O Globo / Folha de S. Paulo
As vacinas podem lhe custar o mandato
As pedaladas que custaram o mandato a Dilma
Rousseff tinham algo de malandragem contábil, só. O rolo das vacinas tem muito
mais que isso. Ainda faltam-lhe, contudo, as digitais de Jair Bolsonaro. Os
irmãos Miranda denunciaram a picaretagem indiana durante uma conversa, e ele
não fez nada. É forte, mas pode ser pouco.
Negacionismo só produz misérias. A
“gripezinha” abalou a credibilidade do governo em tudo que tem a ver com uma pandemia
que já matou mais de 525 mil brasileiros. O mandato de Jair Bolsonaro está em
perigo. Na melhor das hipóteses (para ele), a reeleição torna-se um sonho
perdido que milicianos não conseguirão reativar.
A Bolsonaro, de nada adianta mobilizar pelotões contra a CPI, maltratar repórteres ou falar para convertidos nas redes sociais. A compra de vacinas pelo governo brasileiro expôs um redemoinho de picaretagens. Um cabo da PM mineira diz que recebeu um pedido de pixuleco de US$ 1 para cada uma dos 400 milhões de doses da AstraZeneca. Capilé de US$ 400 milhões num golpe semelhante é coisa que não existe, mas outras libélulas giravam em torno da AstraZeneca. A vacina do cabo custaria US$ 4,50 (com o pixuleco incluído). Na mesma época, um misterioso operador oferecia-se para privatizar imunizações, oferecendo a mesma vacina a um grupo de empresários por US$ 23,79 a unidade. A proposta foi detonada pelos bilionários que seriam mordidos. Isso com a AstraZeneca.
Com a Covaxin indiana, o ministro Benjamin
Zymler, do Tribunal de Contas da União, pergunta ao governo por que a unidade,
negociada a US$ 10 em novembro do ano passado, foi contratada por US$ 15 em
fevereiro.
Todos os laboratórios reiteram que nada
tiveram a ver com essas ofertas. Tudo não passaria de conversa de
atravessadores, mas, em todos os casos (salvo no da oferta ao consórcio de
empresários), na outra ponta havia servidores públicos habilitados a negociar.
A única vacina que não foi rondada pela
turma do pixuleco foi a CoronaVac. Aquela que, segundo ele, NÃO SERÁ COMPRADA
(maiúsculas de Bolsonaro).
O capitão pode persistir no caminho do
vitupério. Nele, a Covid-19 era uma gripezinha, e as vacinas poderiam
transformar cidadãos em jacarés. Esse negacionismo já levou o país à ruína dos
525 mil mortos e mandou o governo às cordas. Recorrer aos militares, nem
pensar, pois eles já carregam o desastre do general Pazuello e dos coronéis que
ele levou para o Ministério da Saúde.
O tamanho do problema sugere que seria
conveniente nomear uma pessoa ou uma comissão independente para tratar dessa
cavalariça, limpando-a. Nada a ver com notáveis terrivelmente seja lá o que
for. Para fulanizar, apenas mostrando um perfil dessa pessoa. Poderia entregar
o caso ao ministro Marco Aurélio Mello, que está prestes a deixar o Supremo
Tribunal Federal.
Essa pessoa, ou comissão independente,
investigaria o que acontece no Ministério da Saúde e no seu entorno,
restringindo-se à questão do preço das vacinas. Terminado o serviço, entregaria
a Bolsonaro uma bandeja com a cabeça dos envolvidos, bem como uma avaliação de
seu papel nos episódios. Esse procedimento não tiraria das costas do capitão os
525 mil mortos da Covid-19, nem os quase 15 milhões de desempregados. No
mínimo, aliviaria o país de um aspecto de sua conduta irracional.
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