Folha de S. Paulo
Talvez seja necessário dar doses 2 mais
cedo, diminuindo intervalo entre injeções
Chegar a mais gente, mais cedo, com a dose
1 da vacina
contra a Covid-19 é uma estratégia que faz sentido, dizem cientistas.
Ou fazia. A chegada
da variante delta do vírus provocou controvérsia sobre a conveniência
de continuar com o plano. Isto é, talvez seja necessário dar doses 2 mais cedo,
diminuindo o intervalo entre as injeções de AstraZeneca e Pfizer (desacelerando
a difusão de doses 1).
Estados e cidades decidiram acelerar
a aplicação das doses 1 em junho, em especial São Paulo. Tal plano
surgiu da mistura da conveniência com a feia necessidade, baseada também em
estudos sobre a efetividade da dose 1.
Aumentou o número
disponível de vacinas que podem ter um intervalo de 12 semanas entre
as injeções (AstraZeneca e Pfizer): até abril, eram 39% do total no Brasil; em
junho, foram 85%. Dada a escassez
de vacina, faria sentido proteger mais gente parcialmente e mais cedo,
embora falte um cálculo preciso de qual o ponto ótimo, um equilíbrio eficaz,
entre o número de doses 1 e 2.
A primeira dose de AstraZeneca e Pfizer evita cerca 50% dos casos sintomáticos e em torno de 80% das internações, segundo estudos com dados da variante “alfa” na Inglaterra.
Problema: os primeiros estudos sobre a
proteção da dose 1 de Pfizer e
AstraZeneca indicam que a efetividade no caso de doença sintomática cai de 50%
(no caso da alfa) para 33% no caso
da delta. A mudança na proteção contra hospitalizações é meio irrelevante.
Denise Garrett, epidemiologista e
vice-presidente do Instituto Sabin, diz que estratégias devem variar de acordo
com a situação local da epidemia, da vacina e
das doses disponíveis e de outras medidas de contenção da doença. A estratégia
dose 1 acelerada fazia sentido, inclusive porque a primeira injeção em já
infectados eleva a resposta imunológica a níveis de dose 2 ou até mais, segundo
estudos preliminares.
Com a delta batendo à porta ou já com
“transmissão comunitária”, “o jogo mudou”. “Não tenho dúvida de que, neste
momento, não é uma boa estratégia [acelerar a dose 1]. Tem de ser revista
‘ontem’. A delta chegou para nos assombrar”, diz, embora note que a polêmica a
esse respeito seja internacional. A transmissão da delta é muito mais veloz e a
proteção da dose 1 contra a cepa é pequena. Além do mais, enfatiza Denise, o
país tem de fazer aquilo que até agora pouco fez ou não fez: “teste, rastrear
infectados, quarentenar, seguir todos os casos, ainda mais da delta”, diz.
Ester Sabino, professora do departamento de
Moléstias Infecciosas e Parasitárias da USP e autora de vários estudos sobre o
vírus e a epidemia,
diz que a estratégia “dose 1 acelerada” faz sentido, até porque “uma dose em
uma pessoa previamente infectada dá proteção maior que duas doses em uma pessoa
sem infecção prévia”. Observa que “o ideal” talvez fosse dar dose 2 para
pessoas com mais de 50 anos e acelerar a 1 nos mais jovens. Mas pondera: “é uma
opinião”, pois faltam dados para basear com mais certeza as estratégias.
Jorge Kalil Filho ensina imunologia clínica
na USP e desenvolve uma vacina
contra a Covid-19. Acha que, por ora, seria possível manter o plano de
acelerar a dose 1 “desde que” as pessoas que correm mais risco de doença grave
e morte tenham sido integralmente vacinadas (aquelas com mais de 60 anos e
com comorbidades sérias).
Muitos nesses grupos ainda não tomaram a
dose 2, alerta Kalil (na cidade de São Paulo, falta dar dose 2 a cerca de 45%
das pessoas de 65 a 69 anos, por exemplo). Ainda assim, o pesquisador também
observa que faltam dados precisos para achar o equilíbrio ideal entre dose 1
acelerada e mais doses 2.
“É uma boa pergunta para a qual ainda não tenho resposta”, diz o epidemiologista Paulo Lotufo, também professor da USP, sobre a necessidade de rever a dose 1 acelerada, dado risco da delta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário