quarta-feira, 7 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões /Editoriais

EDITORIAIS

A estreita visão do governo

O Estado de S. Paulo

O bem-estar da população passa ao largo do rol de preocupações do presidente da República. Jair Bolsonaro só tem olhos para a eleição de 2022.

O presidente Jair Bolsonaro editou medida provisória no início desta semana prorrogando o pagamento do auxílio emergencial por três meses. Cerca de 39 milhões de brasileiros receberão entre R$ 150 e R$ 375 até outubro. A nova rodada de pagamentos, portanto, segue os moldes da anterior, tanto em valores como em público-alvo.

Com o País ainda devastado pelos efeitos da pandemia de covid-19, prorrogar o auxílio emergencial era o mínimo a fazer, até mesmo por imposição humanitária. A taxa de desemprego beira os 15%, a inflação acima do teto da meta corrói a renda dos que ainda a têm e o espectro da fome ronda os lares de milhões de brasileiros. O grande problema é que Bolsonaro é um presidente do tipo que se contenta com o mínimo a fazer, especialmente quando este mínimo é o que ele precisa para tentar estancar a vertiginosa queda de sua popularidade.

A esta altura, já está claro para a maioria dos brasileiros – como pesquisas de opinião sobre o governo podem atestar – que o bem-estar da população passa ao largo do rol de preocupações do presidente da República. Bolsonaro só tem olhos para a eleição de 2022. Neste sentido, prorrogar o auxílio emergencial não se pauta por outra coisa que não o mero cálculo eleitoral. Caso estivesse genuinamente preocupado com a situação periclitante de milhões de brasileiros, Bolsonaro teria dedicado tempo e energia para melhor formular e implementar seu plano de transferência de renda, uma reformulação do programa Bolsa Família que o governo pretende chamar de Renda Brasil.

“Estamos prorrogando o auxílio emergencial por mais três meses enquanto acertamos o valor do novo Bolsa Família para o ano que vem”, disse o presidente durante breve cerimônia em seu gabinete. Por sua vez, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a prometer o lançamento do Renda Brasil ainda neste ano. Já o ministro da Cidadania, João Roma, afirmou que o programa será lançado em novembro próximo. Bolsonaro fala em 2022, Guedes é impreciso e Roma promete o Renda Brasil para daqui a cinco meses. Uma conversa entre os três poderia resolver ao menos o problema de comunicação.

A prorrogação do auxílio emergencial, repita-se, era o certo a fazer. Mais certo, porém, teria sido o governo compreender, ainda em 2020, o sentido da palavra “emergencial” e ter planejado a transição para o novo Bolsa Família, reformulado. Não o fez porque só planeja quem tem um plano a executar. A ausência de um programa de governo claro e exequível é um vício fundamental deste governo. Igualmente, a visão estreita. Basta lembrar que o ministro da Economia, não faz muito tempo, falou em “surpresa” pela irrupção da segunda onda de covid-19 no País, ainda mais mortal do que a primeira. Não foram poucos os epidemiologistas que alertaram para este risco.

Um programa de transferência de renda, seja como for chamado, é imperativo em um país tão desigual como o Brasil. Mas não deve ser um fim em si mesmo. É dever do governo planejar uma política econômica que propicie as condições para o crescimento da atividade, este, sim, capaz de mudar a vida das pessoas de forma consistente. A política econômica há de vir acompanhada por uma política de educação igualmente bem elaborada e implementada. No Brasil sob Jair Bolsonaro, não há uma coisa nem outra.

Ao presidente, ao que parece, interessa mais lançar mão de políticas pontuais de claro viés eleiçoeiro do que atacar os problemas que pairam sobre sua mesa de trabalho com mais responsabilidade. Bolsonaro não mobilizou seu governo para mudar profundamente a realidade que submete milhões de seus concidadãos à pobreza, ao desemprego e à fome. Agora, acossado que está por graves denúncias de corrupção na aquisição de vacinas, pela acusação da prática de “rachadinhas” e, como se não bastasse, pelos achados de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que tem lançado luz sobre o descalabro que é a resposta federal à crise sanitária, tenta de qualquer forma se manter de pé do ponto de vista eleitoral, dado que a atual conjuntura política lhe é flagrantemente desfavorável.

