O Globo
À medida em que se agrava a crise no
governo em razão das descobertas da CPI da Covid e que fantasmas do passado,
como o das rachadinhas familiares, voltam para a assombrar Jair Bolsonaro, os
partidos vão dando demonstrações consistentes de que podem até estar
aproveitando o bem-bom da bonança orçamentária concedida pelo seu governo, mas
não vão com ele até o final “duela a quien duela”.
E esta é uma grande notícia para a
democracia, por mais que não se possa celebrar intenções republicanas da parte
de quase nenhuma das siglas partidárias brasileiras.
É especialmente alentadora a banana que
legendas que estão aboletadas no Centrão ou em cargos no governo mesmo sem se
assumir como tal, como é o caso do DEM, deram para o capitão em sua cruzada
pelo voto impresso, auditável ou como queira se chamar essa empulhação.
Mesmo com a pressão inacreditável feita
pelo presidente para forçar a porta desse retrocesso eleitoral, os partidos
demonstram que não pretendem cerrar fileiras com ele na disposição de
questionar o pleito a depender de seu resultado.
A sombra que Bolsonaro agora lança sobre a lisura do voto eletrônico teve uma contribuição vergonhosa do PSDB, partido que se quer sério e mainstream, quando em 2014 não aceitou a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff e pediu uma recontagem que não apontou nenhum indício de fraude.
Estava lançado ali o ovo da serpente, e não
é por acaso que Bolsonaro busca o caso Aécio como suposto precedente de caso em
que as eleições teriam sido adulteradas. O outro, segundo a narrativa falsa que
ele vende, seria o dele próprio, que teria vencido, vejam só, no primeiro turno
em 2018.
Diante da evidência de que Bolsonaro usará,
enquanto puder, a cantilena do voto impresso para ameaçar empastelar a eleição,
conversei com um ministro que terá assento no Tribunal Superior Eleitoral no
pleito do ano que vem, para o qual as perspectivas são de alta turbulência.
Tranquilo diante da possibilidade de o
presidente ser bem sucedido em qualquer quartelada que tente, esse magistrado
observou: “Alguém mais rico, mais inteligente e com um partido gigante tentou
isso nos Estados Unidos e hoje está em sua réplica do Salão Oval”.
De fato, a firmeza demonstrada pelo Partido
Republicano, a despeito de Donald Trump ainda ter uma força considerável na
legenda, ao não chancelar os devaneios golpistas do ex-presidente foi uma
demonstração de vigor da democracia norte-americana. E não só: a Suprema Corte,
o Congresso e as Forças Armadas deixaram o caricato empresário que chegou à
Presidência incidentalmente vociferando sozinho. Até o Twitter, plataforma por
meio da qual ele mais governou, lhe virou as costas.
No Brasil os partidos são bem menos
vertebrados que nos Estados Unidos. A forma como Bolsonaro e os filhos ciscam
de terreiro em terreiro dessas siglas de aluguel em busca de uma que aceite
recebê-los de porteira fechada é o indicador mais claro dessa falta de espinha
dorsal.
Isso só torna mais notável que nem nesse
ambiente de completo vale-tudo a ideia maluca do voto auditável encontre
público.
Combinada a movimentos cada vez mais
ousados dos partidos na CPI da Covid — que caminha a passos céleres para
responsabilizar o presidente e seu governo pelas mortes e pelo desastre na
pandemia — e em busca de uma opção eleitoral para o ano que vem, a debandada do
voto impresso mostra que a blindagem ao presidente, como venho mostrando aqui,
terá a duração, a ênfase e a extensão dos ganhos eventuais que esses partidos e
seus caciques possam auferir.
Com pesquisas em queda, as ruas gritando
“fora genocida” e escândalos de baciada, o preço aumenta e a contabilidade de
ganhos e perdas começa a ficar mais apertada que o orçamento do brasileiro
diante da inflação galopante.
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