- O Estado de S. Paulo
Governo brasileiro agita lenços na
plataforma, diante da partida do trem da História
As causas defendidas nas redes sociais não ficam
restritas ao mundo digital. Alguns dos movimentos mais bem-sucedidos na
atualidade começaram como hashtags. O #blacklivesmatter levou
à condenação do assassino de George Floyd e
provocou mudanças na legislação sobre racismo em vários Estados americanos. O
#metoo interferiu no ordenamento jurídico sobre assédio em vários países. Na
Primavera Árabe do início da década passada, intervenções no YouTube, Twitter e
Facebook ajudaram a organizar um movimento de massas. A indignação das redes
explodiu nas ruas.
Esse é o contexto de um novo estudo da The Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa da principal revista liberal em língua inglesa. Em “O eco-despertar: conscientização global, engajamento e ação pela natureza”, a The Economist mede a temperatura das redes sociais e da imprensa para aferir o quanto a destruição da natureza mobiliza cidadãos em diferentes países. O resultado é animador. Nos últimos quatro anos, houve um aumento exponencial do ativismo ambiental pelo mundo.
O Brasil é um dos destaques do relatório, a
ponto de merecer um capítulo especial. Nosso país é o campeão mundial em
abaixo-assinados sobre o tema – 23 milhões de assinaturas entre 2016 e 2020,
período da pesquisa. Na imprensa, o número de reportagens sobre meio ambiente
cresceu 148%. A Coalizão Clima, Florestas e Agricultura, que juntou
organizações sociais e empresas, é apontada como exemplo de mobilização da
sociedade civil. As menções à preservação da Amazônia no Twitter aumentaram
442% – e o salto se deu no ano de 2019, o primeiro da Presidência de Jair
Bolsonaro.
Tudo isso leva a crer que a explosão do
ativismo no Brasil é, em parte, reação à desastrosa política do governo federal
para o meio ambiente. Diz a The Economist em seu relatório: “Desde que Mr.
Bolsonaro chegou ao poder em 2019, o desmatamento disparou. As agências
ambientais – Ibama, ICMBio e Funai – foram sistematicamente desmontadas, as
comunidades indígenas sofrem ameaças, e vastos pedaços de floresta têm sido
destruídos. O desmatamento cresceu 50% em apenas dois anos”.
“Existe um descolamento total entre a
sociedade e o governo”, diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo, um dos
maiores especialistas brasileiros em meio ambiente. Ele é pesquisador visitante
da Universidade de Princeton, coordenador do projeto MapBiomas e personagem do
minipodcast da semana. “O setor privado diz que precisamos de metas ambiciosas,
pois nossas empresas não podem ficar desalinhadas na competição internacional”,
afirma Tasso, ao comentar a Coalizão Clima, Florestas e Agricultura.
Cada vez mais a questão ambiental importa
para governos, empresas e cidadãos, em seus hábitos de consumo. No Reino Unido,
sede da The Economist, a procura por produtos sustentáveis nas prateleiras dos
supermercados se multiplicou por oito nos últimos quatro anos, aponta o estudo.
Reportagem desta semana do The New York Times mostrou que o programa brasileiro
de captação de recursos privados para preservação teve pouca adesão de empresas
internacionais. Elas não querem associar sua marca a um país que desmata.
A bússola das hashtags aponta para a causa
do meio ambiente. Nos Estados Unidos, o governo Joe Biden já se apresentou como
locomotiva do movimento. Descolado da sociedade, o governo brasileiro agita
lenços na plataforma, diante da partida do trem da História.
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