No campo da
política, ele é recorrente. Nesses dois anos como Presidente, Bolsonaro
teve protocolados contra si 115 pedidos de impeachment. Dilma teve
68; Lula, 37; Temer, 31; Collor, 29; Fernando Henrique, 24. Contra Sarney, ele
saiu de uma CPI, igual essa do Bolsonaro.
O useiro e
vezeiro da estratégia é o Partido dos Trabalhadores. Dos
pedidos de impedimento apresentados contra o atual Presidente, 68 foram
assinados pelo PT. Tais pedidos surgem de retóricas populistas vazias, sem
materialidade explícita, e ficam vagando pelo Congresso, ou nas gavetas dos presidentes
da Câmara ou do Senado que deles se aproveitam para realizar manobras e
barganhas. Mas, o fato de existirem gera um desconforto e até
a descontinuidade na gestão do Estado. Tumultuam a governabilidade,
sem qualquer consequência para os autores.
- Quousque
tandem, Catilina abutere patientia nostra?!...
(Até quando, Catilina
abusarás da nossa paciência?!)
Mas, o que surpreende mesmo é o aumento da frequência das indagações nas redes sociais sobre como estender o impeachment para ministros do Supremo Tribunal Federal, o guardião da nossa ordem jurídica. Os cidadãos parecem não confiar na independência dos votos dos ministros, que estariam indo muito além das disposições constitucionais e sobretudo do entendimento do senso comum. Com raríssimas exceções, cada um fala de si mesmo (poematiza) ou parece falar em nome de alguém.
A
cada sessão, um tropeça na história, na Constituição e nos aspectos estruturais
que dão configuração à cultura brasileira, caminhando aparentemente em direção
ao imponderável. O que é isso senão uma aventura retórica desqualificadora
da lei ou dos costumes, da desestabilização do sistema, do modelo de Governo,
dos governantes em exercício? Os votos carregam aspectos tão intangíveis que
parecem espelhar alguma conspiração. O pior é que nenhum daqueles ministros
passou sequer por um escrutínio popular. São porta-vozes deles mesmos
(narcisistas) dentro do cenário jurídico. Pouco legam aos sucessores ou à instituição. Os
que se aposentam isentam-se totalmente da responsabilidade de sua participação
no colegiado.
Em 2020,
deixou o Supremo o ministro Celso de Mello, nomeado pelo então presidente José
Sarney: 30 anos no STF. Seus votos e decisões eram uma viagem ao
Parnaso, local simbólico onde vivem os poetas. O estilo retórico, pouco
identificado com a vida pindorâmica atrai ainda admiradores, sem qualquer
preocupação com o “abutere” da paciência
pública. Melo transitou no Supremo como um scholar das
velhas academias. Parecia divertir-se com aquilo, tal as expressões
faciais, os tons de voz e a gesticulação teatral, mesmo diante de
plateias visivelmente incomodadas. Que virtudes delegou ao sucessor, Kássio
Nunes, para fortalecer o sistema jurídico nacional, o Estado de Direito?
Um único Partido
tem a seu favor, presumivelmente, no STF pelo menos, sete ministros, indicados
por ele. Ricardo Lewandowski, indicado pelo PT, é o próximo a sair, mas em
maio de 2023. No mesmo ano, Rosa Weber, com a mesma origem, deixa o Supremo, em
outubro de 2023. Mas cinco dos atuais ministros vão ficar por ali até depois de
2030, e dois só saem depois de 2040. Durma com uma conversa dessas!
Agora em julho, é
a vez da aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, indicado por Collor, em
1990. Qual é o seu legado? Preocupado com a hegemonia da lei, fracassou em
afastar Renan Calheiros – este mesmo que está aí na relatoria da CPI da Covid -
da presidência do Senado. Libertou André do Rap, um dos chefes do
tráfico de drogas no País; soltou o goleiro Bruno, ex-Flamengo, acusado de assassinato
da mulher grávida; Suzane Richthofen, denunciada pela morte dos próprios
pais; o banqueiro Salvatore Cacciola, que fraudou o sistema financeiro do País,
e fugiu para a Itália. Acendeu o pavio que deu início à liberação de todos os
condenados pela Lava Jato, colocando em dúvida a “condenação em Segunda
Instância”, confrontando seus méritos com o “trânsito em julgado”, artifício
processual, que torna a maioria dos grandes delinquentes inocentes por
esgotamento dos prazos na tramitação dos processos.
Com base no
Código Penal, entendia que a prisão preventiva precisava ser renovada depois de
90 dias, senão tornava-se ilegal. Nunca se interessou, de fato, em saber quem
seria responsável pela conivência com este tipo elementar de omissão. Tudo
parece não ter qualquer aderência aos usos, costumes e às preocupações da vida
cotidiana do brasileiro. Cobrado, responde, sem
culpa, que nada fez a mais, a não ser cumprir a lei. De “cabo a
rabo”, um problema sério para o País é a ausência de virtudes cívicas e
identidade dos governantes com o pensamento dos cidadãos.
Quem vem lá,
agora para substituir Marco Aurélio? Um evangélico, um puxa saco, um
reacionário, um oportunista? Sem homens virtuosos não se pode visualizar futuro
para as gerações que se sucedem. A Nação continuará indefinidamente a se
queimar em fogo lento.
*Jornalista e professor
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