, entre essas atribuições não está a competência de
investigar crimes. Essa tarefa é reservada às Polícias Civil e Federal, em
razão da separação – própria do sistema acusatório – das funções de investigar,
acusar e julgar. O art. 19 do substitutivo do PL 8.045/2010 não representa,
portanto, nenhuma afronta ao delineamento institucional que a Constituição de
1988 deu ao Ministério Público.
Em
segundo lugar, a autorização que, em 2015, o Supremo, por 7 votos a 4, deu ao
Ministério Público para realizar investigações criminais não significa um poder
incondicional. Além disso, por óbvio, a decisão – a nosso ver equivocada – do
Supremo não proíbe que o Congresso regule de forma mais precisa o tema.
Na
decisão, o Supremo lembrou que o Ministério Público poderia investigar desde
que “respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a
qualquer pessoa investigada pelo Estado, observadas, sempre, por seus agentes,
as hipóteses de reserva de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais
de que se acham investidos, em nosso País, os advogados”. Num regime que
respeita as liberdades, não há poderes incondicionais.
Em
terceiro lugar, um poder investigatório arbitrário contradiz a própria noção de
Estado Democrático de Direito. Além de ser uma perigosa mistura entre as
funções de investigar e acusar, atribuir poder investigatório ao Ministério
Público significa dar aos procuradores uma discricionariedade incompatível com
os princípios republicanos.
Trata-se
de um problema grave, que merece atenção. Uma vez que o Ministério Público não
tem a obrigação de investigar – esse dever compete às Polícias Civil e Federal
–, os procuradores podem escolher os casos que vão investigar e os casos que
deixarão de lado. Com isso, o Ministério Público fica investido de um poder
discricionário que desrespeita as garantias básicas do regime democrático.
É
o que se vê hoje em dia. Diante de uma série de indícios, o Ministério Público
– sem controle externo e sem transparência – escolhe o que deseja investigar.
Essa arbitrariedade pode ser ocasião de perseguições, como também de perigosas
omissões. No Estado Democrático de Direito, a decisão de investigar não pode
ser fruto de mero arbítrio, sem critério e sem controle.
A
fixação de critérios para o poder de investigar não é uma questão de disputa
corporativa entre Ministério Público e polícias, como às vezes equivocadamente
se diz. É sinal de cuidado com a ordem jurídica e as garantias constitucionais.
O
Estado de S. Paulo
Com bons preços no mercado internacional, o agronegócio e a mineração continuam garantindo a segurança das contas externas do País, com a ajuda preciosa, é claro, do vigoroso mercado chinês, principal destino das exportações brasileiras. Com US$ 82,74 bilhões vendidos ao exterior, 24,93% mais que um ano antes, o Brasil fechou os primeiros quatro meses com superávit comercial de US$ 5,48 bilhões, 35% maior que o de janeiro a abril de 2020. Isso ajudou a reduzir o buraco nas transações correntes no quadrimestre de US$ 21,40 bilhões para US$ 9,72 bilhões, mantendo-o facilmente financiável com o investimento direto estrangeiro, segundo o Banco Central (BC).
Quem
nunca testemunhou uma crise cambial – balanço de pagamentos esburacado, dólar
escasso e pressão de credores de fora – dificilmente poderá avaliar a
importância econômica e principalmente social desse tipo de segurança. Mesmo
sem risco próximo e com reservas de US$ 351 bilhões, mais que suficientes nas
condições atuais, é preciso continuar cuidando, sem desleixo, da inserção do
Brasil no sistema internacional.
Isso
inclui relações civilizadas com todo o mercado, valorização das instâncias
multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio, e atenção a condições
cada vez mais importantes para as decisões de negócios, como a preservação
ambiental. Com frequência, o governo brasileiro tem violado essas normas de bom
senso, expondo o País ao risco de restrições comerciais e financeiras. Em
relação à China, graves erros diplomáticos criaram perigo para a saúde pública,
afetando o ritmo de liberação de insumos para vacinas contra o coronavírus. Não
pode haver dúvida quanto ao sentido político do atraso na liberação de
ingredientes chineses prontos para embarque.
Apesar
dos erros do governo, as exportações do agronegócio e da indústria mineral
mantêm superavitário o comércio de bens, principal fonte de segurança cambial.
