sábado, 29 de maio de 2021

Entrevista | Paes quer palanque “multipresidencial” para o governo do RJ

Prefeito do Rio chega ao PSD interessado em montar aliança que pode reunir apoiadores de Lula e Ciro

Por Cristian Klein e Francisco Góes / Valor Econômico

RIO - Equilibrista por natureza, o prefeito do Rio Eduardo Paes saiu nesta semana do DEM e filiou-se ao PSD, para onde também irá seu candidato a governador em 2022, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Quem quiser acreditar que eu tô brincando com Felipe Santa Cruz vai perder tempo”, afirma em entrevista ao Valor.

Por outro lado, a elasticidade de Paes o faz lançar pontes para a esquerda, numa aliança que poderia ser encabeçada pelo deputado federal Marcelo Freixo (Psol), que deve migrar para o PSB, ou pelo ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT). Paes defende um palanque amplo e aberto a vários presidenciáveis, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao ex-ministro Ciro Gomes (PDT), incluindo o balão de ensaio do próprio PSD, onde o presidente nacional da legenda, Gilberto Kassab, busca filiar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Paes faz política de boa vizinhança até com o governador Cláudio Castro (PL), ligado ao presidente Jair Bolsonaro e com quem se estranhou há dois meses, por causa de medidas de restrição contra a pandemia. “Tudo pode acontecer. Ontem estavam me dizendo que o [ex-ministro da Saúde Eduardo] Pazuello vai ser candidato a governador... Então, numa dessas, Cláudio vira um cara mais de centro. Faltando um ano para a eleição, há chance de tudo”, diz Paes

O prefeito reiterou sua posição de não multar Bolsonaro por ter promovido aglomeração, com apoiadores sem máscaras, no domingo: “É o povo que decide, é na eleição. Temos condições de julgar e avaliar. Não vou fazer o jogo do presidente da República, não vou ficar animando festa de gente que está errada”.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Por que escolheu o PSD para se filiar?

Eduardo Paes: A origem disso é o conflito do [deputado federal] Rodrigo Maia no Democratas. Rodrigo, nesse período mais difícil para mim, de quatro anos fora do poder, apanhando de tudo que é lado, foi muito solidário, muito correto comigo, estendeu a mão. Ajudou, defendeu publicamente, do alto da liderança na presidência da Câmara, me viabilizou duas eleições. Então eu não tinha como não ser solidário, nesse movimento dele. Tenho pelo ACM Neto uma relação de muita amizade. Dois amigos brigaram. Só que um está no meu terreiro e outro não está.

Valor: O PSD está virando um novo MDB?

Paes: Se for sem alguns dos vícios... quando você olha para os quadros - [Antonio] Anastasia, Kalil, Geraldo [Alckmin, no PSDB, sondado pelo partido], [Paulo] Hartung [sem filiação partidária, sondado pelo partido], o Otto [Alencar], estamos falando de um partido com quadros interessantes. O que virou a política brasileira? Um dia todo mundo quer que eu multe o presidente, aí você é xingado com ódio das pessoas [por não multar o presidente]. No outro você fecha uma escola porque estão cantando “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, essas maluquices... E aí você demite a direção da escola e são os malucos do bolsonarismo te xingando. O Brasil precisa de equilíbrio. Precisamos de política para resolver o problema brasileiro. Se tirar o Michel [Temer] no meio do caminho, os nossos dois últimos presidentes eleitos, Dilma [Rousseff] e Bolsonaro, não são os maiores talentos da política. E nossa tarefa é de construção de consensos.

Valor: Porque agora a filiação?

Paes: Porque não nasci em Minas Gerais, nem sou político das antigas e gosto de decidir as coisas rapidamente. Quero construir um projeto, não quero ficar esperando, ver qual é a nau que vai voar melhor e eu vou junto... Não vou sair [candidato a governador], mas quem quiser acreditar que acredite e quem não quiser que se rasgue e espere. O Felipe [Santa Cruz] é o meu candidato a governador. Uma candidatura como a do Felipe, ela precisa ser construída, não vou parar de construir por um minuto.

Felipe Santa Cruz é meu candidato a governador. Eu não vou sair [candidato], quem quiser que acredite”

Valor: Fechado a outros nomes?

Paes: Estamos conversando com outros quadros? Estamos. Estamos conversando com o Freixo, tem o Rodrigo Neves, me dou bem com o Cláudio, tenho uma boa relação com ele, mas meu candidato é o Felipe. Acho que é o quadro mais qualificado. A própria posição do Felipe é de conversar, discutir. Agora, eu acho o meu candidato melhor.

