sábado, 29 de maio de 2021

Ascânio Seleme - Entrevista com o vampiro

- O Globo

Em um rápido ping-pong, como pensam bolsonaristas. Ou por que não pensam.

Ele tem 45 anos, é graduado numa área da Medicina, com mestrado e doutorado. Bem-sucedido, tem casa própria e carro importado. Casado, dois filhos. Ex-surfista, mas eventualmente ainda pega uma “ondinha”. Gosta de ir ao Bracarense depois da praia. Aos domingos leva os meninos para comer uma pizza na Capricciosa. Esse rápido ping-pong mostra como pensam bolsonaristas de seu nível. Ou por que não pensam.

Por que você votou em Bolsonaro?

Tinha que dar um basta naquela roubalheira do PT.

Você se arrependeu de votar em Bolsonaro?

Não, por que haveria de me arrepender?

Por que o presidente prega contra a democracia? Por que boicotou e boicota as vacinas, estimula e promove aglomerações. Ou talvez por que cometeu outros 30 crimes de responsabilidade?

Que crimes? E que papo é este de democracia? Democracia para roubar? Só tem corrupto no Congresso.

Você é favorável ao fechamento do Congresso?

Não disse isso. Basta prender uns 200 que a coisa se ajeita. Esses caras são uns vampiros que só estão lá para sugar o nosso sangue.

E depois? Faz-se nova eleição para preencher as vagas abertas com as prisões?

Nada, com o que sobrar já dá para tocar a coisa. E ainda vamos economizar bilhões de reais com os gastos desses caras em mordomias e vantagens. Cada um tem uns 30 assessores. Precisa?

P - Falando em assessores, o que você acha da denúncia de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro? E dos R$ 89 mil que Queiroz depositou na conta de dona Michelle?

Sacanagem com a mulher do presidente, ela não tem nada com isso. Esta história de “rachadinha” todo mundo faz. Vocês estão no pé do Flávio porque ele é filho do Bolsonaro.

Bolsonaro participou de inúmeras manifestações onde pessoas pediam o fechamento do Supremo. Você acha isso certo?

Aquilo lá é um antro de ladrões. Um ministro do STF recebeu dois milhões de reais outro dia. Eu vi a mala. São uns vagabundos.

Você viu uma mala com dois milhões para um ministro do STF?

Vi.

Onde, quem é o ministro?

Ah, você já está querendo demais.

Então pode fechar o Supremo?

Aí, de novo, é só prender uma meia dúzia que as coisas se ajustam.

E quem vai prender? Bolsonaro? A PF, o Exército?

Bastam um cabo e um soldado, como disse o Eduardo. Rarara.

Você é a favor de uma intervenção militar?

Claro que não. Mas você não pode negar que com os milicos as coisas funcionavam melhor.

Posso, sim. Discordo.

Você não conta, você é comunista.

Na época do PT me chamavam de fascista.

Nada, você é vermelho.

Você usa máscara?

Só para não pegar mal. Tem muita patrulha na rua. Usa máscara quem quer. Máscara não serve para nada. Já tem estudo comprovando isso que eu estou te falando.

Que estudos?

Cara, tá na internet. Em que mundo você vive?

Bolsonaro fez tudo o que pôde para atrapalhar a vacinação, atrasou a compra dos imunizantes…

Vacina é opção, não obrigação. O homem distribuiu bilhões para governadores e prefeitos, que embolsaram a grana.

Você vai se vacinar?

Já me vacinei. Minha profissão me deu prioridade. Você acha que sou bobo?

Como você se informa? Lê jornais e sites de veículos profissionais? Assiste TV? Ou é só Instagram e WhatsApp?

Claro que não leio jornal. É só baboseira, lixo. Na TV, só futebol. De resto, leio tudo o que cai na minha rede. Me considero uma pessoa bem informada.

Então você sabe o que a CPI da Covid está revelando, não é?

Cara, eu não tenho tempo para perder com estas coisas. Isso é CPI política. O que eu sei é que os caras da oposição não querem investigar os governadores corruptos, os filhos do Renan e do Jader. Isso eu sei. De corrupção vocês não querem falar.

Problema

A possibilidade de Lula voltar ao poder não assusta. O velho líder populista está vacinado, no sentido amplo da palavra, e dificilmente cometerá os mesmos erros do passado, como querer calar a imprensa e amordaçar o Ministério Público. O problema são os dirceus, lindberghs e luizinhos que vêm junto no pacote.