Os outros itens das transações correntes continuam deficitários, embora com
menor desequilíbrio que no ano passado. Na conta de serviços o buraco acumulado
de janeiro a abril diminuiu de US$ 7,60 bilhões em 2020 para US$ 4,78 bilhões
em 2021. Isso se explica em boa parte pela contração econômica e pelos cuidados
sanitários, com déficits menores em transportes, seguros, viagens e aluguel de
equipamentos. O mesmo efeito aparece na conta de rendas primárias, com forte
redução, por exemplo, da remessa de ganhos com investimentos diretos (de US$
13,52 bilhões para US$ 5,77 bilhões).
O
investimento direto no primeiro quadrimestre, de US$ 21,40 bilhões, foi bem
maior que o de janeiro a abril de 2020 (US$ 14,25 bilhões), mas este valor refletiu
claramente o impacto inicial da pandemia nas decisões econômicas em todo o
mundo. O investimento direto contabilizado em 12 meses, no valor de US$ 41,17
bilhões, continuou cobrindo com muita folga o déficit em transações correntes
(US$ 12,39 bilhões). Pela primeira vez em seis meses esse valor superou a casa
de US$ 39 bilhões.
Apesar
disso, continuou muito abaixo do padrão dos últimos dez anos. Em julho do ano
passado, o ingresso líquido desse tipo de aplicação ainda chegou a US$ 63,03
bilhões. Só a partir de agosto os valores ficaram abaixo de US$ 60 bilhões.
Entre 2013 e 2019, os totais acumulados em 12 meses quase sempre superaram US$
70 bilhões.
Investimentos
diretos são aplicações de longo prazo, destinadas ao sistema empresarial. São
recursos menos especulativos que aqueles aplicados no mercado de papéis e,
portanto, especialmente relevantes para o crescimento. São também um indicador
de como os investidores estrangeiros avaliam as possibilidades e perspectivas
do País. Denotam, enfim, sua disposição de se associar ao processo econômico
brasileiro, participando das oportunidades e riscos. O valor líquido recebido
em abril, de US$ 3,54 bilhões, foi menor que os contabilizados em fevereiro e
em março e inferior até ao registrado em julho de 2020 (US$ 3,95 bilhões).
Convém esperar mais um pouco, no entanto, para uma avaliação de tendência.
Era campanha
Folha de S. Paulo
É risível tese de que ato com Bolsonaro e
Pazuello não tinha caráter político
É um escárnio a tentativa do general
Eduardo Pazuello de caracterizar o desfile de motociclistas e a realização de
um comício em favor de Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, como atos
desprovidos de caráter político-partidário.
A argumentação do ex-ministro da Saúde,
endossada e repetida pelo presidente da República, é um expediente falacioso no
intuito de defender o oficial de punições por ter infringido regulamentos que
vetam o engajamento de militares da ativa em manifestações desse tipo.
A alegação de Bolsonaro de que o evento não
seria partidário devido ao fato de ele por ora não ser filiado a nenhuma sigla
é primário.
Pressionado por congressistas, em litígio
permanente com decisões do Supremo Tribunal Federal, vendo sua popularidade
perder terreno nas pesquisas, o chefe de Estado está em campanha aberta pela
reeleição.
O “passeio de moto” que promoveu no Rio e o
palanque do qual Pazuello saudou sua “galera” dispensam interpretações.
Trata-se de manifestação político-eleitoral.
Bolsonaro já viajou para 22 cidades
diferentes neste ano a fim de participar de solenidades —incluindo, na
quinta-feira (27), a inauguração de uma ponte de madeira em uma estrada de
terra em São Gabriel da Cachoeira (AM).
Se a mistura entre compromissos
presidenciais e atos eleitorais faz parte da paisagem política, a presença de
um militar da ativa em eventos do gênero não pode ter
sua gravidade subestimada.
Pazuello, que não se envergonhou em
proferir inverdades em série no depoimentos prestado à CPI da Covid,
personifica de modo caricatural aquilo que Bolsonaro insiste em chamar de “meu
Exército” em tom de intimidação.
Cumpre lembrar que apenas dois meses atrás
o governo flertou com a crise militar quando os comandantes das três Forças e o
ministro da Defesa deixaram seus postos, recusando-se a manifestar o
alinhamento desejado pelo presidente.
Infelizmente, a associação entre a caserna
e o governo de turno já ultrapassou os limites desejáveis, com mimos salariais
e a presença excessiva de fardados em cargos da administração federal.
O posicionamento de Bolsonaro e do
ex-ministro da Saúde com o propósito de negar as evidências cria mais uma
situação delicada para as Forças Armadas.
Caso o comando militar cumpra o regulamento
e puna o general, poderá criar um atrito com o presidente. Se optar pelo recuo,
o que seria lastimável, estará criando um precedente perigoso.
