O Globo
Neste país complexo, o Rio Grande do Sul é
dos estados mais peculiares. Praticamente ingovernável. Mas a atual gestão faz
escola.
A história tem peso. O passado parece ter
forjado uma sociedade pouco coesa em seu conjunto e inclinada a polarizações. A
presença portuguesa só vingou com a chegada da família real, depois de muitas
disputas com espanhóis. O estado foi palco de várias revoltas.
A mais lembrada é a Guerra dos Farrapos, um
movimento separatista, mas houve outras tantas disputas internas (e sangrentas)
entre facções.
Compõe esse quadro a heterogeneidade
cultural – ao mesmo tempo uma benção e um desafio. O gaúcho era mestiço de
índio, português, espanhol e africano. A imigração europeia no século 19 tornou
a sociedade mais complexa.
Trazendo para os dias de hoje, não seria coincidência que governadores enfrentem tantas dificuldades para governar e não consigam se reeleger. Construir consensos para aprovar reformas é bastante desafiador e muitos comprometeram a higidez das contas públicas, possivelmente no anseio de agradar a muitos – uma postura que acaba alimentando demandas oportunistas de grupos organizados, corroendo o orçamento público.
Outra característica é a elevada
judicialização. Há alta incidência do RS nas ações no STF, ponderando pelo
tamanho da população, devido à própria litigiosidade nas instâncias anteriores.
O atual governo recebeu um estado quebrado,
com quase 3 anos com atrasos no pagamento da folha e bombas relógio a explodir.
A razão entre funcionários ativos (128 mil)
e inativos e pensionistas (209 mil) é a mais elevada no Brasil (dados de 2019),
sendo que 80% dos vínculos são na educação e na segurança, que contam com
regras mais generosas para aposentadoria.
Enquanto o número de ativos encolhe,
prejudicando a administração pública, o de inativos só faz crescer – a idade
média do funcionalismo é de 51 anos –, pressionando os gastos com Previdência.
Ao longo dos últimos anos, os governos
fizeram uso de expedientes inadequados para tentar fechar as contas: saques de
depósitos judiciais e do caixa único (com recursos de órgãos e demais poderes).
Totalizaram R$19 bilhões e precisam ser devolvidos.
Houve também sensível piora dos indicadores
de educação na última década. A 4ª maior renda per capita do País está no 12º
lugar no ranking de educação. Isso apesar do legado histórico: a imigração
europeia e a menor desigualdade na distribuição de terras resultaram em maiores
gastos com educação no passado, segundo pesquisas acadêmicas.
A gestão Eduardo Leite marca uma inflexão.
Sem demonizar governos anteriores, segue um roteiro pouco usual na política
brasileira: faz diagnóstico dos problemas com base em evidências e dados,
comunica a sociedade, apresenta as propostas de reforma e, com diálogo, negocia
sua aprovação.
Em pouco tempo, conduziu a mais completa
reforma da Previdência do País e um conjunto amplo de reformas administrativas
- com emendas à constituição e projetos de lei. Foram incluídos os atuais
servidores, inclusive magistério e militares, visando a conter o crescimento
vegetativo da folha e promover a eficiência
da máquina pública. Avança paulatinamente na ampla agenda de privatizações e
concessões.
Já colheu frutos em 2020, como a eliminação
do atraso na folha e sua redução (-3,8% em termos reais), e o menor déficit
previdenciário.
“O PIB do primeiro trimestre cresceu 5,5%
na variação anual, acima da média nacional de 1%.’
Tudo somado, a Pesquisa Atlas apontou
aprovação do governo em 47,2% em abril.
Os desafios são grandes. O estado ainda
recorre a liminares do STF para suspender o pagamento de dívida ao Tesouro, que
acumula R$12 bilhões de atraso. A ambiciosa reforma tributária, que prevê
redução de isenções, está atrasada. Na educação, houve avanço nos indicadores
do ensino médio, mas menos nos demais níveis e insuficiente para cumprir as
metas.
Os gestos políticos do governador são
simbólicos. Convidou toda a bancada federal gaúcha para a cerimônia de entrega
de viaturas e equipamentos de segurança para as polícias, por terem viabilizado
as emendas parlamentares para sua aquisição.
Com valores republicanos e democráticos,
sua habilidade política ganha mais importância na crise atual. Sem isso, grupos
organizados bloqueiam reformas em meio à apatia da sociedade.
A democracia ganha com a competição na
política. Com diversidade, ainda mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário