sábado, 29 de maio de 2021

Claudio Ferraz - Reformar para crescer?

- O Globo

O que mais se escuta do ministro Paulo Guedes desde que o presidente assumiu o governo em 2019 é que o Brasil precisa de reformas para voltar a crescer. A bola da vez são as reformas administrativa e tributária. É verdade que o sistema tributário brasileiro é anacrônico, desigual e ineficiente e que precisamos simplificar o seu funcionamento.

Também é verdade que ele gera distorções setoriais e regionais que afetam a produtividade da economia. A mesma coisa vale para a necessidade de modernização do Estado, onde precisamos melhorar o processo de seleção da burocracia e alinhar melhor os incentivos de servidores públicos em busca de um melhor desempenho.

Mas achar que qualquer uma dessas reformas colocará o Brasil automaticamente numa trajetória de crescimento econômico sustentado é uma mistura de delírio com ignorância econômica. Delírio pois o mesmo governo que promove reformas em busca de um “Estado mais eficiente” corrói sua capacidade burocrática para a implementação de políticas públicas de qualidade destruindo instituições, militarizando ministérios e apadrinhando cloroquinistas.

Ignorância porque muitos economistas deste governo parecem desconhecer totalmente o que foi produzido na literatura econômica sobre crescimento e desenvolvimento econômico nos últimos 20 anos.

A grande pergunta que precisa ser respondida, e que deveria guiar as decisões de políticas públicas, é como aumentar a produtividade agregada da economia brasileira que está estagnada há pelo menos três décadas.

Para isso precisamos de pelo menos três coisas: fazer com que trabalhadores e empresas sejam mais produtivos, realocar recursos para firmas, setores e locais onde a produtividade seja maior e gerar novas ideias sobre o que produzir e como produzir.

No primeiro quesito vamos mal. O governo na sua louca caça às bruxas nas escolas abandonou totalmente a agenda de qualidade da educação brasileira. Isso ficou ainda mais claro durante a pandemia onde as escolas públicas do país simplesmente pararam de funcionar.

Em relação à qualificação de trabalhadores, o governo lançou diversos programas com nomes bonitos como “Estratégia Nacional de Qualificação para a Produtividade e o Emprego”, mas na prática são programas de pequena escala, sem seguimento, feitos para substituir programas antigos como o Pronatec. Sem discutir de forma séria a educação e a qualificação da mão de obra não há como pensar na produtividade do trabalhador brasileiro num mundo cada vez mais sofisticado e robotizado.

Em relação à melhoria na alocação de fatores o governo reduziu empréstimos dados por bancos públicos e criou novos programas de créditos para pequenas e micro empresas, mas continua respondendo ao Centrão político e aos grupos de interesse com ampla distribuição de recursos para “empresas aliadas”. Além disso, continua insistindo em políticas de desoneração tributária e outras coisas que já foram utilizadas no passado sem grande sucesso.

Finalmente, no que muitos consideram o fator mais importante para a geração de crescimento econômico de longo-prazo — novas ideias — o governo fez muito pouco e destruiu muito do que existia. Os recursos para ciência e tecnologia, inovação e pesquisa despencaram mesmo antes da pandemia.

Não há políticas relevantes de inovação neste governo nem de parcerias entre universidades e o setor privado. Mais do que isso, o governo vê as universidades como inimigos e locais onde só se pensa em sexo e se fuma maconha apesar da presença de grupos de cientistas nacionais na capa da revista Science recentemente.

Em resumo, reformas são boas para tornar o ambiente de negócios mais propício e fazer com que o governo preste melhores serviços. Mas sem pensar em como melhorar a educação e a inovação científica, como reduzir as rendas apropriadas por grupos de interesse e como implementar políticas que consigam direcionar recursos para empresas, setores e locais mais produtivos, o Brasil não irá crescer de forma sustentada.

Já é hora de o mercado parar de cobrar reformas ao ministro Paulo Guedes e ao Congresso e começar a cobrar um conjunto de políticas coerentes.

 

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