- O Estado de S. Paulo
Legislação opera como obstáculo à admissão
de trabalhadores. No Brasil a lei amedronta
“A
indiferença é feroz”
Viviane Forester
Não apenas no Brasil, mas em quase todo o mundo, o mercado de trabalho enfrenta perversa contradição: ao mesmo tempo que a sociedade se vê diante da necessidade da criação de milhões de empregos, outros tantos milhões são dizimados por irresistível avanço da informatização, da robotização, da inteligência artificial.
O problema ganhou corpo na década de 1970,
quando surgiram os primeiros escritores preocupados com o destino dos
empregados. É vasta a bibliografia sobre o assunto. Cito, entre os mais
difundidos, Administração
em Tempos Turbulentos, de Peter F. Drucker, A Informatização da Sociedade, de
Simon Nora e Alain Minc, O Fim
dos Empregos, de Jeremy Rifkin, O Horror Econômico, de Viviane Forrester, Europa, de Zygmunt Bauman, Um Mundo sem Empregos, de William
Bridges, A Sociedade Pós Industrial e
o Ócio Criativo, de Domênico De Masi.
O setor mais afetado é o operariado. Sobre
ele escreveu Peter Drucker, em capítulo que descreve a ascensão e o declínio da
classe operária: “E de repente, tudo acabou. Também não existe paralelo na
história para o abrupto declínio do operário durante os últimos 25 anos” (Administrando para o Futuro, Ed.
Pioneira, 1992, pág. 84).
Os números sobre o desemprego no Brasil são
assustadores. Abstenho-me de reproduzi-los. A culpa recai, mas apenas em parte,
sobre a pandemia do coronavírus. Registro, entretanto, que a taxa, que era de
11,6% no início de 2021, saltou para 14,4% no primeiro trimestre deste ano. “Em
um ano 8.126 milhões de trabalhadores perderam seus empregos” (Estado, 1.º/4,
B6).
Antes de buscarmos remédio para a insidiosa
chaga social, é necessário que se lhe faça correto diagnóstico. São diversos os
fatores de esvaziamento do mercado de trabalho. Em primeiro plano aponto a
globalização, provocando o desaparecimento dos fatores espaço e tempo. Povos
outrora distantes tornaram-se vizinhos. China, Coreia do Sul, Cingapura,
Tailândia, Taiwan estão aí ao lado e nos invadem com produtos industrializados.
O segundo fator de desemprego resulta do avanço acelerado da tecnologia. Automação, telefonia celular, informatização, robotização, drones, inteligência artificial, transações comerciais e operações bancárias pela internet, tudo isso opera no interior do mercado de trabalho para reduzi-lo, na busca incessante de eficiência e produtividade.
Para deter o desemprego estrutural ou
tecnológico a Constituição incluiu no artigo 7.º, que trata dos Direitos
Sociais, o inciso XXVII, cujo texto imagina ser possível “a proteção contra a
automação na forma da lei”.
Estamos diante de abestalhada tolice, que
nos remete ao século 18 e ao movimento ludista, contemporâneo da primeira
Revolução Industrial, quando o artesanato doméstico foi suprimido pela máquina
a vapor. Seria como se a solução fosse voltar ao corte braçal da
cana-de-açúcar, à fiação e tecelagem manuais, ao telefone de manivela, às
carroças, ao linotipo, à locomotiva a lenha.
Impedir a automação reverteria o Brasil ao
início do século passado e decretaria a quebra definitiva do sistema econômico.
Além da globalização e da informatização,
temos o clima de insegurança jurídica traduzido nas estatísticas da Justiça do
Trabalho, cujos números prefiro não comentar. O paradoxo que contamina o
mercado de trabalho resulta, portanto, da necessidade de criar empregos que
continuam sendo destruídos pela tecnologia da informação.
É correto dizer que o avanço tecnológico
cria empregos qualificados. Em menor número, porém, e além do alcance de jovens
desempregados e desocupados, de insuficiente formação profissional.
O problema do desemprego brasileiro tem
sido subestimado. Além das estatísticas do IBGE, há pouca coisa publicada. Na
esfera jurídica, é analisado sob a ótica da Consolidação das Leis do Trabalho.
Insiste-se na aprovação de leis e na ampliação de jurisprudência defensiva do
empregado com Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) anotada.
Permanecem esquecidos 6 milhões de desalentados que abandonaram a procura de
emprego no mercado formal, 24 milhões que trabalham por conta própria, 12
milhões de integrantes do mercado paralelo, 50 milhões de miseráveis.
Radicalizar a proteção contra
despedidas decorrentes da
necessidade de diminuir o número de empregados, provocadas pela crise, ou pelo
avanço da tecnologia, não trará solução para o drama de quem está desempregado,
desocupado, desalentado ou esquecido.
Devemos aceitar que a legislação
trabalhista opera, no Brasil vítima da pandemia, como obstáculo à admissão de
trabalhador com a CTPS assinada.
O possível empregador receia contratar por
tempo indeterminado e assumir pesados ônus trabalhistas e previdenciários. Os
próximos anos estão afetados pela incerteza. O capital, móvel e covarde, teme
se arriscar.
Entre a contratação submetida à rigidez das
normas legais trabalhistas e o perigo da informalidade, a opção do empresário
poderá ser não empregar. No Brasil a lei amedronta.
*Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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