Valor Econômico
Agências reguladoras podem evitar fusões
que aumentem ainda mais o poder de mercado de empresas dominantes
Jan Eeckhout, professor de economia da
Universidade de Pompeu Fabra, em Barcelona, publicou recentemente o livro O
Paradoxo do Lucro: como as empresas florescentes ameaçam o futuro do trabalho.
Aí se encontra o resumo da sua pesquisa acadêmica sobre a evolução dos mercados
nos Estados Unidos e na Europa nas últimas décadas.
O livro, que é muito bem escrito, demonstra
como os mercados ficaram mais concentrados na maioria dos países avançados.
Aponta também as consequências do maior poder de mercado de algumas empresas
dominantes para a economia desses países.
Uma das primeiras lições que aprendemos em economia é que, respeitadas certas condições, mercados competitivos implicam preços mais baixos e maior produção com ganhos de bem-estar para os indivíduos. Assim, do ponto de vista do regulador, é importante estimular e preservar a competição entre as empresas. Os empresários, por outro lado, preferem ser monopolistas na venda de seus produtos e dessa forma determinarem preços com o objetivo de maximizar lucros.
Em um mercado competitivo, as empresas
cobram preços que refletem o custo de produção dos seus produtos, inclusive os
que compensam a tomada de risco e o custo do capital aplicado. As empresas têm
poder de mercado quando conseguem cobrar preços acima desses custos.
Os economistas definem a razão entre o
preço de um bem de uma empresa e seu custo de produção como o markup. Assim,
markup igual a 1 implica baixo poder de mercado da empresa, já que o preço
reflete os custos de produção da mesma. Markup de 1,3 implica que a empresa tem
um lucro de 30% em cada produto vendido e portanto maior poder de mercado.
O gráfico 1 mostra a evolução do markup
médio da economia americana, calculado pelo Jan Eeckhout, usando dados das
empresas de capital aberto. Nota-se que até meados da década de 80, o markup
médio da economia americana era de 1,3 e hoje esse mesmo markup é quase duas
vezes maior. Fenômeno semelhante é observado na maioria dos países avançados,
com markups crescentes em vários setores de atividade.
Simultaneamente ao avanço dos markups nos
EUA se observa a estagnação do salário real médio. O gráfico 2 mostra a
evolução da produtividade do trabalho e do salário médio dos trabalhadores que
não são executivos. Até a década de 80, havia uma forte ligação entre ganhos de
produtividade e aumentos reais do salário médio. A partir desse período, a
produtividade da economia americana continuou crescendo, porém o salário médio
dos trabalhadores permaneceu estagnado. Essa é também uma fase de aumentos de
desigualdade.
O paradoxo do lucro é justamente o fato de
maiores lucros (markups) não se traduzirem em melhorias no salário médio da
maioria dos trabalhadores. Markups crescentes se traduziram em maiores
remunerações para executivos e para os proprietários das empresas. Mas a
importância da massa salarial na produção vem caindo ao longo dos anos.
E o que explica esse paradoxo do lucro? Os
meios digitais e o forte avanço tecnológico das comunicações geraram benefícios
difíceis de serem mensurados para a maioria da população. No entanto, essas
mesmas tecnologias mudaram também os processos produtivos, permitindo, por
exemplo, a gestão e a logística de vários departamentos de uma empresa por uma
equipe pequena de gestores. Isso elevou a produtividade das empresas e desses
executivos, mas não gerou ganhos reais para os demais trabalhadores.
Tais mudanças tecnológicas aumentaram a
escala de produção de determinadas atividades, permitindo a consolidação de
vários segmentos econômicos com poucas empresas, que dominam o mercado, muitas
vezes global, de alguns produtos e serviços. Empresas como a Amazon, Uber, e AB
InBev exemplificam bem o fenômeno descrito pelo Jan Eeckhout.
Thomas Phillipon, economista da
Universidade de Nova Iorque, em seu livro A Grande Reversão: como a América
desistiu dos mercados livres, argumenta que não foram apenas as mudanças tecnológicas
a gerar o maior poder de mercado de algumas empresas. Phillipon sugere que a
leniência de reguladores permitiu fusões e aquisições que levaram a
concentração de importantes mercados e a falta de regulação permitiu markups
cada vez maiores.
As duas análises não são antagônicas. O
avanço tecnológico pode ter permitido o ganho de mercado de algumas empresas,
que então têm mais poder e incentivos para capturar reguladores. Gastos com
lobbying e com campanhas políticas cresceram substancialmente nos EUA durante
as últimas décadas.
O livro do Jan Eeckhout sugere portanto um
papel importante das agências reguladoras para incentivar a competição,
monitorando e ajustando a atuação de algumas empresas e evitando fusões e
aquisições que possam aumentar ainda mais o poder de mercado de empresas
dominantes.
A lição principal, segundo o Jan Eeckhout,
é algo óbvio: mais competição aumentaria a produção e a demanda por
trabalhadores com consequências positivas sobre a massa de salário e o
bem-estar dos trabalhadores. Contudo, dada as tecnologias existentes, não é
claro que o papel das agências reguladoras apenas possa melhorar a distribuição
dos ganhos de produtividade das empresas.
Me parece que o maior desafio é achar as
condições políticas para esse tipo de atuação das agência reguladoras. Ainda
mais em uma economia como a brasileira com congressistas apresentando demandas
pessoais crescentes ilimitadas e um governo enfraquecido. Tema de central
importância econômica e social, o qual discutirei em artigos futuros.
*Tiago Cavalcanti é professor de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP
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