- O Globo
O que mais se escuta do ministro Paulo Guedes desde que o presidente assumiu o governo em 2019 é que o Brasil precisa de reformas para voltar a crescer. A bola da vez são as reformas administrativa e tributária. É verdade que o sistema tributário brasileiro é anacrônico, desigual e ineficiente e que precisamos simplificar o seu funcionamento.
Também é verdade que ele gera distorções
setoriais e regionais que afetam a produtividade da economia. A mesma coisa
vale para a necessidade de modernização do Estado, onde precisamos melhorar o
processo de seleção da burocracia e alinhar melhor os incentivos de servidores
públicos em busca de um melhor desempenho.
Mas achar que qualquer uma dessas reformas
colocará o Brasil automaticamente numa trajetória de crescimento econômico
sustentado é uma mistura de delírio com ignorância econômica. Delírio pois o
mesmo governo que promove reformas em busca de um “Estado mais eficiente”
corrói sua capacidade burocrática para a implementação de políticas públicas de
qualidade destruindo instituições, militarizando ministérios e apadrinhando
cloroquinistas.
Ignorância porque muitos economistas deste governo parecem desconhecer totalmente o que foi produzido na literatura econômica sobre crescimento e desenvolvimento econômico nos últimos 20 anos.
A grande pergunta que precisa ser
respondida, e que deveria guiar as decisões de políticas públicas, é como
aumentar a produtividade agregada da economia brasileira que está estagnada há
pelo menos três décadas.
Para isso precisamos de pelo menos três
coisas: fazer com que trabalhadores e empresas sejam mais produtivos, realocar
recursos para firmas, setores e locais onde a produtividade seja maior e gerar
novas ideias sobre o que produzir e como produzir.
No primeiro quesito vamos mal. O governo na
sua louca caça às bruxas nas escolas abandonou totalmente a agenda de qualidade
da educação brasileira. Isso ficou ainda mais claro durante a pandemia onde as
escolas públicas do país simplesmente pararam de funcionar.
Em relação à qualificação de trabalhadores,
o governo lançou diversos programas com nomes bonitos como “Estratégia Nacional
de Qualificação para a Produtividade e o Emprego”, mas na prática são programas
de pequena escala, sem seguimento, feitos para substituir programas antigos como
o Pronatec. Sem discutir de forma séria a educação e a qualificação da mão de
obra não há como pensar na produtividade do trabalhador brasileiro num mundo
cada vez mais sofisticado e robotizado.
Em relação à melhoria na alocação de
fatores o governo reduziu empréstimos dados por bancos públicos e criou novos
programas de créditos para pequenas e micro empresas, mas continua respondendo
ao Centrão político e aos grupos de interesse com ampla distribuição de
recursos para “empresas aliadas”. Além disso, continua insistindo em políticas
de desoneração tributária e outras coisas que já foram utilizadas no passado
sem grande sucesso.
Finalmente, no que muitos consideram o
fator mais importante para a geração de crescimento econômico de longo-prazo —
novas ideias — o governo fez muito pouco e destruiu muito do que existia. Os
recursos para ciência e tecnologia, inovação e pesquisa despencaram mesmo antes
da pandemia.
Não há políticas relevantes de inovação
neste governo nem de parcerias entre universidades e o setor privado. Mais do
que isso, o governo vê as universidades como inimigos e locais onde só se pensa
em sexo e se fuma maconha apesar da presença de grupos de cientistas nacionais
na capa da revista Science recentemente.
Em resumo, reformas são boas para tornar o
ambiente de negócios mais propício e fazer com que o governo preste melhores
serviços. Mas sem pensar em como melhorar a educação e a inovação científica,
como reduzir as rendas apropriadas por grupos de interesse e como implementar
políticas que consigam direcionar recursos para empresas, setores e locais mais
produtivos, o Brasil não irá crescer de forma sustentada.
Já é hora de o mercado parar de cobrar
reformas ao ministro Paulo Guedes e ao Congresso e começar a cobrar um conjunto
de políticas coerentes.
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