- O Globo
Parece cada vez mais difícil para mais
gente admitir que não sabe o bastante sobre alguma coisa a ponto de ter uma
opinião. As conversas sobre qualquer assunto estão ficando insuportáveis pelo
excesso de certezas absolutas, antes só permitidas aos muito jovens.
Certeza é um dos sintomas da imaturidade.
Ser adulto é aprender a conviver com incertezas. “Não sou jovem o suficiente
para saber tudo”, diz o sábio ditado ora atribuído ao poeta irlandês Oscar
Wilde, ora ao primeiro-ministro britânico da Era Vitoriana Benjamin Disraeli.
Por essa régua, vivemos numa sociedade de
imaturos, inseguros, buscando muletas para se apoiar. Esse ambiente favorece
duas situações indesejáveis. A primeira é a tentação de delegar decisões da
vida pessoal a uma ideologia, a um partido ou até a um governo. A segunda é o
recolhimento ao conforto do pensamento binário simplório, com o consequente
pavor da complexidade.
Delegar o destino a um ente imaginário
coletivo provedor, todo-poderoso, é uma das superstições mais acalentadas atualmente.
Assustador é essa ilusão ser cultivada por jovens, principalmente das grandes
cidades do Ocidente. Jovens americanos dos movimentos Antifa e Black Lives
Matter, embora tenham recentemente começado a trocar sopapos entre si, costumam
definir-se como socialistas ou mesmo comunistas.
“Esses moços, pobre moços (...)/ Saibam que
deixam o céu/ Por ser escuro/ E vão ao inferno/ À procura de luz.”
Dizem os versos de Lupicínio Rodrigues. Acabei de ouvi-los na linda voz de Adriana Calcanhotto. É um convite lírico a pensar nas lutas dos jovens militantes. Uma lei histórica mostra que ninguém milita com o objetivo de continuar oprimido quando sua causa triunfar: o militante se imagina sempre dirigente na nova ordem. É uma lei incontrastável.
Quando o objetivo da luta é obter a
igualdade plena entre todos, caso a insurreição triunfe, o militante logo se
arvora a ser “mais igual” que os outros, na exata observação de George Orwell
no livro “A Revolução dos Bichos”. Cuidado com o que pedem, pois podem
conseguir e descobrirão muito tarde não ser o coletivismo igualitário o
resultado, mas a ditadura.
A segunda situação indesejável trazida pelo
excesso de certeza é o medo do pensamento complexo. O mundo real não é preto e
branco. A complexidade é um fato da vida. O pensamento complexo é aberto à
crítica, condição obrigatória a toda formulação merecedora de atenção. É atento
à sua própria obsolescência, sensível ao novo, ao desconhecido, ao estranho.
Admitir a complexidade de certos assuntos e
reconhecer não ter opinião válida sobre eles é uma opção adulta, madura, em
qualquer idade. Viva a complexidade! O pensamento complexo é sempre receptivo à
incerteza, à contradição, à ambivalência. Como nos ensina o sábio francês Edgar
Morin, são essas as qualidades de quem se propõe a escapar da arrogância e do
dogmatismo.
Essas reflexões, acredito, valem para oprimidos e opressores. O espírito do nosso tempo comanda que “tudo é política”. Essa é a premissa do livro mais recente de Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2008 e hoje o economista com maior influência sobre o governo do presidente americano, Joe Biden. O título do livro de Krugman em português é “Discutindo com zumbis: economia, política e a luta por um futuro melhor”. Conheci Krugman quando ele ainda dava aulas no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e era um zeloso fiscalista. Agora ele incentiva Biden a imprimir dólares para impedir a recessão contratada pela pandemia de Covid-19. As certezas numéricas da juventude deram lugar à aventureira complexidade da política. Ele está certo? Não sei. Não conheço bastante a política monetária americana para dar uma opinião.
Nenhum comentário:
Postar um comentário