Uma reforma eleitoral desastrada

O Estado de S. Paulo

O ‘distritão’ enfraquece a democracia representativa ao desvalorizar os partidos

A democracia exige eleições periódicas. A cada quatro anos, o eleitor escolhe quem serão seus representantes no Executivo e no Legislativo, nas três esferas da Federação. No Brasil, o Congresso inventou uma outra modalidade de evento recorrente, atrelado às eleições: a reforma eleitoral rotineiramente realizada a cada dois anos. Não tem ano prévio às eleições em que o Congresso não aprove uma reforma eleitoral.

Essa contínua revisão das regras eleitorais é, por si só, disfuncional. No entanto, neste ano, a reforma eleitoral discutida no Congresso não apenas desrespeita a estabilidade mínima de que a lei deve dispor, como tem levantado uma série de propostas que são verdadeiros desastres.

Uma dessas medidas prejudiciais é a criação do chamado “distritão”, sistema de eleição majoritária, em grandes circunscrições, para o Legislativo. Hoje, os deputados são eleitos pelo sistema proporcional, no qual o preenchimento das vagas é definido de acordo com o número de votos para cada partido e o quociente eleitoral. No “distritão”, são eleitos os candidatos com o maior número de votos em cada Estado, sem levar em conta os votos que cada legenda recebeu.

A eleição majoritária em grandes circunscrições para o Legislativo favorece candidatos já conhecidos, como personalidades artísticas, lideranças religiosas e caciques políticos. Além de tornar mais difícil a renovação política, a proposta enfraquece a democracia representativa, desvalorizando os partidos. Com o “distritão”, os eleitos representam apenas a si mesmos.

A proposta é tão prejudicial para a qualidade da representação política que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, tem alertado para as suas consequências danosas. “O ‘distritão’ não barateia as campanhas, talvez encareça. Ele enfraquece os partidos e será dramático para a representação das minorias”, disse o presidente do TSE, em recente debate do Senado.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) lembrou que o “distritão” aumenta a fragmentação partidária das Casas Legislativas, o que é também um evidente retrocesso. Nos últimos anos, o objetivo foi precisamente implementar medidas, como a cláusula de barreira, para reduzir o número de legendas no Legislativo, de modo a melhorar a representação política e a governabilidade.

Com o atual número de partidos – e que tenderia a aumentar com a implementação do “distritão” –, há um incentivo para o toma lá dá cá. Simplesmente, não tem cabimento o Congresso aprovar mudanças que favoreçam, em alguma medida, o uso da política como balcão de negócios.

Além do “distritão”, o Congresso debate, no âmbito da reforma eleitoral, uma possível volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais, proibidas pela Emenda Constitucional (EC) 97/2017.

Aplicada pela primeira vez nas eleições municipais de 2020, a restrição de coligações é importante proteção do voto. Antes, o voto em determinado candidato podia eleger outro candidato, de outro partido, em razão de um acordo entre as legendas. Não faz sentido retirar a proibição das coligações antes de sua aplicação nas esferas federal e estadual.

Também houve a tentativa, por parte de alguns parlamentares, de viabilizar a volta das doações de pessoas jurídicas a candidatos e partidos políticos. Além de ser um desrespeito com a Constituição e com a lisura do sistema políticoeleitoral, a manobra é outro grave retrocesso, do ponto de vista das negociatas político partidárias.

Além disso, a Câmara pôs para tramitar, em regime de urgência, um projeto de lei, apresentado em 2015 no Senado, que tenta burlar a cláusula de barreira. O Projeto de Lei (PL) 2.522/15 possibilita que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação.

Com uma taxa inédita de renovação das cadeiras, a atual legislatura foi eleita com o objetivo explícito de renovar as práticas políticas. Seria uma burla com o eleitor que este Congresso, em vez de melhorar a legislação, aprovasse medidas que fortalecem os feudos políticos e distorcem a representação.