Valor: O que falta para uma aliança com Freixo?

Paes: Primeiro é tempo, muito tempo. E depois, o Psol não quer aliança. Acho que facilita e muito [se Freixo se filiar ao PSB].

Valor: O senhor fez campanha falando da importância da experiência, mas aposta agora em alguém sem carreira política prévia, não é contraditório?

Paes: É e não é [contraditório]. Primeiro, temos um problema de alternativas no Rio, muito objetivamente, se for olhar os nomes que estão colocados, tem só o Rodrigo [Neves] com alguma experiência na prefeitura de Niterói. Acho que o Felipe é um cara da política e o tema que a gente precisa resolver no Rio de Janeiro, e aí conheço a capacidade dele de liderar, de aglutinar, chama-se segurança pública.

Valor: O presidente do PDT, Carlos Lupi, vê aliança com o Freixo como “botar azeitona na empada” do Lula. Concorda?

Paes: A minha tese é que essa aliança deve ser um palanque para todos os candidatos a presidente que estiverem nela. Se tiver um simpático ao Lula, aí eu vou apoiar o candidato do PSD. O Kassab tem falado no... Rodrigo Pacheco, tomara que se viabilize.

Valor: Torce pela terceira via?

Paes: Acho que é bom para o Brasil que se tenha. Não escondo minha relação boa com o presidente Lula e de gratidão inclusive pelo que ele fez como presidente da República em relação ao Rio de Janeiro, mas acho que ele tem que ter um caminho aqui. O caminho meu hoje é o caminho do PSD. De novo, quero poder ajudar aqui, então óbvio, estou construindo uma candidatura viável que ajude a candidatura do Felipe aqui.

Valor: Houve quem interpretou que ao ir para o PSD o senhor puxou o tapete do governador Cláudio Castro, que pretendia ir para o mesmo partido.

Paes: A verdade objetiva é: Kassab sabia que eu estava em busca. Rodrigo estava conduzindo isso. Estávamos em boca de Matilde: “Vai para o PSDB, vai para o MDB...” Me ligou, conversamos, aprofundamos, discuti com Rodrigo, com meus companheiros. E entendemos o melhor caminho, mas foi convite feito pelo Kassab. Eu não tinha procurado Kassab porque o Cláudio tinha dito que iria para lá, então não teve tentativa minha de puxar tapete, zero.

Valor: Qual a sua avaliação do governo Castro?

Paes: Sou elogioso ao Cláudio porque assumir nas condições que ele assumiu, um sujeito que não era da elite política fluminense e vem conseguindo conduzir com talento. É sujeito habilidoso, figura gentil, conseguiu um gol na concessão da Cedae, está organizando as finanças do Estado, acho que ele está indo muito bem.

"Tenho muita gratidão ao presidente Lula. Convidei ele, via Haddad, para jantar na Gâvea Pequena quando vier ao Rio”

Valor: Houve aproximação depois dos atritos iniciais?

Paes: Houve um desentendimento em relação à covid. Mas ele é governador do Estado e eu, prefeito da capital. Não temos direito de antecipar eventual disputa eleitoral. A gente se fala muito. Eu gosto do Cláudio, não tenho dificuldade com ele.

Valor: A renegociação sobre os recursos da Cedae ajudou?

Paes: O dinheiro da Cedae foi acertado lá atrás. Eu consegui nova negociação porque eu disse que não deixaria conceder a Cedae da forma como foi negociada. Foi gesto de gentileza dele, sentou à mesa, mostrou capacidade de negociação. Sempre tive com Cláudio boa relação, conheço ele há 500 anos. Tudo pode acontecer. Ontem estavam me dizendo que Pazuello vai ser candidato a governador, então numa dessas Cláudio vira um cara mais de centro.

Valor: Há chances de composição com ele?

Paes: Faltando um ano para a eleição, há chance de tudo. O que posso dizer agora é que, para mim, o melhor cara para o Rio é Felipe Santa Cruz. Acho que precisamos de um nome com dimensão, tamanho e estatura para cumprir missão difícil. Quem não quiser acreditar que eu não sou candidato a governador vai perder tempo. Quem quiser acreditar que eu tô brincando com Felipe Santa Cruz vai perder tempo também.

Valor: O senhor disse que se Freixo chegasse um pouco para o centro poderia se conversar. O mesmo vale para Castro, à direita?

Paes: Não vamos especular. Não sou capaz de tirar Freixo de qualquer posição. É maduro, uma pessoa com história de vida pública, uma trajetória de sucesso. Ele resolveu vir para o centro, o que permitiu diálogo de primeiro turno. No jogo eleitoral, você compõe e vai adequando seu discurso àquilo que está representando. Não posso chegar tendo ganho eleição contra Crivella e Bolsonaro e chegar amanhã e dizer: “Psol, tudo que vocês defendem sou contra”. Não, eles tiveram uma influência na minha eleição. Eu me esforço para dialogar e ouvir, estar mais atento ao que pensa o Psol. Tenho ótima conversa com Tarcísio, Chico Alencar.

Valor: Como está sua relação com o presidente Bolsonaro?

Paes: Eu conheço o presidente Bolsonaro desde que entrei na vida pública. Estive com ele em duas oportunidades, pessoalmente, depois da eleição. Falei com ele pelo telefone uma, duas vezes. Mas dialogo com pessoas do governo. Não tenho hostilidade do governo federal em relação a mim e seguimos a vida.

Valor: Hoje como vê o cenário nacional? É de polarização?

Paes: A fotografia de hoje é Lula versus Bolsonaro, mas tem espaço para mais candidaturas.

Valor: O que achou do encontro de FHC com Lula?

Paes: Achei excepcional. Fico envergonhado de ver gente que eu admiro reclamando daquilo. Quem não entende o que o Brasil está passando faz críticas [houve críticas dentro do PSDB ao encontro]. Eles não são aliados, não pensam igual, mas são civilizados, não são inimigos que querem se matar. Eu me recuso a não poder encontrar com todo mundo. Na campanha, divulgaram que encontrei com Lindbergh [Farias] no Adonis tomando um chope. Sentei com ele à mesa e vou sentar quantas vezes foram necessárias. Eu hein?! Ficarem me patrulhando, enchendo meu saco...

Valor: E com Pazuello, também toma um chope se ele for candidato?

Paes: Tomo, ué, não tem menor dificuldade. Acho que tem sotaque carioca parecido com o meu. Foi um sujeito correto comigo, não sou eu que estou avaliando a gestão dele no Ministério [da Saúde]. Eu nem perco com esses malucos. É o doido que antes de Bolsonaro estar sem máscara, está dizendo: ‘Vai multar, vai multar’. Multar o quê? É o presidente da República. Quando eu disse que é o povo que decide, é na eleição. Não vou fazer plebiscito. Dou a força do exemplo. Errei, me descuidei na gravação de um programa de televisão e no dia seguinte falei para me mandarem a multa. Me multaram em R$ 560.

Valor: Não é papel da prefeitura multar o presidente da República?

Paes: Claro que é. Qualquer cidadão a prefeitura tem que multar, mas estamos falando da maior autoridade do país.

Valor: O Maranhão multou.

Paes: Parabéns para o governador Flávio Dino. Mas daqui a pouco vai multar porque avançou o sinal, então tem que fazer um monte de multa para Lula e Dilma, para Temer porque essa gente só andava aqui avançando sinal, com batedor.

Valor: Mas agora é uma situação diferente, com a covid.

Paes: Temos condições de julgar e avaliar. Não vou fazer o jogo do presidente da República, não vou ficar animando festa de gente que está errada. Ele é a maior autoridade do Brasil. O Brasil que avalie nas próximas eleições se quer que as pessoas respeitem as regras ou não.

Valor: O que o senhor está achando da CPI?

Paes: Não tenho tempo de ver a CPI, então vejo Adnet [o humorista Marcelo Adnet], um espetáculo, divertida a narração do Adnet.

Valor: O senhor já falou até em Réveillon e Carnaval em 2022.

Paes: Se tiver todo mundo até 18 anos de idade com primeira dose até 21 de outubro, estamos dizendo que em novembro todo mundo acima de 35-40 estará com segunda dose. Então por que não ter Réveillon e Carnaval? A doença não vai acabar, estará aí como outras doenças, mas quero me preparar para isso. Vamos fazer o Réveillon e o Carnaval do renascimento. Vamos celebrar a vida, não tem melhor lugar para celebrar a vida do que o Rio de Janeiro, que é a antítese da covid, do coronavírus. É tudo menos carioca essa desgraça. Eu quero olhar para o futuro com perspectiva, com animação, com fé. E tem vacina.

Valor: O senhor conversou com o ex-presidente Lula?

Paes: Só conversei com o presidente Lula depois da eleição. Falei com Fernando Haddad, que quando ele [Lula] viesse ao Rio que eu o receberia com enorme prazer. Convidei para jantar inclusive na Gávea Pequena [residência oficial do prefeito do Rio].

Valor: Como vê as manifestações previstas pela oposição para sábado?

Paes: Já pensou se os bolsonaristas me pedirem para multar as pessoas? Não entendo, para quem tem feito o discurso que a oposição a Bolsonaro tem feito, não acho medida inteligente. Vai aglomerar? Tirar a máscara? Foi o que aconteceu comigo, estava gravando programa de televisão. Me empolguei, tirei a máscara. Já não canto bem, ainda com máscara ia ser desgraça. Se o sujeito tira a máscara [na manifestação] para falar no microfone. Os bolsonaristas vão ficar a semana inteira perguntando se vou multar ou não.

Valor: O ex-ministro Delfim Neto disse que Lula pode se eleger no primeiro turno. Acha provável?

Paes: Não faço a menor ideia. Os números são bons pra ele, mas falta tanto tempo.

Valor: Quando foi a última vez que falou com Lula?

Paes: Logo depois da eleição, liguei, dei abraço e disse que o Rio está a sua disposição, disse que tem no Rio uma pessoa aberta. Tenho muita gratidão ao presidente Lula, mas evitei falar de Maricá [em 2016, Paes foi gravado com Lula falando mal de Maricá].

Valor: Voltando ao tema da terceira via. Aonde ela poderia crescer? Seria no eleitorado bolsonarista?

Paes: Eu vejo rejeição grande a ambos [Bolsonaro e Lula]. Tem espaço em todos os lugares, não é tarefa fácil. Mas uma terceira não vai rolar porque Ciro vai ser candidato, Doria será candidato. Não é simples. Pode ser algo mais que terceira via. Pode ter mais uma candidatura que seja viável. De repente Ciro se viabiliza ou vai que as pessoas resolvem reconhecer no Doria a vacina. Eu, no dia em que minha mãe tinha tomado as duas doses de Coronavac, mandei mensagem pro Doria agradecendo. Vai que na hora o sujeito se emociona e vota nele. Não acho ninguém fora do jogo.

Valor: Mas as pesquisas não mostram apoio a Doria.

Paes: Ele não dá tempo de a gente elogiar ele, ele se elogia antes. Mas é uma pessoa que gosto, tenho carinho.

Valor: E o Ciro?

Paes: Ciro também, é um quadro, brigão, mas tem propostas para o Brasil. Está na quarta eleição presidencial. Tudo pode, ninguém está fora do jogo. Em cenário de polarização, a fotografia hoje é os dois. Mas numa dessas as pessoas olham e dizem: ‘É esse paulista arrumadinho ou é esse cearense cabra macho’ ou é quem mais? Não sei. Tudo pode a mais de um ano da eleição. O que vai acontecer com a economia? Que ambiente é esse que se cria no renascimento. As pessoas vão esquecer que Bolsonaro atrasou a vacina, que Doria deu a vacina, que Lula foi preso e foi injustiçado? Não sei.

Valor: Mas hoje no seu coração qual seria o seu candidato?

Paes: Meu coração é PSD, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), candidato do meu partido. Rodrigo Pacheco e Felipe Santa Cruz, estou em fase “love” por advogados. No caso do Rio já que o juiz não resolveu, vamos chamar o advogado para defender o povo.

Valor: Freixo então ficou escanteado?

Paes: Não tem nada escanteado, estou conversando com Freixo e continuarei conversando. Se quero sentar à mesa para discutir aliança, ele não está descartado em hipótese nenhuma.

Valor: O fato dele ser candidato de Lula não impede aliança?

Paes: Zero, dificuldade nenhuma. Se eu tiver candidato a presidente, se ele [Freixo] for o candidato da aliança, ele vai receber também meu candidato [a presidente]. Eu tenho um candidato [a presidente], ele [Freixo] tem o Lula. Se o Lula quiser ele [Freixo] exclusivo, eu não tenho como apoiá-lo, mas aí não é aliança.

Valor: Mas o natural não é engolir uma candidatura maior? Esse não é o medo de Ciro?

Paes: É obvio que é. Mas é sempre assim. No primeiro turno [em 2018] eu ia ganhar a eleição para governador no primeiro turno, estava todo mundo comigo. No dia seguinte todo mundo mudou de opinião. Você vai gerando adesão a partir de sua viabilidade, de suas condições. Por isso digo que Felipe tem um caminho pela frente. Vai gerar coesão política? Vai conseguir convencer a classe política, o eleitorado? Eu acho que sim.

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