sábado, 29 de maio de 2021

João Gabriel de Lima - A bússola das hashtags aponta para o meio ambiente

- O Estado de S. Paulo

Governo brasileiro agita lenços na plataforma, diante da partida do trem da História

As causas defendidas nas redes sociais não ficam restritas ao mundo digital. Alguns dos movimentos mais bem-sucedidos na atualidade começaram como hashtags. O #blacklivesmatter levou à condenação do assassino de George Floyd e provocou mudanças na legislação sobre racismo em vários Estados americanos. O #metoo interferiu no ordenamento jurídico sobre assédio em vários países. Na Primavera Árabe do início da década passada, intervenções no YouTube, Twitter e Facebook ajudaram a organizar um movimento de massas. A indignação das redes explodiu nas ruas.

Esse é o contexto de um novo estudo da The Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa da principal revista liberal em língua inglesa. Em “O eco-despertar: conscientização global, engajamento e ação pela natureza”, a The Economist mede a temperatura das redes sociais e da imprensa para aferir o quanto a destruição da natureza mobiliza cidadãos em diferentes países. O resultado é animador. Nos últimos quatro anos, houve um aumento exponencial do ativismo ambiental pelo mundo. 

O Brasil é um dos destaques do relatório, a ponto de merecer um capítulo especial. Nosso país é o campeão mundial em abaixo-assinados sobre o tema – 23 milhões de assinaturas entre 2016 e 2020, período da pesquisa. Na imprensa, o número de reportagens sobre meio ambiente cresceu 148%. A Coalizão Clima, Florestas e Agricultura, que juntou organizações sociais e empresas, é apontada como exemplo de mobilização da sociedade civil. As menções à preservação da Amazônia no Twitter aumentaram 442% – e o salto se deu no ano de 2019, o primeiro da Presidência de Jair Bolsonaro.

Tudo isso leva a crer que a explosão do ativismo no Brasil é, em parte, reação à desastrosa política do governo federal para o meio ambiente. Diz a The Economist em seu relatório: “Desde que Mr. Bolsonaro chegou ao poder em 2019, o desmatamento disparou. As agências ambientais – Ibama, ICMBio e Funai – foram sistematicamente desmontadas, as comunidades indígenas sofrem ameaças, e vastos pedaços de floresta têm sido destruídos. O desmatamento cresceu 50% em apenas dois anos”.

“Existe um descolamento total entre a sociedade e o governo”, diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo, um dos maiores especialistas brasileiros em meio ambiente. Ele é pesquisador visitante da Universidade de Princeton, coordenador do projeto MapBiomas e personagem do minipodcast da semana. “O setor privado diz que precisamos de metas ambiciosas, pois nossas empresas não podem ficar desalinhadas na competição internacional”, afirma Tasso, ao comentar a Coalizão Clima, Florestas e Agricultura.

Cada vez mais a questão ambiental importa para governos, empresas e cidadãos, em seus hábitos de consumo. No Reino Unido, sede da The Economist, a procura por produtos sustentáveis nas prateleiras dos supermercados se multiplicou por oito nos últimos quatro anos, aponta o estudo. Reportagem desta semana do The New York Times mostrou que o programa brasileiro de captação de recursos privados para preservação teve pouca adesão de empresas internacionais. Elas não querem associar sua marca a um país que desmata.

A bússola das hashtags aponta para a causa do meio ambiente. Nos Estados Unidos, o governo Joe Biden já se apresentou como locomotiva do movimento. Descolado da sociedade, o governo brasileiro agita lenços na plataforma, diante da partida do trem da História.

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