Nas projeções, o emprego melhora

O Estado de S. Paulo

Oferta de vagas cresce mais velozmente, por enquanto, nos modelos de previsão econômica

Depois do desemprego recorde, há sinais de melhora no mercado de trabalho, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Analistas do setor financeiro refazem suas contas, projetam crescimento econômico superior a 5% e apontam desocupação abaixo de 14% no fim do ano. O quadro continuará bem pior que os de outras grandes economias, mas será em parte explicável por um fato positivo. Com a recuperação da atividade, mais pessoas sairão em busca de vagas e isso afetará as estatísticas. Com esse movimento, a porcentagem de pessoas desocupadas permanecerá elevada. Mas, por enquanto, essa mudança é muito menos visível no dia a dia do que nas projeções e nas sondagens de expectativas. Expectativas, no entanto, podem fazer diferença.

A reativação econômica, a redução do número de mortes pela covid e a flexibilização das políticas preventivas “parecem contribuir” para a melhora do cenário, resumiu o pesquisador Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. “A expectativa para os próximos meses é de continuidade dessa recuperação”, acrescentou, “mas ainda existe muita incerteza.” Segundo ele, “o avanço da vacinação e o controle da pandemia continuam sendo fundamentais para o processo de retomada”. Como outros economistas brasileiros e estrangeiros, ele condiciona suas projeções ao sucesso das políticas de saúde baseadas na orientação científica, em evidente contraste com as posições defendidas, com persistência, pelo presidente Jair Bolsonaro.

A expectativa de maior oferta de vagas é traduzida em números no Indicador Antecedente de Emprego (IAEMP), elaborado mensalmente pela FGV. Em junho, esse indicador chegou a 87,6 pontos, o maior nível desde fevereiro do ano passado, anterior ao primeiro impacto da pandemia. Nesse mês o índice ficou em 92 pontos. O degrau mais baixo, de número 39,7, foi atingido em abril de 2020. A recuperação começou em maio, com os primeiros sinais de repique da produção industrial e das vendas do comércio varejista.

A retomada dos serviços, importante fonte de empregos, começou em junho e tem sido muito lenta. O risco ainda muito grande de contaminação pela covid continua prejudicando o setor, especialmente nos segmentos muito dependentes do atendimento presencial, como os da alimentação, da hospedagem e dos serviços de beleza.

Divulgado ontem, o indicador de tendência do emprego resulta da combinação de sondagens do consumidor, da indústria, dos serviços e da construção. Nesses levantamentos são coletadas informações sobre situação atual dos negócios, tendências e previsões de criação de vagas. Em junho, todas essas consultas mostraram avaliações positivas da condição presente e das perspectivas da atividade e da evolução do quadro do pessoal.

A síntese das sondagens setoriais é o Índice de Confiança Empresarial (ICE). Esse indicador subiu 4,3 pontos em junho e chegou a 98,8, o maior valor desde dezembro de 2013. Houve evolução positiva nos índices da indústria, dos serviços, do comércio, da construção e do consumidor. A melhora apareceu na avaliação das condições presentes e nas expectativas, mas só as fontes da indústria confirmaram a recuperação das perdas do bimestre março-abril de 2020. A pior situação é a dos consumidores, com reposição de apenas 77% daqueles danos.

A recuperação mais precária dos consumidores é provavelmente explicável pela persistência do alto desemprego, pela redução – com suspensão por três meses – do auxílio emergencial, pelas más condições da ocupação disponível e pela inflação elevada. Os preços ao consumidor subiram mais de 8% em 12 meses, impondo enormes dificuldades a dezenas de milhões de pessoas.

O prolongamento do auxílio emergencial por três meses dará alívio temporário e muito limitado a essas famílias. A solução mais efetiva, a maior oferta de vagas, ainda vai demorar. Se o desemprego cair para 12,1% no fim do ano, como indica a projeção de um grande banco, ainda será muito alto. Mesmo com crescimento econômico de 5,5%, a recuperação apenas terá começado.