O aluguel de Guedes

Em março do ano passado, Paulo Guedes passou a morar na Granja do Torto. A residência da Presidência da República foi oferecida ao ministro por Bolsonaro, para que ele pudesse passar o período de isolamento social. Guedes tinha 70 anos e era do grupo de risco. Hoje, já duplamente vacinado, o ministro mais rico do governo segue morando no Torto. Bolsonaro, que não acredita em isolamento, máscara ou vacina, podia pedir a casa de volta. E apresentar a conta. Será que Guedes pagou aluguel e a manutenção da casa, além dos funcionários públicos ali lotados que passaram um ano atendendo sua excelência? Se não, é bom separar um dinheirinho. O aluguel de uma chácara em Brasília, com casa e anexos mobiliados, custa de R$ 4,5 mil e R$ 10 mil mensais. Só neste quesito, Guedes deve à União entre R$ 54 mil e R$ 112 mil.

Extra large

Foi um desastre a explicação de Eduardo Paes sobre a não aplicação de multa em Jair Bolsonaro por infringir o decreto de uso de máscara em locais públicos no Rio. Paes provou mais uma vez o que todos já sabiam. É um puxa-saco extra large. Já tinha sido com Lula, que detonou na CPI do mensalão e depois correu para o seu colo quando assumiu a prefeitura. Foi bajulador tão GG que mandou uma carta para Dona Marisa pedindo desculpas por ter levantado suspeitas contra o seu filho Lulinha. Dizia, nos bastidores, que fazia isso pelo Rio, sugerindo ser falso o seu gesto. E é isto o que ele está dizendo agora outra vez. Que se trata de uma estratégia para tirar de Bolsonaro recursos para a cidade. Há quem acredite. Bolsonaro não está nem aí, desde que o prefeito siga estendendo tapetes vermelhos para sua excelência pisar com seu bat boot.

Era oba-oba

O escritor cubano Leonardo Padura, autor de “O homem que amava os cachorros”, desembarcou no Rio em outubro de 2013 para um seminário. Ao chegar do lado de fora do Santos Dumont acendeu um cigarro. Antes de embarcar no táxi, jogou a guimba no chão. Ato contínuo, foi multado por um guarda municipal que fazia valer a lei municipal 3.273. Padura pagou R$ 157 e foi embora. Foi uma das últimas multas do programa lixo zero tocado pelo secretário Rodrigo Bethlem, aquele que depois foi flagrado e preso por corrupção na prefeitura do Rio. O programa não era para valer e caiu no esquecimento depois de o próprio Paes ter sido multado por jogar lixo na rua.

Apelidos merecidos

Vazio o debate sobre se é correto ou errado chamar a secretária Mayra Pinheiro de “Capitã Cloroquina”. Há gente que vê machismo no apelido. O aliado da capitã, senador Eduardo Girão, disse que ela é mulher e mãe, e deveria ser tratada de acordo com sua condição. Discordo. Mayra depôs como testemunha de um crime contra a humanidade. E, mais, foi ela quem mandou Manaus usar cloroquina na falta de oxigênio. Mayra foi candidata a senadora no Ceará em 2018. Se tivesse sido eleita, seria sua excelência “Capitã Cloroquina”. Ela merece o apelido. Como o Bozo merece o seu.

Tropa do choquinho

Nem o PT conseguiu formar uma tropa de choque tão pequena e despreparada como esta que Bolsonaro montou para se defender na CPI. Dos quatro membros, um fica vermelho toda vez que se exalta um pouquinho mais. Atropela o depoente e se enrola mais do que cobra. Outro, que “não sabe patavina nenhuma” de medicina, só fala dos benefícios extraordinários da cloroquina citando estudos que nunca apresenta. O terceiro mente muito. Por fim, o que parece ser o líder da tropinha de choque, já ouviu uma meia dúzia de desaforos do presidente da CPI em razão das barbaridades que diz.

Motocídio

O respeitado jornal britânico “The Guardian” classificou de “obsceno” o passeio do motoqueiro do Planalto na orla do Rio. Foi gentil com o nosso negacionista número 1. Aquele motocídio foi para lá de obsceno. Imagina o que o jornal escreveria se ouvisse a última do presidente quando indagado sobre os quase meio milhão de brasileiros mortos pela Covid. “A morte é uma coisa que todo mundo, o óbvio, todo mundo vai passar por ela e não vai sentir”.

Cantinho do moreno

Durante a CPI do PC Farias de 1995, a presença de Tereza Collor na audiência de seu marido, Pedro, o irmão do então presidente Fernando Collor, causou um enorme furor. Todos os jornais falaram da sua eletrizante passagem pela Comissão, as TVs enalteceram sua beleza, a falecida “Playboy”anunciou que a chamaria para posar para uma capa. Tereza, que não pronunciou sequer uma palavra, só não ofuscou o marido porque este era o dono da bomba que detonou o mandato de Collor. Hoje, qualquer alusão à beleza feminina num ambiente desses seria razão para um excruciante vendaval de críticas. Por isso, não vou fazer qualquer menção à Cíntia Lucci, a economista que assistiu Dimas Covas em seu depoimento de quinta-feira à CPI da Pandemia.

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