Folha de S. Paulo
Acusação a Toffoli é frágil, mas resposta
do STF poderia ter mais consistência
Sempre houve bons motivos para desconfiar
da espetaculosa delação premiada do ex-governador Sérgio Cabral, anulada por
decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal nesta
semana.
Condenado a mais de 300 anos de prisão por
corrupção e outros crimes, Cabral só conseguiu um acordo com a Polícia Federal
ao oferecer sua colaboração na xepa das delações, após o fracasso das
tratativas com o Ministério Público.
Segundo a Procuradoria-Geral da República,
o ex-governador contava histórias pela metade e estava mais interessado em
proteger aliados e salvar algo do patrimônio do que em cooperar com a Justiça.
Cabral incriminou até um integrante do STF,
o ministro Dias Toffoli. No entanto os procuradores consideraram os indícios que
apresentou insuficientes para justificar investigações e defenderam o
arquivamento de todos inquéritos que a PF pretendia abrir.
Toffoli foi acusado de favorecer dois
prefeitos do Rio de Janeiro em processos na Justiça Eleitoral, em troca de
dinheiro. O ex-governador só mencionou o assunto depois que o ministro arquivou
os primeiros pedidos de investigação trazidos pela polícia.
Em julgamento concluído na quinta (27), uma
maioria formada por 7 dos 11 integrantes do STF endossou os argumentos do
Ministério Público e encerrou todos os processos com origem na delação de
Cabral, livrando Toffoli e os demais acusados de complicações.
Entretanto, se as razões para descartar as
acusações de Cabral soaram persuasivas, o mesmo não se pode dizer da forma como
o tribunal tomou a decisão, infelizmente.
Ao anular a delação, os ministros colocaram
em dúvida a validade de um entendimento que eles mesmos haviam estabelecido em
2018 —o de que a Polícia Federal dispõe de poderes para celebrar acordos de
colaboração sem depender dos procuradores.
Causou ainda mais estranheza a participação
de Toffoli no julgamento, quando poderia ter se declarado impedido por causa
das implicações do caso. O inquérito que tratava dele já tinha sido arquivado,
mas um desfecho diferente no julgamento desta semana poderia até levar à sua
reabertura.
Esta foi a primeira vez que o STF se viu
confrontado com uma acusação de corrupção dirigida a um dos seus membros. Se as
alegações eram implausíveis como se concluiu, cabia à corte responder com a
maior consistência possível.
Não foi o que se viu, porém. Ao se
distanciar da jurisprudência firmada há três anos, o Supremo criou nova fonte
de incerteza jurídica.
O Enem está em risco graças à inépcia do MEC
O Globo
O MEC continua a ser, no primeiro escalão do governo, uma zona de instabilidade. Desde a posse de Jair Bolsonaro, passaram por lá três ministros. Milton Ribeiro é o quarto. Nesta semana, depois de apenas dois meses, saiu do cargo o coronel-aviador Alexandre Gomes da Silva, quinto diretor da área estratégica de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), a responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Embora Ribeiro diga que a prova do Enem,
porta de entrada em várias faculdades, ocorrerá entre outubro e novembro,
persiste a dúvida sobre a realização ainda este ano. O tempo está se esgotando
para deflagrar a operação de guerra necessária a aplicá-lo em todo o país. O
Enem 2020, realizado em janeiro de 2021 devido à pandemia, teve 5,7 milhões de
inscritos, menor número em dez anos. Muitos candidatos deixaram para fazer a
prova seguinte — agora não sabem quando terão a chance.
Ribeiro, pastor presbiteriano ligado ao
Mackenzie, assumiu o MEC com um estilo muito diferente dos antecessores Ricardo
Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub. Estes eram militantes barulhentos. O atual
ministro cumpre na surdina a agenda deletéria do governo para a educação. Uma
agenda que tem pouco a ver com melhorar o ensino — e muito com a ideologia e os
preconceitos dos que veem escolas e universidades como “antros” da esquerda.
Dessa agenda derivaram os cortes no
Orçamento discricionário do ministério, reduzido este ano a menos de 40% do que
era em 2018, prejudicando programas de inclusão digital e ensino à distância
cruciais na pandemia. Universidades federais estão à míngua.
Outro item da agenda é o aparelhamento do
Inep, responsável não apenas pelo Enem, mas por todo o arcabouço de indicadores
e políticas educacionais brasileiras. Logo no início do governo, foi instaurada
uma comissão de censura ideológica nas questões do Enem. A intervenção
explícita contribuiu para a debandada de quadros qualificados. Neste ano, foi
suspenso o grupo que buscava renovar o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb), principal indicador usado na gestão das escolas. Ao mesmo tempo,
Ribeiro nomeou, para chefiar a área de material didático, uma defensora do
criacionismo ligada ao movimento chamado, orwellianamente, Escola sem Partido.
O Enem vem sendo deixado a cargo de nomes sem
a menor competência para comandá-lo. O primeiro foi o economista Murilo
Resende, também apadrinhado pelo Escola sem Partido. Teve passagem relâmpago de
apenas dois dias no cargo. Caiu depois de chamar os professores de
“manipuladores” e “gente que não quer estudar”. O também economista Paulo César
Teixeira saiu com um mês de cargo. Em seguida foram chamados o
coordenador-geral de educação para o trânsito, um general da reserva que morreu
vítima da Covid-19 e, enfim, o coronel-aviador Gomes da Silva. Ninguém com
experiência sólida no ensino médio.
É muito provável que, em dois meses, Gomes
da Silva não tenha nem tido tempo para conhecer a área. Isso não preocupa o
governo, mais interessado em sua intervenção ideológica. Quem paga o preço são
os milhões de estudantes que se preparam para o Enem, as universidades e o
país, refém da ideologia e da incompetência.
Vacinação por idade pode acelerar campanha
e torná-la mais justa
O Globo
Quatro meses depois de iniciada a vacinação contra a Covid-19 no país, representantes do Ministério da Saúde, de estados e municípios decidiram alterar os critérios de imunização. Prefeituras que tiverem estoques disponíveis poderão vacinar por idade, concomitantemente aos grupos prioritários. A intenção é acelerar o ritmo e evitar desperdício — em muitos postos de saúde, no fim do dia sobram doses que acabam descartadas ou dão origem à “xepa da vacina”.
Trata-se de medida que já deveria ter sido
tomada, por ser mais racional. As falhas nos critérios do Plano Nacional de
Imunização (PNI) se tornaram evidentes. Não há dúvida de que os profissionais
de saúde na linha de frente do combate ao vírus e idosos devem ter prioridade
na vacinação. A partir daí, tudo fica nebuloso. As definições dos grupos
preferenciais nem sempre são feitas com base em critérios científicos. Ficam
expostas ao voluntarismo de políticos e à pressão de corporações.
No país do “você sabe com quem está
falando?”, das filas preferenciais e dos espaços VIPs, era quase inevitável que
a ordem de vacinação escorregasse para a injustiça. Não deu outra. O Ministério
da Saúde conseguiu encaixar nos “grupos prioritários” 80 milhões de pessoas,
mais de um terço da população brasileira — estima-se que só em setembro seria
concluída a imunização desse contingente. Por pressão do Planalto, entraram na
lista categorias como caminhoneiros e trabalhadores da indústria. Psicólogos,
nutricionistas, personal trainers e cargos em trabalho remoto também foram
agraciados.
Mesmo a preferência dada a portadores das
tais “comorbidades” é questionável. O critério é amplo demais. Muitos
brasileiros têm alguma doença preexistente que pode abrir portas na fila de
vacinação, embora não necessariamente implique risco maior de agravar a
Covid-19. Claro que foi a deixa para um festival de distorções. Como mostrou
reportagem do G1, em São Paulo a indústria de atestados médicos está a todo
vapor: “Vai uma comorbidade aí?”. Se o objetivo era alcançar a população sob
maior risco para protegê-la, condições de habitação ou local de trabalho talvez
tivessem sido critérios mais razoáveis.
A campanha contém doses maciças de
incoerência e injustiça. Há quem use nomes de mortos para se vacinar, gestores
que aproveitam para privilegiar parentes, amigos e a si próprios, profissionais
de saúde da retaguarda que correm para estender o braço como se atuassem na
linha de frente, policiais e bombeiros jovens que recebem as doses antes dos
idosos, e por aí vai.
É fato que, por negligência do governo, faltam vacinas. Mas um olhar atento mostra que o total aplicado é menor que o distribuído a estados e municípios. A defasagem resulta de critérios equivocados. Enquanto o país registra mais de 2 mil mortes por dia, vacinas sobram nos postos. Inaceitável. Até agora, vacinamos uns 20% com a primeira dose, 10% com as duas. Espera-se que a vacinação por idade, dos mais velhos aos mais jovens, simultânea à dos grupos prioritários, dê mais agilidade à campanha e a torne mais justa.
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