Fiéis na corte

Folha de S. Paulo

Indicação de outro nome alinhado a Bolsonaro para o STF exige exame rigoroso

A história sugere que todo ministro do Supremo Tribunal Federal em pouco tempo começa a se distanciar do presidente da República que o indicou, exibindo independência para ganhar o respeito dos pares e influência na corte.

Não foi esse o caso, até aqui, de Kassio Nunes Marques, o escolhido por Jair Bolsonaro para preencher a vaga aberta pela aposentadoria de Celso de Mello no ano passado.

Há oito meses no tribunal, o magistrado tem se alinhado com os interesses do mandatário em sucessivos julgamentos e parece mais preocupado em demonstrar fidelidade com seus votos do que em contribuir para a construção da jurisprudência da corte.

Foi assim quando se discutiram no STF a realização de cultos religiosos durante a pandemia, a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e outros assuntos.

O ministro ficou isolado com suas posições, que frequentemente contrariaram o entendimento firmado por decisões anteriores dos colegas e por vezes desafiaram o bom senso —como a liminar esdrúxula que em abril liberou os cultos na pandemia, revogada pelo plenário logo depois.

Nesta terça (6), Bolsonaro anunciou a auxiliares que nomeará o chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, para a vaga que se abrirá no tribunal na próxima semana com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.

Se Nunes Marques era praticamente um desconhecido quando foi alçado ao tribunal, não há mistério no caso de Mendonça, servidor público de carreira que aderiu ao bolsonarismo desde o início e não perde oportunidade de se curvar diante do presidente.

No breve período em que esteve à frente do Ministério da Justiça, usou a Lei de Segurança Nacional para tentar intimidar críticos do governo e se pôs a serviço até de Abraham Weintraub, o celerado ex-ministro da Educação que chegou a incitar o chefe do Executivo contra o Supremo.

Mendonça tem percorrido gabinetes em busca de apoio desde que seu nome começou a ser ventilado para o cargo. É mal visto no Senado, que terá a tarefa de examinar a indicação, e dentro do próprio tribunal no qual quer ingressar.

Mas tudo sugere que Bolsonaro não se importa com as críticas que o escolhido tem recebido. Sua prioridade é cumprir a promessa feita há tempos a líderes evangélicos, indicando um dos seus para o Supremo —se não der certo, poderá dizer que ao menos tentou.

Dada a maneira negligente com que o presidente faz suas escolhas, caberá apenas ao Senado examinar as qualificações do novo candidato a juiz —o que deveria fazer sem a tradicional complacência.

Custoso anacronismo

Folha de S. Paulo

Mesmo revistos, privilégios como pensões a filhas de militares pressionam erário

Na longa lista de privilégios previdenciários auferidos pelos membros das Forças Armadas no Brasil, a pensão para seus dependentes, sobretudo a destinada às filhas, merece lugar de destaque.

Regido pela lei 3.765 de 1960, o benefício era, até 2001, vitalício para as herdeiras de militares, desde que se mantivessem solteiras. Uma medida provisória editada naquele ano extinguiu o anacronismo.

A revisão, no entanto, não se aplica àquelas que já haviam conquistado a benesse até aquele momento ou às filhas dos militares que houvessem ingressado na carreira antes da modificação do diploma.
Como se não bastasse, esse mundo à parte vinha também envolto pelas brumas do sigilo. Não mais.

Na semana passada, a Controladoria-Geral da União divulgou, pela primeira vez, informações detalhadas de tais pensões, incluindo os nomes dos beneficiários.

A abertura dessa caixa-preta atendeu a uma determinação do Tribunal de Contas da União, a qual, por sua vez, foi motivada por reclamações apresentadas pela agência de dados Fiquem Sabendo.

O que se entrevê ali são distorções e regalias que drenam, todos os anos, bilhões dos cofres públicos.

Apenas no período de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021, com o país enfrentando grave crise fiscal, as pensões de dependentes consumiram do erário nada menos que R$ 19,3 bilhões. O valor corresponde a quase dez vezes a quantia necessária para a realização do censo neste ano —suspenso, como se sabe, após ser completamente desidratado no Orçamento.

Dentre os 226 mil beneficiários, as filhas de militares mortos correspondem à maior fatia, 60%. Algumas, além disso, embolsaram valores acima do teto constitucional de R$ 39,3 mil mensais.

No total, ao menos 77 pensionistas receberam mais do que o limite em fevereiro deste ano —48 destes em decorrência de algum pagamento extraordinário, mas 29 pela pensão habitual.

Ao menos a reforma previdenciária trouxe algum avanço na questão, ao criar alíquotas de contribuição para pensionistas, que atingem 13,5% no caso de filhas que ganham o benefício vitalício.

Esta Folha considera defensável um regime previdenciário diferenciado para os militares, dadas as peculiaridades da carreira, mas as benesses do modelo brasileiro são excessivas —e correções feitas em 2019, infelizmente, se fizeram acompanhar de ganhos salariais.

BC cria mecanismos de emprestador aos bancos

Valor Econômico

Com um sistema permanente de assistência de liquidez, o BC seguir com seu projeto de redução das exigências de depósitos compulsórios

Os bancos centrais foram criados, originalmente, para atuar como emprestadores de última instância e evitar corridas bancárias. No Brasil, porém, esse papel não vinha sendo plenamente desempenhado, devido a deficiências de nossas instituições. Esse problema deve ser, finalmente, resolvido com a criação de duas linhas de assistência financeira de liquidez, anunciadas na semana passada pela autoridade monetária.

A Linha de Liquidez Imediata (LLI) vai conceder empréstimos de curtíssimo prazo aos bancos, de forma automática, tomando como garantia uma cesta de títulos privados previamente selecionados. Já a Linha de Liquidez a Termo (LLT) vai liberar recursos aos bancos, com prazo até 359 dias, em operações também lastreadas por papéis privados, de acordo com uma avaliação discricionária do Banco Central. Nos dois casos, os bancos vão pagar um prêmio em relação aos juros básicos da economia.

Hoje, já há linhas de assistência de liquidez, como o chamado redesconto, mas elas não têm sido acionadas. De um lado, o BC relutava em conceder empréstimos, devido ao risco de seus dirigentes serem acionados judicialmente em caso de inadimplência. De outro lado, as instituições financeiras se recusavam a acioná-las, para evitar o estigma de quem toma recursos no redesconto.

Diante desse impasse, a autoridade monetária se viu obrigada a utilizar outros meios para injetar liquidez no sistema bancário durante as crises. Esse papel vinha sendo desempenhado sobretudo pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Em períodos mais críticos, como na crise financeira mundial de 2008, a solução foi liberar depósitos compulsórios e criar incentivos para os recursos serem canalizados para os bancos que mais precisavam.

A única linha de assistência que, nos últimos anos, vinha operando a contento no Brasil era a “standing facility”, em que o Banco Central libera recursos com prazo de apenas um dia tomando como colateral títulos públicos federais.

Embora tenham ajudado o sistema financeiro a atravessar as crises, esses improvisos estavam longe do ideal. O jornalista e financista Walter Bagehot cunhou o princípio, no século XIX, de que nas crises os bancos centrais devem emprestar livremente ao sistema financeiro, desde que garantidos por bons colaterais. Os BCs são os agentes que podem definitivamente desatar nós de liquidez porque são os únicos com poder de emitir moeda das suas jurisdições. Sem o BC, o dinheiro não flui para todos os cantos do sistema bancário, por mais que o FGC se esforce para exercer esse papel e por maior que seja a liberação de compulsórios.

Diante dessa deficiência, os bancos naturalmente procuram manter um excesso de liquidez em seus caixas. Também relutam em encarteirar papéis com menor liquidez, como títulos privados, e preferem manter em balanço papéis do governo. Isso gera ineficiências no mercado e atrapalha o pleno funcionamento da intermediação financeira.

O Banco Central já vinha trabalhando, nos últimos anos, na criação das novas linhas de assistência de liquidez, fruto de um longo trabalho de aperfeiçoamento institucional. O recuo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a partir do governo Temer, e a queda dos juros básicos da economia abriram espaço para o desenvolvimento do mercado de títulos privados.

Esses papéis hoje são emitidos com maior volume, têm maior liquidez e o referencial de preços ficou mais seguro - o que permite que sejam aceitos como garantia nas novas linhas de assistência de liquidez.

A criação da LLI e LLT foi acelerada no ano passado, com a pandemia, quando o Banco Central colocou em funcionamento, às pressas, algumas linhas para direcionar recursos ao sistema financeiro e manter o crédito fluindo na economia. O BC queimou etapas no aprendizado. Apenas uma das linhas liberou R$ 69,9 bilhões em 2020, tomando como garantia papéis lastreados por empréstimos bancários.

Com um sistema permanente de assistência de liquidez, o BC poderá dar seguimento ao seu projeto de redução estrutural das exigências de depósitos compulsórios dos bancos. Até então, o BC mantinha um colchão de liquidez no sistema maior justamente para usar nas emergências. Os altos compulsórios representam um custo para as instituições financeiras e encarecem os juros e os spreads bancários no país.

Militares em escândalos na Saúde constrangem as Forças Armadas

O Globo

Com sua tendência a militarizar a administração, o governo Bolsonaro imaginou que colocar uma “tropa” no Ministério da Saúde seria uma decisão acertada para derrotar o novo coronavírus. Quase um ano e meio de pandemia depois, constata-se que a estratégia fracassou. Com mais de 525 mil mortos, o enfrentamento à pandemia é esquadrinhado por uma CPI para que se apurem erros e omissões. Militares, que chegaram à Saúde para evitar irregularidades, estão hoje no centro dos escândalos.

Em depoimento à CPI da Covid, o servidor Luis Ricardo Miranda, chefe de Importação do Departamento de Logística, disse ter recebido pressões de superiores — entre eles o tenente-coronel Alex Lial Marinho e o coronel Marcelo Bento Pires — para apressar a importação da vacina Covaxin, a mais cara entre todas as contratadas pelo governo. Marinho, que foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos, deixou o ministério no início de junho, retornando ao Exército. Pires, que atuava na logística de vacinas, também não ocupa mais cargo na pasta.

Outro militar em evidência nos escândalos das vacinas é o tenente-coronel Marcelo Blanco da Costa. Noutro episódio sob investigação (as negociações malogradas para comprar 400 milhões de vacinas da AstraZeneca), Blanco foi citado pelo cabo da PM Luiz Paulo Dominguetti como participante do jantar, em 25 de fevereiro, em que o então diretor de Logística, Roberto Dias, cobrou, segundo Dominguetti, US$ 1 de propina por dose. Dias nega. Blanco confirma o encontro, mas também nega que tenha ouvido pedido de propina.

O próprio general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, é alvo de investigações sobre falhas na crise de Manaus, omissão na compra de vacinas e uso de drogas ineficazes contra a Covid-19 no famigerado “tratamento precoce”. Ex-número dois de Pazuello, o coronel Elcio Franco recebeu no Ministério da Saúde intermediários aventureiros que tentavam vender ao governo vacinas que não tinham.

A ênfase dada aos militares na pandemia fica evidente também na distribuição das verbas. Como informou a coluna de Malu Gaspar no GLOBO, parte dos recursos extras para o SUS acabou destinada a gastos de rotina da caserna, de acordo com análise de Elida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo. Segundo o relatório, enviado à CPI, ao menos R$ 140 milhões da verba emergencial foram parar no Ministério da Defesa, sem justificativas.

A despeito da tropa escalada para reforçar o ministério, a pasta se tornou um balcão de negócios para tratativas espúrias, enquanto brasileiros morriam aos milhares vítimas de negligência. Vacinas que não existiam, outras mais caras, pedidos de pagamentos antecipados em prejuízo ao Erário, toda sorte de negociação nebulosa que precisa ser investigada. Até agora, a atuação dos militares na Saúde só tem servido para embaraçar o governo e constranger as Forças Armadas, cuja imagem se deteriora a cada dia pela associação com o governo Bolsonaro.

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