EDITORIAIS
A estreita visão do governo
O Estado de S. Paulo
O bem-estar da população passa ao largo do
rol de preocupações do presidente da República. Jair Bolsonaro só tem olhos
para a eleição de 2022.
O presidente Jair Bolsonaro editou medida
provisória no início desta semana prorrogando o pagamento do auxílio
emergencial por três meses. Cerca de 39 milhões de brasileiros receberão entre
R$ 150 e R$ 375 até outubro. A nova rodada de pagamentos, portanto, segue os
moldes da anterior, tanto em valores como em público-alvo.
Com o País ainda devastado pelos efeitos da
pandemia de covid-19, prorrogar o auxílio emergencial era o mínimo a fazer, até
mesmo por imposição humanitária. A taxa de desemprego beira os 15%, a inflação
acima do teto da meta corrói a renda dos que ainda a têm e o espectro da fome
ronda os lares de milhões de brasileiros. O grande problema é que Bolsonaro é
um presidente do tipo que se contenta com o mínimo a fazer, especialmente quando
este mínimo é o que ele precisa para tentar estancar a vertiginosa queda de sua
popularidade.
A esta altura, já está claro para a maioria dos brasileiros – como pesquisas de opinião sobre o governo podem atestar – que o bem-estar da população passa ao largo do rol de preocupações do presidente da República. Bolsonaro só tem olhos para a eleição de 2022. Neste sentido, prorrogar o auxílio emergencial não se pauta por outra coisa que não o mero cálculo eleitoral. Caso estivesse genuinamente preocupado com a situação periclitante de milhões de brasileiros, Bolsonaro teria dedicado tempo e energia para melhor formular e implementar seu plano de transferência de renda, uma reformulação do programa Bolsa Família que o governo pretende chamar de Renda Brasil.
“Estamos prorrogando o auxílio emergencial
por mais três meses enquanto acertamos o valor do novo Bolsa Família para o ano
que vem”, disse o presidente durante breve cerimônia em seu gabinete. Por sua
vez, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a prometer o lançamento do
Renda Brasil ainda neste ano. Já o ministro da Cidadania, João Roma, afirmou
que o programa será lançado em novembro próximo. Bolsonaro fala em 2022, Guedes
é impreciso e Roma promete o Renda Brasil para daqui a cinco meses. Uma conversa
entre os três poderia resolver ao menos o problema de comunicação.
A prorrogação do auxílio emergencial,
repita-se, era o certo a fazer. Mais certo, porém, teria sido o governo
compreender, ainda em 2020, o sentido da palavra “emergencial” e ter planejado a
transição para o novo Bolsa Família, reformulado. Não o fez porque só planeja
quem tem um plano a executar. A ausência de um programa de governo claro e
exequível é um vício fundamental deste governo. Igualmente, a visão estreita.
Basta lembrar que o ministro da Economia, não faz muito tempo, falou em
“surpresa” pela irrupção da segunda onda de covid-19 no País, ainda mais mortal
do que a primeira. Não foram poucos os epidemiologistas que alertaram para este
risco.
Um programa de transferência de renda, seja
como for chamado, é imperativo em um país tão desigual como o Brasil. Mas não
deve ser um fim em si mesmo. É dever do governo planejar uma política econômica
que propicie as condições para o crescimento da atividade, este, sim, capaz de
mudar a vida das pessoas de forma consistente. A política econômica há de vir
acompanhada por uma política de educação igualmente bem elaborada e
implementada. No Brasil sob Jair Bolsonaro, não há uma coisa nem outra.
Ao presidente, ao que parece, interessa
mais lançar mão de políticas pontuais de claro viés eleiçoeiro do que atacar os
problemas que pairam sobre sua mesa de trabalho com mais responsabilidade.
Bolsonaro não mobilizou seu governo para mudar profundamente a realidade que
submete milhões de seus concidadãos à pobreza, ao desemprego e à fome. Agora,
acossado que está por graves denúncias de corrupção na aquisição de vacinas,
pela acusação da prática de “rachadinhas” e, como se não bastasse, pelos
achados de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que tem lançado luz
sobre o descalabro que é a resposta federal à crise sanitária, tenta de
qualquer forma se manter de pé do ponto de vista eleitoral, dado que a atual
conjuntura política lhe é flagrantemente desfavorável.
