sábado, 29 de maio de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Rouba mas faz, de novo?

- O Globo

Quando se cita o mote, os mais jovens — e nem tão jovens assim — lembram Paulo Maluf.

Mas até isso Maluf pegou, digamos, de maneira indevida. O verdadeiro dono do “rouba mas faz” é Ademar de Barros, político dos anos 40 a 60, prefeito e governador de São Paulo, senador, candidato a presidente.

Ele mesmo espalhava as piadas a seu respeito. Nos comícios, dizia: “Neste bolso nunca entrou dinheiro roubado”. E a plateia, divertida: “Calça nova, governador”. Ele ria.

Também lançou o que poderia ser o lema da atual velha política: amigo meu não fica na estrada.

Era verdade. Ademar no governo, não tinha um ademarista que ficasse sem cargo público.

O folclore ficou para Ademar de Barros, mas a coisa se espalhava por todo o espectro político. O consenso tácito era o seguinte: todo mundo levava o seu, o importante é que abrisse estradas (ou construísse Brasília), oferecesse bons negócios públicos aos correligionários e nomeasse a turma.

O capitalismo de amigos sempre esteve na raiz da política brasileira. Até que foram apanhados o mensalão e o petrolão — mas que, vistos de hoje, parecem mesmo dois pontos fora da curva. Todo mundo está sendo perdoado nas instâncias judiciárias e políticas.

O STF vem cancelando condenações e devolvendo ao cenário político personagens que curtiram cana em anos recentes. Na política, não há melhor exemplo de anistia plena, geral e irrestrita do que o encontro entre Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Lula saiu de lá com o voto de FH e o passado limpo. Não precisou pedir desculpas pelos eternos ataques ao tucano (herança maldita, entreguista, neoliberal), pelos seguidos pedidos de impeachment que o PT entrava contra o governo FH, muito menos pelo mensalão e pelo petrolão.

Em resumo, Lula levou tudo e não entregou nada.

Digamos que FH tenha feito algumas ressalvas em privado. Mas isso não conta em política. Na sua única manifestação pública, Lula disse que, se fosse FH contra Bolsonaro, ele votaria no tucano.

Estão de gozação.

FH disse que ainda continua preferindo uma terceira via, mas tornou-a ainda mais difícil — se não a enterrou — ao anistiar Lula sem levar nada em troca.

Reparem no cenário político — ex-presidiários voltando ao comando, o Centrão nomeando e gastando, Bolsonaro ameaçando golpes e vendendo pedaços do Orçamento, os correligionários ocupando os cargos, a Lava-Jato destruída, os negócios de amigos só não voltam com tudo porque a economia ainda patina. Mas já se nota a ocupação de estatais e fundos de pensão pela turma do governo.

Eis o quadro: amigo meu não fica na estrada; ganhar 200 mil por mês do governo não tem nada demais; para os amigos, tudo, para os adversários, o rigor da lei. (Dizem que esta última era do Getúlio!) E Bolsonaro quer colocar os militares na roda.

Boa parte do mundo desenvolvido está saindo da pandemia e voltando a crescer. Há riscos pela frente, como a temida volta da inflação elevada, provocada pelo excesso de dinheiro que os governos gastaram e continuam gastando. Sim, era preciso apoiar pessoas e empresas na pandemia, mas, como já dizem alguns economistas, talvez tenham colocado água demais na bacia.

De todo modo, por aqui estamos longe de superar a pandemia. O nível de investimenbto público e privado está em torno de 15% do PIB, insuficiente para sustentar o crescimento. A reforma tributária foi cortada em fatias tão finas que nem se veem. É possível que o sistema piore com vários impostos e contribuições sobre as mesmas mercadorias e serviços.

Neste momento, a recuperação dos desenvolvidos está nos ajudando, via commodities e juros zerados pelo mundo afora. Mas, se lá subirem inflação e juros, teremos outra conta a pagar — num mau momento.

Capaz de piorar. Ficar no rouba e nem faz.

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