quarta-feira, 7 de julho de 2021

Vinicius Torres Freire - Variante delta e a eficácia da dose 1

Folha de S. Paulo

Talvez seja necessário dar doses 2 mais cedo, diminuindo intervalo entre injeções

Chegar a mais gente, mais cedo, com a dose 1 da vacina contra a Covid-19 é uma estratégia que faz sentido, dizem cientistas. Ou fazia. A chegada da variante delta do vírus provocou controvérsia sobre a conveniência de continuar com o plano. Isto é, talvez seja necessário dar doses 2 mais cedo, diminuindo o intervalo entre as injeções de AstraZeneca Pfizer (desacelerando a difusão de doses 1).

Estados e cidades decidiram acelerar a aplicação das doses 1 em junho, em especial São Paulo. Tal plano surgiu da mistura da conveniência com a feia necessidade, baseada também em estudos sobre a efetividade da dose 1.

Aumentou o número disponível de vacinas que podem ter um intervalo de 12 semanas entre as injeções (AstraZeneca e Pfizer): até abril, eram 39% do total no Brasil; em junho, foram 85%. Dada a escassez de vacina, faria sentido proteger mais gente parcialmente e mais cedo, embora falte um cálculo preciso de qual o ponto ótimo, um equilíbrio eficaz, entre o número de doses 1 e 2.

A primeira dose de AstraZeneca e Pfizer evita cerca 50% dos casos sintomáticos e em torno de 80% das internações, segundo estudos com dados da variante “alfa” na Inglaterra.

Problema: os primeiros estudos sobre a proteção da dose 1 de Pfizer e AstraZeneca indicam que a efetividade no caso de doença sintomática cai de 50% (no caso da alfa) para 33% no caso da delta. A mudança na proteção contra hospitalizações é meio irrelevante.

Denise Garrett, epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin, diz que estratégias devem variar de acordo com a situação local da epidemia, da vacina e das doses disponíveis e de outras medidas de contenção da doença. A estratégia dose 1 acelerada fazia sentido, inclusive porque a primeira injeção em já infectados eleva a resposta imunológica a níveis de dose 2 ou até mais, segundo estudos preliminares.

Com a delta batendo à porta ou já com “transmissão comunitária”, “o jogo mudou”. “Não tenho dúvida de que, neste momento, não é uma boa estratégia [acelerar a dose 1]. Tem de ser revista ‘ontem’. A delta chegou para nos assombrar”, diz, embora note que a polêmica a esse respeito seja internacional. A transmissão da delta é muito mais veloz e a proteção da dose 1 contra a cepa é pequena. Além do mais, enfatiza Denise, o país tem de fazer aquilo que até agora pouco fez ou não fez: “teste, rastrear infectados, quarentenar, seguir todos os casos, ainda mais da delta”, diz.

Ester Sabino, professora do departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da USP e autora de vários estudos sobre o vírus e a epidemia, diz que a estratégia “dose 1 acelerada” faz sentido, até porque “uma dose em uma pessoa previamente infectada dá proteção maior que duas doses em uma pessoa sem infecção prévia”. Observa que “o ideal” talvez fosse dar dose 2 para pessoas com mais de 50 anos e acelerar a 1 nos mais jovens. Mas pondera: “é uma opinião”, pois faltam dados para basear com mais certeza as estratégias.

Jorge Kalil Filho ensina imunologia clínica na USP e desenvolve uma vacina contra a Covid-19. Acha que, por ora, seria possível manter o plano de acelerar a dose 1 “desde que” as pessoas que correm mais risco de doença grave e morte tenham sido integralmente vacinadas (aquelas com mais de 60 anos e com comorbidades sérias).

Muitos nesses grupos ainda não tomaram a dose 2, alerta Kalil (na cidade de São Paulo, falta dar dose 2 a cerca de 45% das pessoas de 65 a 69 anos, por exemplo). Ainda assim, o pesquisador também observa que faltam dados precisos para achar o equilíbrio ideal entre dose 1 acelerada e mais doses 2.

“É uma boa pergunta para a qual ainda não tenho resposta”, diz o epidemiologista Paulo Lotufo, também professor da USP, sobre a necessidade de rever a dose 1 acelerada, dado risco da delta.

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