Uma reforma eleitoral desastrada
O Estado de S. Paulo
O ‘distritão’ enfraquece a democracia
representativa ao desvalorizar os partidos
A democracia exige eleições periódicas. A cada quatro anos, o eleitor escolhe quem serão seus representantes no Executivo e no Legislativo, nas três esferas da Federação. No Brasil, o Congresso inventou uma outra modalidade de evento recorrente, atrelado às eleições: a reforma eleitoral rotineiramente realizada a cada dois anos. Não tem ano prévio às eleições em que o Congresso não aprove uma reforma eleitoral.
Essa contínua revisão das regras eleitorais
é, por si só, disfuncional. No entanto, neste ano, a reforma eleitoral
discutida no Congresso não apenas desrespeita a estabilidade mínima de que a
lei deve dispor, como tem levantado uma série de propostas que são verdadeiros
desastres.
Uma dessas medidas prejudiciais é a criação
do chamado “distritão”, sistema de eleição majoritária, em grandes
circunscrições, para o Legislativo. Hoje, os deputados são eleitos pelo sistema
proporcional, no qual o preenchimento das vagas é definido de acordo com o
número de votos para cada partido e o quociente eleitoral. No “distritão”, são
eleitos os candidatos com o maior número de votos em cada Estado, sem levar em
conta os votos que cada legenda recebeu.
A eleição majoritária em grandes
circunscrições para o Legislativo favorece candidatos já conhecidos, como
personalidades artísticas, lideranças religiosas e caciques políticos. Além de
tornar mais difícil a renovação política, a proposta enfraquece a democracia
representativa, desvalorizando os partidos. Com o “distritão”, os eleitos
representam apenas a si mesmos.
A proposta é tão prejudicial para a
qualidade da representação política que o presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, tem alertado para as suas
consequências danosas. “O ‘distritão’ não barateia as campanhas, talvez
encareça. Ele enfraquece os partidos e será dramático para a representação das
minorias”, disse o presidente do TSE, em recente debate do Senado.
O senador Marcelo Castro (MDB-PI) lembrou
que o “distritão” aumenta a fragmentação partidária das Casas Legislativas, o
que é também um evidente retrocesso. Nos últimos anos, o objetivo foi
precisamente implementar medidas, como a cláusula de barreira, para reduzir o
número de legendas no Legislativo, de modo a melhorar a representação política
e a governabilidade.
Com o atual número de partidos – e que
tenderia a aumentar com a implementação do “distritão” –, há um incentivo para
o toma lá dá cá. Simplesmente, não tem cabimento o Congresso aprovar mudanças
que favoreçam, em alguma medida, o uso da política como balcão de negócios.
Além do “distritão”, o Congresso debate, no
âmbito da reforma eleitoral, uma possível volta das coligações partidárias nas
eleições proporcionais, proibidas pela Emenda Constitucional (EC) 97/2017.
Aplicada pela primeira vez nas eleições
municipais de 2020, a restrição de coligações é importante proteção do voto.
Antes, o voto em determinado candidato podia eleger outro candidato, de outro partido,
em razão de um acordo entre as legendas. Não faz sentido retirar a proibição
das coligações antes de sua aplicação nas esferas federal e estadual.
Também houve a tentativa, por parte de
alguns parlamentares, de viabilizar a volta das doações de pessoas jurídicas a
candidatos e partidos políticos. Além de ser um desrespeito com a Constituição
e com a lisura do sistema políticoeleitoral, a manobra é outro grave
retrocesso, do ponto de vista das negociatas político partidárias.
Além disso, a Câmara pôs para tramitar, em
regime de urgência, um projeto de lei, apresentado em 2015 no Senado, que tenta
burlar a cláusula de barreira. O Projeto de Lei (PL) 2.522/15 possibilita que
dois ou mais partidos se reúnam em uma federação.
Com uma taxa inédita de renovação das
cadeiras, a atual legislatura foi eleita com o objetivo explícito de renovar as
práticas políticas. Seria uma burla com o eleitor que este Congresso, em vez de
melhorar a legislação, aprovasse medidas que fortalecem os feudos políticos e
distorcem a representação.
Nas projeções, o emprego melhora
O Estado de S. Paulo
Oferta de vagas cresce mais velozmente, por enquanto, nos modelos de previsão econômica
Depois do desemprego recorde, há sinais de
melhora no mercado de trabalho, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV).
Analistas do setor financeiro refazem suas contas, projetam crescimento
econômico superior a 5% e apontam desocupação abaixo de 14% no fim do ano. O
quadro continuará bem pior que os de outras grandes economias, mas será em
parte explicável por um fato positivo. Com a recuperação da atividade, mais
pessoas sairão em busca de vagas e isso afetará as estatísticas. Com esse
movimento, a porcentagem de pessoas desocupadas permanecerá elevada. Mas, por
enquanto, essa mudança é muito menos visível no dia a dia do que nas projeções
e nas sondagens de expectativas. Expectativas, no entanto, podem fazer
diferença.
A reativação econômica, a redução do número
de mortes pela covid e a flexibilização das políticas preventivas “parecem
contribuir” para a melhora do cenário, resumiu o pesquisador Rodolpho Tobler,
do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. “A expectativa para os próximos
meses é de continuidade dessa recuperação”, acrescentou, “mas ainda existe
muita incerteza.” Segundo ele, “o avanço da vacinação e o controle da pandemia
continuam sendo fundamentais para o processo de retomada”. Como outros
economistas brasileiros e estrangeiros, ele condiciona suas projeções ao
sucesso das políticas de saúde baseadas na orientação científica, em evidente
contraste com as posições defendidas, com persistência, pelo presidente Jair
Bolsonaro.
A expectativa de maior oferta de vagas é
traduzida em números no Indicador Antecedente de Emprego (IAEMP), elaborado
mensalmente pela FGV. Em junho, esse indicador chegou a 87,6 pontos, o maior
nível desde fevereiro do ano passado, anterior ao primeiro impacto da pandemia.
Nesse mês o índice ficou em 92 pontos. O degrau mais baixo, de número 39,7, foi
atingido em abril de 2020. A recuperação começou em maio, com os primeiros
sinais de repique da produção industrial e das vendas do comércio varejista.
A retomada dos serviços, importante fonte
de empregos, começou em junho e tem sido muito lenta. O risco ainda muito
grande de contaminação pela covid continua prejudicando o setor, especialmente
nos segmentos muito dependentes do atendimento presencial, como os da
alimentação, da hospedagem e dos serviços de beleza.
Divulgado ontem, o indicador de tendência
do emprego resulta da combinação de sondagens do consumidor, da indústria, dos
serviços e da construção. Nesses levantamentos são coletadas informações sobre
situação atual dos negócios, tendências e previsões de criação de vagas. Em
junho, todas essas consultas mostraram avaliações positivas da condição
presente e das perspectivas da atividade e da evolução do quadro do pessoal.
A síntese das sondagens setoriais é o
Índice de Confiança Empresarial (ICE). Esse indicador subiu 4,3 pontos em junho
e chegou a 98,8, o maior valor desde dezembro de 2013. Houve evolução positiva nos
índices da indústria, dos serviços, do comércio, da construção e do consumidor.
A melhora apareceu na avaliação das condições presentes e nas expectativas, mas
só as fontes da indústria confirmaram a recuperação das perdas do bimestre
março-abril de 2020. A pior situação é a dos consumidores, com reposição de
apenas 77% daqueles danos.
A recuperação mais precária dos
consumidores é provavelmente explicável pela persistência do alto desemprego,
pela redução – com suspensão por três meses – do auxílio emergencial, pelas más
condições da ocupação disponível e pela inflação elevada. Os preços ao
consumidor subiram mais de 8% em 12 meses, impondo enormes dificuldades a
dezenas de milhões de pessoas.
O prolongamento do auxílio emergencial por três meses dará alívio temporário e muito limitado a essas famílias. A solução mais efetiva, a maior oferta de vagas, ainda vai demorar. Se o desemprego cair para 12,1% no fim do ano, como indica a projeção de um grande banco, ainda será muito alto. Mesmo com crescimento econômico de 5,5%, a recuperação apenas terá começado.
Fiéis na corte
Folha de S. Paulo
Indicação de outro nome alinhado a
Bolsonaro para o STF exige exame rigoroso
A história sugere que todo ministro do
Supremo Tribunal Federal em pouco tempo começa a se distanciar do presidente da
República que o indicou, exibindo independência para ganhar o respeito dos
pares e influência na corte.
Não foi esse o caso, até aqui, de Kassio
Nunes Marques, o escolhido por Jair Bolsonaro para preencher a vaga aberta pela
aposentadoria de Celso de Mello no ano passado.
Há oito meses no tribunal, o magistrado tem
se alinhado com
os interesses do mandatário em sucessivos julgamentos e parece
mais preocupado em demonstrar fidelidade com seus votos do que em contribuir
para a construção da jurisprudência da corte.
Foi assim quando se discutiram no STF a
realização de cultos religiosos durante a pandemia, a possibilidade de
reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e outros
assuntos.
O ministro ficou isolado com suas posições,
que frequentemente contrariaram o entendimento firmado por decisões anteriores
dos colegas e por vezes desafiaram o bom senso —como a liminar esdrúxula que em
abril liberou os cultos na pandemia, revogada pelo plenário logo depois.
Nesta terça (6), Bolsonaro anunciou a
auxiliares que nomeará o
chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, para a vaga que
se abrirá no tribunal na próxima semana com a aposentadoria do ministro Marco
Aurélio Mello.
Se Nunes Marques era praticamente um
desconhecido quando foi alçado ao tribunal, não há mistério no caso de
Mendonça, servidor público de carreira que aderiu ao bolsonarismo desde o
início e não perde oportunidade de se curvar diante do presidente.
No breve período em que esteve à frente do
Ministério da Justiça, usou a Lei de Segurança Nacional para tentar intimidar
críticos do governo e se pôs a serviço até de Abraham Weintraub, o celerado
ex-ministro da Educação que chegou a incitar o chefe do Executivo contra o
Supremo.
Mendonça tem percorrido gabinetes em busca
de apoio desde que seu nome começou a ser ventilado para o cargo. É mal visto
no Senado, que terá a tarefa de examinar a indicação, e dentro do próprio
tribunal no qual quer ingressar.
Mas tudo sugere que Bolsonaro não se
importa com as críticas que o escolhido tem recebido. Sua prioridade é cumprir
a promessa feita há tempos a líderes evangélicos, indicando um dos seus para o
Supremo —se não der certo, poderá dizer que ao menos tentou.
Dada a maneira negligente com que o
presidente faz suas escolhas, caberá apenas ao Senado examinar as qualificações
do novo candidato a juiz —o que deveria fazer sem a tradicional complacência.
Custoso anacronismo
Folha de S. Paulo
Mesmo revistos, privilégios como pensões a
filhas de militares pressionam erário
Na longa lista de privilégios
previdenciários auferidos pelos membros das Forças Armadas no Brasil, a pensão
para seus dependentes, sobretudo a destinada às filhas, merece lugar de
destaque.
Regido pela lei 3.765 de 1960, o benefício
era, até 2001, vitalício para as herdeiras de militares, desde que se
mantivessem solteiras. Uma medida provisória editada naquele ano extinguiu o
anacronismo.
A revisão, no entanto, não se aplica
àquelas que já haviam conquistado a benesse até aquele momento ou às filhas dos
militares que houvessem ingressado na carreira antes da modificação do diploma.
Como se não bastasse, esse mundo à parte vinha também envolto pelas brumas do
sigilo. Não mais.
Na semana passada, a Controladoria-Geral da
União divulgou, pela primeira vez, informações detalhadas de tais pensões,
incluindo os nomes dos beneficiários.
A abertura dessa caixa-preta atendeu a uma
determinação do Tribunal de Contas da União, a qual, por sua vez, foi motivada
por reclamações apresentadas pela agência de dados Fiquem Sabendo.
O que se entrevê ali são distorções e
regalias que drenam, todos os anos, bilhões dos cofres públicos.
Apenas no período de janeiro de 2020 a
fevereiro de 2021, com o país enfrentando grave crise fiscal, as pensões de
dependentes consumiram do erário nada menos que R$ 19,3 bilhões. O valor
corresponde a quase dez vezes a quantia necessária para a realização do censo
neste ano —suspenso, como se sabe, após ser completamente desidratado no
Orçamento.
Dentre os 226 mil beneficiários, as filhas
de militares mortos correspondem à maior fatia, 60%. Algumas, além disso,
embolsaram valores acima do teto constitucional de R$ 39,3 mil mensais.
No total, ao menos 77 pensionistas
receberam mais do que o limite em fevereiro deste ano —48 destes em decorrência
de algum pagamento extraordinário, mas 29 pela pensão habitual.
Ao menos a reforma previdenciária trouxe
algum avanço na questão, ao criar alíquotas de contribuição para pensionistas,
que atingem 13,5% no caso de filhas que ganham o benefício vitalício.
Esta Folha considera defensável
um regime previdenciário diferenciado para os militares, dadas as peculiaridades
da carreira, mas as benesses do modelo brasileiro são excessivas —e correções
feitas em 2019, infelizmente, se fizeram acompanhar de ganhos salariais.
BC cria mecanismos de emprestador aos
bancos
Valor Econômico
Com um sistema permanente de assistência de
liquidez, o BC seguir com seu projeto de redução das exigências de depósitos
compulsórios
Os bancos centrais foram criados,
originalmente, para atuar como emprestadores de última instância e evitar
corridas bancárias. No Brasil, porém, esse papel não vinha sendo plenamente
desempenhado, devido a deficiências de nossas instituições. Esse problema deve
ser, finalmente, resolvido com a criação de duas linhas de assistência
financeira de liquidez, anunciadas na semana passada pela autoridade monetária.
A Linha de Liquidez Imediata (LLI) vai
conceder empréstimos de curtíssimo prazo aos bancos, de forma automática,
tomando como garantia uma cesta de títulos privados previamente selecionados.
Já a Linha de Liquidez a Termo (LLT) vai liberar recursos aos bancos, com prazo
até 359 dias, em operações também lastreadas por papéis privados, de acordo com
uma avaliação discricionária do Banco Central. Nos dois casos, os bancos vão
pagar um prêmio em relação aos juros básicos da economia.
Hoje, já há linhas de assistência de
liquidez, como o chamado redesconto, mas elas não têm sido acionadas. De um
lado, o BC relutava em conceder empréstimos, devido ao risco de seus dirigentes
serem acionados judicialmente em caso de inadimplência. De outro lado, as
instituições financeiras se recusavam a acioná-las, para evitar o estigma de
quem toma recursos no redesconto.
Diante desse impasse, a autoridade
monetária se viu obrigada a utilizar outros meios para injetar liquidez no
sistema bancário durante as crises. Esse papel vinha sendo desempenhado
sobretudo pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Em períodos mais críticos,
como na crise financeira mundial de 2008, a solução foi liberar depósitos
compulsórios e criar incentivos para os recursos serem canalizados para os
bancos que mais precisavam.
A única linha de assistência que, nos
últimos anos, vinha operando a contento no Brasil era a “standing facility”, em
que o Banco Central libera recursos com prazo de apenas um dia tomando como
colateral títulos públicos federais.
Embora tenham ajudado o sistema financeiro
a atravessar as crises, esses improvisos estavam longe do ideal. O jornalista e
financista Walter Bagehot cunhou o princípio, no século XIX, de que nas crises
os bancos centrais devem emprestar livremente ao sistema financeiro, desde que
garantidos por bons colaterais. Os BCs são os agentes que podem definitivamente
desatar nós de liquidez porque são os únicos com poder de emitir moeda das suas
jurisdições. Sem o BC, o dinheiro não flui para todos os cantos do sistema
bancário, por mais que o FGC se esforce para exercer esse papel e por maior que
seja a liberação de compulsórios.
Diante dessa deficiência, os bancos
naturalmente procuram manter um excesso de liquidez em seus caixas. Também
relutam em encarteirar papéis com menor liquidez, como títulos privados, e
preferem manter em balanço papéis do governo. Isso gera ineficiências no
mercado e atrapalha o pleno funcionamento da intermediação financeira.
O Banco Central já vinha trabalhando, nos
últimos anos, na criação das novas linhas de assistência de liquidez, fruto de
um longo trabalho de aperfeiçoamento institucional. O recuo do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a partir do governo Temer, e a
queda dos juros básicos da economia abriram espaço para o desenvolvimento do
mercado de títulos privados.
Esses papéis hoje são emitidos com maior
volume, têm maior liquidez e o referencial de preços ficou mais seguro - o que
permite que sejam aceitos como garantia nas novas linhas de assistência de
liquidez.
A criação da LLI e LLT foi acelerada no ano
passado, com a pandemia, quando o Banco Central colocou em funcionamento, às
pressas, algumas linhas para direcionar recursos ao sistema financeiro e manter
o crédito fluindo na economia. O BC queimou etapas no aprendizado. Apenas uma
das linhas liberou R$ 69,9 bilhões em 2020, tomando como garantia papéis
lastreados por empréstimos bancários.
Com um sistema permanente de assistência de liquidez, o BC poderá dar seguimento ao seu projeto de redução estrutural das exigências de depósitos compulsórios dos bancos. Até então, o BC mantinha um colchão de liquidez no sistema maior justamente para usar nas emergências. Os altos compulsórios representam um custo para as instituições financeiras e encarecem os juros e os spreads bancários no país.
Militares em escândalos na Saúde
constrangem as Forças Armadas
O Globo
Com sua tendência a militarizar a
administração, o governo Bolsonaro imaginou que colocar uma “tropa” no
Ministério da Saúde seria uma decisão acertada para derrotar o novo
coronavírus. Quase um ano e meio de pandemia depois, constata-se que a
estratégia fracassou. Com mais de 525 mil mortos, o enfrentamento à pandemia é
esquadrinhado por uma CPI para que se apurem erros e omissões. Militares, que
chegaram à Saúde para evitar irregularidades, estão hoje no centro dos escândalos.
Em depoimento à CPI da Covid, o servidor
Luis Ricardo Miranda, chefe de Importação do Departamento de Logística, disse
ter recebido pressões de superiores — entre eles o tenente-coronel Alex Lial
Marinho e o coronel Marcelo Bento Pires — para apressar a importação da vacina
Covaxin, a mais cara entre todas as contratadas pelo governo. Marinho, que foi
coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos, deixou o ministério no
início de junho, retornando ao Exército. Pires, que atuava na logística de
vacinas, também não ocupa mais cargo na pasta.
Outro militar em evidência nos escândalos
das vacinas é o tenente-coronel Marcelo Blanco da Costa. Noutro episódio sob
investigação (as negociações malogradas para comprar 400 milhões de vacinas da
AstraZeneca), Blanco foi citado pelo cabo da PM Luiz Paulo Dominguetti como
participante do jantar, em 25 de fevereiro, em que o então diretor de
Logística, Roberto Dias, cobrou, segundo Dominguetti, US$ 1 de propina por
dose. Dias nega. Blanco confirma o encontro, mas também nega que tenha ouvido
pedido de propina.
O próprio general da ativa Eduardo
Pazuello, ex-ministro da Saúde, é alvo de investigações sobre falhas na crise
de Manaus, omissão na compra de vacinas e uso de drogas ineficazes contra a
Covid-19 no famigerado “tratamento precoce”. Ex-número dois de Pazuello, o
coronel Elcio Franco recebeu no Ministério da Saúde intermediários aventureiros
que tentavam vender ao governo vacinas que não tinham.
A ênfase dada aos militares na pandemia
fica evidente também na distribuição das verbas. Como informou a coluna de Malu
Gaspar no GLOBO, parte dos recursos extras para o SUS acabou destinada a gastos
de rotina da caserna, de acordo com análise de Elida Graziane Pinto,
procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo. Segundo o relatório,
enviado à CPI, ao menos R$ 140 milhões da verba emergencial foram parar no
Ministério da Defesa, sem justificativas.
A despeito da tropa escalada para reforçar
o ministério, a pasta se tornou um balcão de negócios para tratativas espúrias,
enquanto brasileiros morriam aos milhares vítimas de negligência. Vacinas que
não existiam, outras mais caras, pedidos de pagamentos antecipados em prejuízo
ao Erário, toda sorte de negociação nebulosa que precisa ser investigada. Até
agora, a atuação dos militares na Saúde só tem servido para embaraçar o governo
e constranger as Forças Armadas, cuja imagem se deteriora a cada dia pela
associação com o governo Bolsonaro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário